Na placa lê-se “direção errada”. Foto: NeONBRAND

Desligue seu modo de busca

Tenzin Wangyal Rinpoche nos ensina sobre a prática de refúgio interior


Por
Revisão: Lilian Tavares
Edição: Janaína Araújo

O mestre Tenzin Wangyal Rinpoche é um dos poucos da linhagem Bön que hoje vivem no Ocidente. Seu trabalho como professor é resultado