Lama Samten em retiro no CEBB Mendjila, em 2019. (Foto de Zé Paiva/Vista imagens)

O Buda da Medicina e as 5 sabedorias

Lama Padma Samten nos mostra como praticar a visão das cinco sabedorias a partir do mantra do Buda da Medicina


Por
Revisão: Bruna Crespo e Dirlene Ribeiro Martins
Edição: Lia Beltrão e Gustavo Gitti
Transcrição: Esio Magalhães, Luciana Oliveira, Renata Schindel, Sueli Martinez e Clarissa Gleich

Nos dias 27, 28 e 29 de março de 2020, em meio à pandemia do novo coronavírus, desde sua casa no CEBB Bacopari (RS), o Lama Padma Samten ofereceu um retiro em formato online com o título “Sabedoria para uma existência significativa”. No começo de cada sessão de prática, o Lama conduziu a prática do Buda da Medicina, nos apresentando à visão da sadana correspondente, linha a linha. Neste trecho transcrito pela sanga CEBB, ele orienta especificamente sobre como integrar a prática da recitação do mantra do Buda da Medicina com a visão dos meios hábeis traduzidos pelas sabedorias dos cinco Diani Budas. Neste momento de aflição social causada não só pela ameaça que sentimos à nossa saúde e à das pessoas, mas também pelas respostas de esferas políticas e econômicas à crise, Lama Samten nos encoraja a praticar diante daqueles que mais julgamos. Seja no ambiente doméstico ou em qualquer outro, a quarentena parece o momento ideal para colocarmos em prática estas instruções preciosas!    

 

Nós já passamos por grandes crises na humanidade, mas acredito que não tivemos nenhuma que tivesse essa expressão tão clara e instantânea dos perigos olhados minuto a minuto, hora a hora, dia a dia. Nós já passamos por guerras mundiais, outras pandemias devastadoras e bem mais devastadoras do que esta presente. Mas nós poderíamos talvez dizer que esta é a primeira ameaça global que está sendo administrada em tempo real, em todas as partes. Então, estamos conscientes do que está acontecendo em cada lugar.

Essa visão de acompanhar em tempo real é muito maravilhosa, porque ela na verdade está fundando uma outra forma de operarmos. É como se a humanidade inteira se transformasse aceleradamente num único organismo. O fato de acompanharmos tudo em tempo real significa que a comunicação de cada parte da humanidade vai para uma mente coletiva, em que todos colaboram de algum modo. E essa mente coletiva vai se transformando, encontrando o jeito pelo qual ela protege a humanidade como um todo e se defronta com as ameaças.

“O fato de acompanharmos tudo em tempo real significa que a comunicação de cada parte da humanidade vai para uma mente coletiva, em que todos colaboram de algum modo.”

Eu aspiro que essa inteligência coletiva expresse as qualidades iluminadas do Buda e a lucidez das mandalas, que ela não avance em direção a expressões de outros tipos de doenças excludentes. Que nós possamos avançar em direção à harmonia de um organismo.

 

Experiência cíclica: a contaminação pela ignorância

Quando estamos em operação no mundo, é natural entendermos que há um pulsar da vida. Esse pulsar da vida vem através das respostas automatizadas, da consciência comum – que é explicada e descrita através dos três venenos, das seis emoções perturbadoras. Quando surgem os três venenos e as seis emoções perturbadoras, surgem como decorrência os impulsos das dez ações não virtuosas. E, quando surge o impulso das dez ações não virtuosas, nós inevitavelmente vamos deslizando de experiências melhores para experiências de carência, aflição, raiva e medo, que correspondem aos reinos inferiores.

 “Quando estamos em operação no mundo, é natural entendermos que há um pulsar da vida.”

Quando adoecidos, quando envenenados, quando em grande sofrimento, nos voltamos ao que há de mais elevado que encontramos dentro da própria mente e desenvolvemos compaixão pelos outros seres. Ampliando a nossa visão, nós novamente começamos a subir em nossa experiência. Mas enquanto subimos, ainda estamos operando com upadana, ainda estamos operando com desejo-apego. Então essa subida nos lança em outros reinos contaminados onde a experiência é melhor, porém são reinos contaminados. Sendo reinos contaminados pela ignorância, mais adiante novamente afundamos na experiência cíclica. E por isso chamamos isso de experiência cíclica, ou seja, nós vamos seguindo por ciclos de subidas e descidas.

 

Quadro dos 240 itens: a descrição da experiência cíclica comum 

E como que nós podemos ultrapassar isso? Eu vou explicar aqui como podemos operar de uma outra forma, além da experiência cíclica comum, que está descrita como o quadro de 240 itens. Esse quadro está explicado em diferentes lugares e está dentro da nossa sadana (CEBB – Centro de Estudos Budistas Bodisatva). Ele é um tema de contemplação muito útil para examinarmos como a nossa experiência enfim se produz.

Então, aqui está o quadro de 240 itens (imagem abaixo). Nós entendemos que os três venenos produzem orgulho, inveja, desejo-apego, obtusidade mental, carência e raiva essencialmente as emoções perturbadoras dos seis reinos.

Quadro dos 240 itens (Fonte: sadana CEBB)

 

A experiência cíclica produz isso não apenas na mente, mas produz isso também como uma manifestação que permeia o nosso corpo, nossa fala (incluindo a expressão verbal, mas não só) e também nossas visões de mundo, ou seja, nossas paisagens mentais. Portanto, não se trata apenas da mente, mas também das paisagens. Qual é a diferença entre a mente e as paisagens? Elas são inseparáveis, mas podemos localizar melhor isso quando entendemos, por exemplo, que quando a pessoa joga um jogo de tabuleiro, a ação da mente é essencialmente o pensar sobre como as jogadas podem se exercer. Mas esse pensar em como as jogadas se exercem depende da paisagem.

A paisagem é a própria estrutura do jogo, que tem os referenciais que balizam a operação da mente. Quando a pessoa fala sobre a própria experiência, essa fala também está presa à mente e à paisagem da mente. Na experiência de corpo da pessoa jogando xadrez, a pessoa não se move, fica paralisada, os olhos não piscam, e ela faz movimentos específicos. Tudo isso vem da paisagem e da própria mente. A paisagem é o aspecto mais profundo, depois vem a operação da mente, depois vem a operação da energia condicionada junto com a fala e por último a operação do corpo. Então, a operação da ignorância em nossa operação do mundo inclui esses aspectos todos. Mas como estamos sob o efeito dos três venenos da mente, eles produzem as seis emoções perturbadoras. Assim, quando estamos jogando, temos orgulho, temos inveja, temos desejo-apego, temos obtusidade mental, cansaço, carência, queremos resultados. Nós estamos carentes de resultados e temos medos, raiva. Essa é nossa experiência no mundo. 

A nossa experiência no mundo é muito semelhante a um tabuleiro, porque operamos dentro de bolhas e paisagens. E assim, dominados por orgulho, temos impulsos de matar, roubar, ter conduta sexual imprópria, mentir, falar inutilmente, agredir com palavras, difamar; ou seja: criar intrigas, má vontade que corresponde à raiva, avareza que corresponde à aquisitividade, e a heresia que corresponde à ignorância. Esses três últimos itens são as ações negativas de mente, que correspondem essencialmente aos três venenos: ignorância, aquisitividade e carência, raiva e exclusão.

E assim entendemos que nós e os outros seres, operando dentro da roda da vida, manifestamos todas essas aflições. Elas não são apenas aflições mentais, são aflições que incluem a fala, a energia, o corpo e especialmente os nossos referenciais. Por vezes, acreditamos que poderíamos simplesmente mudar a mente. Mas quando vamos mudar a mente vemos que não acontece. Por que não? Porque estamos jogando um jogo. Então, vocês imaginem: estamos jogando um jogo de xadrez e vamos fazer movimentos correspondentes a um jogo de dama no tabuleiro? Não dá! Qualquer pessoa de bom senso vai dizer: “Não, eu não posso mudar, eu tenho que agir desse mesmo modo”. Eu acredito, por exemplo, que as pessoas ligadas ao agronegócio não gostariam de usar venenos, mas quando elas olham, dizem: “Não, eu preciso usar veneno”. Assim, é necessário não apenas dizermos para as pessoas “Faça uma outra coisa”, mas especialmente precisamos ajudar as pessoas a compreender como aquilo que elas estão vivendo pode ser vivido dentro de outras paisagens da mente, dentro de outras bolhas de realidade, dentro de mandalas ou dentro de expressões lúcidas. 

No caso da agricultura, poderíamos dizer que uma das nossas prioridades é utilizar esses recursos, como por exemplo o plantio agroflorestal ou a agricultura sintrópica. Isso é essencial. Eu acredito que a própria sanga deveria ter algum nível de experiência desse tipo. Nos tempos em que estamos vivendo, a preservação da vida passa pela importância e pela prática que possamos ter da agricultura agroflorestal que permite a complexidade da vida e a produção contínua , e da agricultura sintrópica, que é muito semelhante. 

Portanto, poderíamos dizer que o quadro dos 240 itens é o “Quadro da Descrição das Desgraças Cíclicas da Ignorância”.  É isso.

Mas vamos mostrar também o Quadro dos 200 itens, que mostra, enfim, como vamos ultrapassar essas coisas. Eu vou descrever como podemos fazer, como você pode passar pela quarentena, em meio à família, sem passar por um sofrimento maior do que um tanto. Ou seja, como você pode manifestar as cores do arco-íris em meio à sua experiência. Se formos passar a quarentena no quadro de 240 itens, essa não é uma boa ideia. Vamos passar por um grande problema. Se vocês já estão passando por um grande problema, veja. Aqui é o mapa do problema (veja o quadro dos 240 itens acima).

Esse mapa do problema vai começar com a paisagem. A paisagem da mente, o lugar onde ela está. Essa paisagem vai dar origem a tudo isso. Por exemplo, o orgulho e o impulso de matar não são o impulso de matar apenas. O impulso de matar pode se manifestar com a fala e com o corpo: nós temos fala agressiva e postura de corpo agressiva. E temos uma paisagem de mente que justifica a agressividade. É assim. Por orgulho podemos manifestar tudo isso, e também por inveja, obtusidade mental, carência, raiva, medo, desejo-apego. Nós manifestamos essas energias todas e essas visões justificam as energias e as operações da mente. Assim justificamos nossa situação toda e nossa aflição. Quando justificamos tudo isso, o que brota em nossa mente? Brota a aspiração urgente de transmigração. Queremos ir embora, fazer outra coisa. Essa transmigração é o que sempre fizemos ao longo de incontáveis vidas. Nós sempre transmigramos, sempre nos levantamos de onde estamos e fomos para outro lugar. Agora nós temos esse desafio. Afinal não dá para sair. Com a quarentena, nós não podemos sair. Então, como podemos purificar o lugar onde estamos? 

 

Quadro dos 200 itens associado ao Buda da Medicina

Como podemos, enfim, purificar nossa experiência? Este é o conteúdo do Quadro dos 200 itens. Aqui, fizemos a prática do Buda da Medicina (se referindo à Sadana do Buda da Medicina, feita no começo do ensinamento). Nós poderíamos dizer: fizemos a prática do Buda da Medicina, agora sentamos pacíficos e sorridentes. Entendemos a liberação dos seres, entendemos a origem da sílaba HUM inseparável da natureza primordial. Recitamos o mantra até o ponto em que vida se expressa de modo luminoso… Então, nós estamos sentados, pacíficos e sorridentes, envoltos numa auréola de luz. Este é um ponto adequado para olharmos em nosso cotidiano doméstico. Aparentemente nós estamos sentados, praticamente iluminados, mas os seres não estão entendendo nossa iluminação. Eles estão subindo pelas paredes, fazendo qualquer coisa dentro de casa. E pensamos: eu não consigo ser um ser iluminado em meio a uma situação caótica dessas. Não há condição. Pensamos: “eu preciso ir para um lugar isolado para praticar a minha iluminação”. Portanto, o nosso desafio é: como eu posso praticar a lucidez em meio a circunstâncias onde efetivamente estamos vivendo? Aqui vamos olhar o quadro dos 200 itens.

 

Quadro dos 200 itens (Fonte: sadana CEBB)

 

Sabedoria do espelho: acolhe as múltiplas expressões da vida

O primeiro ponto do quadro dos 200 itens – a sabedoria do espelho – corresponde ao Buda da cor azul. Olhem assim: vocês estão sentados, e as coisas estão acontecendo ao redor. Vocês não precisam ficar presos à própria casa, podem olhar o bairro, o edifício, as regiões circundantes, podem olhar a cidade inteira, o país, o continente, o planeta inteiro. Quando pensamos o planeta, é a construção de mente que temos de planeta, mas chamamos aquilo de planeta. 

Então, como é a prática da sabedoria do espelho? Vemos os seres reconhecendo suas experiências em cada lugar. São a experiência luminosa daqueles seres. Cada um deles está dentro de uma bolha, dentro de um tipo de realidade, e ele responde àquela realidade como vimos no quadro de 240 itens. Eles estão com a sua paisagem mental, com a sua bolha, e estão respondendo dentro daquilo, operando com a mente deles desse modo. A fala e a energia deles estão ligadas àquilo, e o corpo exerce suas atividades a partir daquilo. 

Os governantes no Brasil que defendem a abertura e a suspensão do isolamento também estão operando assim: dentro da paisagem mental econômica. Não estão vendo as consequências daquilo, estão presos a uma bolha. Eles estão manifestando uma energia e uma fala correspondentes a isso, e uma ação de corpo também. Então, nós olhamos com a sabedoria do espelho. Entendemos que aqueles seres estão agindo como podem: são coerentes com a visão deles. A primeira coisa que acontece quando olhamos com a sabedoria do espelho é que vemos que esses seres estão olhando do jeito que é possível, dentro da bolha deles. 

Se juntássemos o quadro dos 200 itens com a prática do Buda da Medicina, poderíamos entender o Buda da Medicina inseparável do Buda Primordial, que gera cinco meios hábeis: as cinco sabedorias. Essas cinco sabedorias são inseparáveis dos diferentes Budas. O Buda azul é o Buda Akshobia, o da cor amarela é o Buda Ratnasambhava, o Buda da cor vermelha é Amitaba, o da cor verde é Amoghasiddhi, e o Buda da cor branca é Vairochana. O nome desses Budas é apenas um referencial, o que importa mesmo são as sabedorias. 

Podemos também tomar essas cinco sabedorias como meios hábeis do próprio Buda da Compaixão, que aqui surge como o Buda da Medicina. Entendendo a Sabedoria do Espelho, podemos utilizar o mantra do Buda da Medicina como um mantra de cura. Podemos dizer: OM BEKA DZE BEKA DZE MAHA BEKA DZE RANDZA SAMUDGATE SOHA (três vezes). E assim vamos contemplando as múltiplas experiências de aflição nossa e dos outros a partir da Sabedoria do Espelho. Podemos contemplar também as certezas que os seres têm; os movimentos de corpo, de energia ou de fala que os seres têm. Podemos olhar a nossa família, as nossas crianças, e os vemos em mundos diferentes, em bolhas específicas. Ao final de um tempo, o que surge no nosso coração? O acolhimento. Quando olharem o quadro de 200 itens, vão ver esta expressão: acolher. Esse acolher é o resultado da prática de compreensão da Sabedoria do Espelho. 

Depois de recitarmos longamente OM BEKA DZE BEKA DZE MAHA BEKA DZE RANDZA SAMUDGATE SOHA, não temos mais em nós o veneno da insatisfação, hostilidade ou aflição. Praticando a Sabedoria do Espelho, que é o primeiro elemento do quadro de 200 itens, nos sentimos liberados da aflição e voltamos à condição do Buda sorridente, radiante, circundado por uma auréola de luz. Pacífico e sorridente. Porque, nesse momento, surge no nosso coração a capacidade de acolher todas as expressões diferentes que ocorrem em vários lugares. A expressão da vida. À medida que seguimos recitando o mantra OM BEKA DZE BEKA DZE MAHA BEKA DZE RANDZA SAMUDGATE SOHA, terminamos entendendo essa expressão múltipla da vida, uma expressão coerente dentro dela mesma, que é a coerência da vida. Olhamos a vida como uma expressão luminosa da natureza primordial. Ao mesmo tempo, vemos que os seres que surgem daquele modo têm a liberdade de manifestar a lucidez. E isso completa a prática da Sabedoria do Espelho: acolhemos e vamos até o ponto em que vemos aqueles seres com a capacidade de manifestar a natureza primordial. 

Buda da Medicina (Fonte: sadana CEBB)

 

Sabedoria da igualdade: a alegria dos outros não é separada da nossa

No momento seguinte, vamos usar a Sabedoria da Igualdade. É muito fácil compreender a Sabedoria da Igualdade num ambiente doméstico, num ambiente de pais, mães e filhos, de irmãos. Por exemplo, quando estamos olhando os nossos filhos, não pensamos que a alegria deles é separada da nossa. Vemos a igualdade de todos os seres. Essa igualdade pode se manifestar de muitos modos. Por exemplo, podemos ver a igualdade como uma expressão de todas as manifestações: elas brotam do mesmo lugar, da natureza livre da mente em direção à experiência particular. Já a experiência particular brota dos 12 elos, que, por sua vez, são experiências luminosas da mente. Então, isso é um nível de igualdade. 

Aqui estamos olhando dentro de um nível de igualdade psicológica, ou seja, nós, enquanto seres no mundo, estamos inseparáveis dos outros seres. Quando estamos operando de um modo dual, não conseguimos nos alegrar com os pássaros, com as plantas, os rios, os lagos, os peixes, as montanhas, as florestas, com as outras pessoas. Porém, quando estamos dentro da Sabedoria da Igualdade, dentro de uma visão ampla – quando repousamos no solo morada do ser, no Prajnaparamita, na grande vacuidade, Kadag, que é incessantemente presente, lúcida -, nós somos capazes de olhar os outros seres dentro do mundo deles, como vimos com a Sabedoria do Espelho. Quando os olhamos dentro do mundo deles, é natural que nos vejamos completamente inseparáveis, ou seja: aquilo que é bom para eles também é a nossa experiência. Repentinamente, se estamos sérios, podemos olhar para os filhos e brincar com eles dentro da bolha deles. Podemos ir para a cozinha e ajudar ou liderar o processo do almoço. Podemos ajudar a arrumar a casa. Podemos ver as diferentes bolhas de realidade das diferentes pessoas. Pela Sabedoria da Igualdade, aquilo não é uma coisa do outro, é algo que nós vivemos também. Essa Sabedoria da Igualdade é simbolizada pela cor amarela, porque diz respeito à riqueza: podemos colher a riqueza dos múltiplos ambientes. 

Aqui, no Bacopari, tem uma chuva fina, praticamente não tem vento e está bem mais fresco, então é um clima perfeito para as plantas crescerem. As árvores estão sendo beneficiadas pelo solo que umedece e se expandem; estão bem verdes e felizes. Olhando isso, também podemos nos alegrar. Mas como vou me alegrar com uma árvore? Nós temos essa capacidade de se alegrar com as árvores e com os outros seres. Com os nossos filhos, os outros membros da família e os amigos também. Quando fazemos isso, nós acessamos aquilo que chamamos de riqueza não financeira. É uma riqueza! As árvores crescendo enriquecem a nossa vida, os pássaros felizes enriquecem a nossa vida, as outras pessoas, vivendo as suas vidas de modo brilhante e luminoso, enriquecem a nossa vida. A vida como um todo se enriquece a partir da Sabedoria da Igualdade. Então, olhamos todas as expressões da vida como uma manifestação luminosa da natureza primordial. Olhamos como a riqueza de que todos nós dispomos e que está presente nas nossas vidas. 

Quando isso acontece, nós amadurecemos na relação com os outros seres. Agora temos a possibilidade da generosidade, ou seja, oferecemos boas coisas para os outros. Essa capacidade de oferecer vem diretamente da Sabedoria da Igualdade. Não temos a sensação de oferecer: quando o outro aceita, aquilo não é a alegria do outro, é a nossa alegria. Não existe nós e outro; a alegria do outro é a nossa alegria. Exercemos a não dualidade. Entendemos as mentes dos outros seres e podemos ofertar. Quando amadurecemos, vamos até o ponto de ofertar. Essa oferta vem dentro da característica da não dualidade. E seguimos recitando: OM BEKA DZE BEKA DZE MAHA BEKA DZE RANDZA SAMUDGATE SOHA (três vezes). 

 

Sabedoria discriminativa: eliminar a ignorância com o olhar

Passamos para a terceira sabedoria, a sabedoria do Buda Amitaba, cor vermelha. O Buda Amitaba, como os outros Diani Budas, é uma expressão direta do Buda Primordial. O Buda Amitaba está sentado no equilíbrio meditativo e corresponde à lucidez que brota da natureza última. É uma lucidez pacífica e irada ao mesmo tempo. É pacífica porque o Buda está pacífico, sereno, olhando tudo. É irada porque, enquanto olha, ele vê com profundidade a ignorância. Ele está livre da ignorância e elimina a ignorância com seu próprio olhar. Eliminar a ignorância é como interromper o brinquedo, interromper a ilusão, e isso nos aflige. Esse primeiro momento de aflição ocorre justamente porque a lucidez rompe as dimensões de apego. O Buda Amitaba vai descrever as Quatro Nobres Verdades, o Nobre Caminho de Oito Passos, vai descrever o sofrimento inevitável dos seres no meio da ilusão e da ignorância-moa e ignorância-avidya, e dos 12 elos da originação dependente. Mas ele também vai trazer a clareza quanto à liberação. 

O Buda Amitaba, para nós, representa o lugar livre das múltiplas bolhas de realidade, a partir do qual temos a lucidez com respeito às próprias bolhas e as aparências que surgem diante de nós. Essa clareza é estruturante, é o caminho que surge para a nossa prática e que traz os referenciais que nos permitem andar. À medida que entendemos de modo mais profundo tudo o que está acontecendo, podemos compreender que não basta que as famílias e as crianças sigam a vida comum das bolhas de realidade. É necessário que elas olhem de forma mais profunda suas próprias vidas. Precisam olhar suas vidas a partir das Quatro Nobres Verdades. Então, a estrutura do Darma surge na nossa mente. O conjunto de sabedorias que brotam da natureza livre da mente termina se estruturando na relação com as várias bolhas de realidade que encontramos e, assim, surge uma construção. Embora artificial, essa construção nos ajuda a sair, é um caminho. Em uma parte da Roda da Vida, há um caminho onde tem um Buda caminhando, um mestre caminhando, e uma fila de pessoas indo atrás. Eles estão saindo da Roda da Vida. Aquele caminho, por ser dentro da Roda da Vida, ainda é ilusório, é um caminho construído, mas ele nos conduz para fora. Aqui, o Buda Amitaba estrutura e nos conduz para fora da Roda da Vida. Quando amadurecemos nisso, surge uma clareza, um conjunto de referenciais, uma estrutura que pode nos levar a sair das nossas aflições das nossas experiências. Então, olhamos isso no contexto da nossa família, no contexto de todos os seres, no contexto da vida toda do planeta, e seguimos recitando o mantra de cura. O mantra do Buda da Medicina segue girando enquanto recitamos: OM BEKA DZE BEKA DZE MAHA BEKA DZE RANDZA SAMUDGATE SOHA (três vezes). 

 

Sabedoria da causalidade: as quatro formas de ação como antídoto para as ações negativas

Enquanto recitamos, vemos que os seres efetivamente têm o potencial de manifestar essa lucidez. E, assim, chegamos ao Buda Amoghasiddhi, da cor verde. O Buda Amoghasiddhi vai trabalhar a dimensão da causalidade. No caso das nossas famílias, uma criança pequena caminhando por cima de uma mesa pode ser muito perigoso, uma criança pequena com objetos de vidro na mão pode ser perigoso. Se tiverem facas e garfos na mão e estiverem correndo, isso realmente é perigoso. O Buda Amoghasiddhi entende, ele traz a compreensão da causalidade. Ou seja, dependendo daquilo que estamos fazendo, as consequências podem ser muito problemáticas; muito sofrimento pode surgir das nossas ações e também do nosso descuido. Isso é a compreensão da causalidade. É melhor fazer ações melhores do que ações piores. As ações piores são aquelas que vão produzir resultado cármico, de sofrimento. As ações melhores são aquelas que vão produzir resultado de liberação, lucidez ou bem-estar. Nós entendemos isso. E, assim, vamos seguindo recitando: OM BEKA DZE BEKA DZE MAHA BEZA DZE RADZA SAMUDGATE SOHA (três vezes). 

Aqui, entendemos que existem quatro formas de ação. Vocês se imaginem no lugar onde estão ou se imaginem como ativistas ambientais, que lutam contra ações poluidoras de mineradoras que destroem o ambiente, contra a destruição das florestas, fazem esforços para evitar que os rios morram, que o mar morra. Como podemos agir? 

Temos quatro formas de ação que se aplicam também ao ambiente doméstico. A primeira é a Ação de Poder: não oscile, não se assuste diante das aparências. No ambiente doméstico, isso é muito natural. Alguém derramou alguma coisa no chão e tem uma confusão. O pai e a mãe deveriam olhar de um jeito em que não se perturbam. Porque, se eles se perturbarem, como vão limpar e arrumar? Não se perturbar é o que podemos chamar de Ação de Poder. O samsara não deveria nos perturbar, nem por apego, nem por aversão, nem por indiferença. E nem por um desmaio. Nem pelo surgimento da raiva e das emoções perturbadoras todas. Nós deveríamos ter o equilíbrio que brota da natureza não construída. Se nós praticamos mais longamente, se somos capazes de praticar a sabedoria do espelho, a sabedoria da igualdade, a sabedoria discriminativa – as três primeiras sabedorias da cor azul, amarela e vermelha -, neste momento temos a capacidade de praticar a Ação de Poder dentro da sabedoria da causalidade.

Depois praticamos a segunda ação, que é a Ação Pacificadora: cada um fica onde está, vocês fiquem tranquilos, sabemos como arrumar isso, vai dar tudo certo. Vamos exercer a ação pacificadora. Olhamos os rios poluídos, o mar, o ar, vemos a destruição, e dizemos: “Bom, isso aconteceu. É possível curar isso”. Então, pacificamos a todos. 

Na sequência, vem a Ação Incrementadora: olhamos cada ser, mesmo que eles sejam agentes de destruição – no caso, nosso filho, de quatro anos, agente da destruição doméstica. Vemos que eles têm lucidez, têm inteligência. Não são seres terríveis, só parecem terríveis. Eles têm inteligência, têm compaixão, são amorosos. Eles têm muitas qualidades. Nós olhamos as qualidades deles e os ajudamos a manifestarem as qualidades positivas que eles têm presentes. É uma expressão amorosa, profunda em nós. Nossa expressão mais profunda é poder ver nos outros as qualidades elevadas que eles têm. Nós nos relacionamos com eles a partir das qualidades elevadas. Damos nascimento a eles através das qualidades elevadas. 

Na sequência, olhamos a quarta forma de ação: a Ação Irada. Se um filho está correndo com uma faca na mão, dizemos: “Não!”. Intervimos para ajudá-lo a não fazer alguma coisa negativa. Vão instalar a mina a céu aberto na região de Porto Alegre. Não somos contra as pessoas, mas dizemos: “Não! Mina a céu aberto, não”. As pessoas estão instalando mineração semelhante à de Brumadinho em outros lugares em Minas Gerais. Dizemos: “Não, isso não!”. As pessoas estão avançando com o fogo sobre a Amazônia. Dizemos: “Não, isso não!”. As pessoas estão pressionando os Yanomani. Dizemos: “Não, isso não!”. As pessoas não concedem espaço para os Guarani andarem pela estrada. Eles são vistos como gente perigosa, mas não são gente perigosa, são gente pacífica e lúcida. Dizemos: “Não, eles têm esses direitos”. As pessoas drenam toda a água do lago aqui no Bacopari. Dizemos: “Não, isso não deveria”. As pessoas passam a rede e retiram todos os peixes do lago. Dizemos: “Não, isso não deveria”. Não somos contra as pessoas. Somos contra as ações negativas que vão causar sofrimento para muitos seres em muitas direções. Esta é a questão. Então, a sabedoria da causalidade tem essas quatro ações, e na quarta, a Ação Irada, nós evitamos a expressão da negatividade. A Ação Irada não é uma ação agressiva, não é uma ação raivosa, não é uma ação contra o outro. É uma ação a favor do outro.

Acho muito bonito o movimento da agricultura sintrópica a partir do Ernst Gotsh. Ele não tem nenhum traço de hostilidade em relação aos agricultores que manifestam a agricultura a partir dos venenos. O Ernst, e todo o movimento da agricultura sintrópica, busca, hoje, ajudar os agricultores a fazerem uma agricultura melhor. Todos nós queremos fazer uma agricultura melhor que proteja a vida, mas as pessoas realmente não sabem como fazer. Então é necessário que a gente se una, una os esforços e as capacidades econômicas para encontrar soluções. Que as universidades ajudem, os políticos ajudem, as pessoas que têm recursos ajudem, que consigamos romper esse limite. Que as indústrias químicas ajudem. Depois, elas precisam se reinventar, porque a agricultura sintrópica termina se libertando da indústria química, mas isso é uma espécie de liberdade para nós. Poderíamos pensar que a indústria química surge para proteger a vida dentro das bolhas que existiam. Mas, então, as bolhas mudam, e a indústria química se reinventa. Ela vai fazer outras coisas. Quando entendemos isso, compreendemos que não há inimigos. Essa é a maturidade da sabedoria da causalidade. Ainda assim, eu escolhi destruir como a palavra que traduz a maturidade da sabedoria da causalidade. Por quê? É a destruição da negatividade. Destruir a ignorância da mente. A ignorância e a negatividade, nas suas múltiplas expressões, é que vão produzir as bases para o sofrimento. Refiro-me à ação compassiva de destruir a negatividade para salvar os seres. Quando compreendemos isso, compreendemos os quatro lados da mandala dos Diani Budas. E nós seguimos o nosso processo de cura do ambiente, de cura do planeta Terra, de instalação das terras puras. E seguimos recitando o mantra OM BEKA DZE BEKA DZE MAHA BEZA DZE RADZA SAMUDGATE SOHA (três vezes).

 

Sabedoria da transcendência ou de Darmata: existe uma base incessante 

E, agora, chegamos ao quinto Diani Buda. Dentro da mandala temos o Buda Akshobia, depois o Buda Ratnasambhava, o Buda Amitaba, o Buda Amoghasiddhi e, no centro, o Buda da cor branca, que é Vairochana. O Buda Vairochana produz a experiência de repousar na natureza livre da mente. Nós compreendemos a multiplicidade das aparências. Temos visões, que são substituídas por outras visões, e por outras visões. Existe a base incessante: o solo morada do ser. É como se, com o Buda Vairochana, estivéssemos conscientes disso: da natureza não construída, da natureza isenta das ações de elaboração. No prajnaparamita também: nós vamos descrever que não há construções artificiais e, portanto, não há medos. Esse é o aspecto da liberação de todos os medos, de todas as aflições, de todas as sensações de morte. Se nós culminamos nesse ponto, este é o ponto final, onde reconhecemos a forma não fabricada, o solo da morada do ser. Nós reconhecemos o núcleo central do próprio Buda da Medicina, que é inseparável do Buda primordial, que é inseparável do Buda Vairochana, inseparável de Samantabhadra e Kuntuzangpo. Nós entendemos isso. E recitamos: OM BEKA DZE BEKA DZE MAHA BEZA DZE RADZA SAMUGATE SOHA (três vezes).

Quando olhamos os outros seres – as crianças dentro de casa -, nós reconhecemos que todos os seres têm a natureza livre. Que maravilhoso! Que espantoso! Que incrível! Todos eles manifestam a luminosidade de suas realidades, das suas bolhas, da sua criatividade. Todos manifestam isso como uma expressão luminosa. Que maravilha! E, então, nós libertamos os seres das aparências comuns deles. Reconhecemos que o aspecto profundo deles não está expresso pelo que somos capazes de ver, mas, sim, pela forma não fabricada que está presente dentro deles. Eles manifestam formas fabricadas que se originam de formas não fabricadas. Eles fazem a vida pulsar a partir da forma não fabricada. Entendemos que aqueles que destroem a natureza, que poluem os rios, que consomem as montanhas, que produzem gigantescas quantidades de lixo – as inteligências coletivas que seguem destruindo tudo, as coletividades de pessoas, de seres e de empreendedores que sonham com os seus empreendimentos, como seu sucesso em várias ações -, têm a sua ação baseada na forma não-fabricada. Eles são Budas que têm a natureza livre, e aproveitam a natureza livre e luminosa da mente para construir aspectos fabricados. Os aspectos fabricados que eles produzem, produzem sofrimento correspondente àquilo mesmo.

Percebemos, então, que podemos, a partir da Sabedoria do Espelho, da Sabedoria da Igualdade, da Sabedoria Discriminativa, da Sabedoria da Causalidade, ajudar os seres a se curarem, a ampliarem sua visão até o ponto de reconhecer a forma não fabricada de estar, que é o núcleo central do Buda da Medicina. Então, o Buda da Medicina não apenas cura nossas enfermidades, ele cura a enfermidade do planeta como um todo, ele cura a enfermidade da vida como um todo, a enfermidade de todas as expressões limitadas. E nós seguimos recitando: OM BEKANZE BEKANZE MAHA BEKANZE RADZA SAMUGATE SOHA (três vezes).

No quadro de 240 itens, a expressão para o Buda Vairochana é liberar. Nós atingimos a liberação pelo reconhecimento da natureza naturalmente livre do solo morada do ser, a forma não fabricada de estar, que é livre das limitações da elaboração. Estamos liberados das próprias construções mentais que nós fizemos. É como se nós estivéssemos recuando pelos 12 elos da originação dependente. Estávamos ainda em samskara, que é o segundo dos 12 elos. Nesse momento, recuamos e vamos para o lugar livre da mente. Libertos das construções mentais que nós mesmos fizemos. 

Neste momento, por exemplo, as pessoas que acreditam na agricultura com veneno se liberam das construções mentais que pareciam indicar de modo inevitável a utilização de venenos. As pessoas que estão destruindo através da mineração entendem que esse referencial é construído, se liberam desse referencial, se liberam pelo poder da sua natureza livre. As pessoas que estão operando com ódio, que estão articuladas na internet de uma forma hostil, entendem a natureza livre delas e se liberam dessa hostilidade. As pessoas que estão em diferentes lugares, produzindo ações negativas, se liberam da sua própria negatividade. Esse espaço amplo nos permite ver que ele mesmo é inseparável da liberação. Sem a liberação das nossas fixações, das nossas construções, como vamos ter a liberação? Não é possível. Liberação é a experiência da liberdade além das construções da mente, além de todos os 12 elos da originação dependente. Isso é um processo completamente natural para nós. E seguimos recitando.

Seria maravilhoso se pudéssemos praticar incessantemente o mantra do Buda da Medicina, dentro dessa compreensão que nos leva a curar a vida das dores que a própria vida cria para si mesma. Este é um ensinamento sobre os meios hábeis dos cinco Diani Budas para exercer essa liberação. Então, quando surge o acolher, o ofertar, o estruturar, o destruir e o liberar, brota naturalmente nossa capacidade de manifestar compaixão, amor, alegria, equanimidade, generosidade, moralidade, paz, energia constante, concentração e sabedoria nas relações, nas várias direções. Podemos resumir isso também dizendo: não há inimigos, todos os seres têm a natureza de Buda. Essa é a realização final do processo de cura. 

 

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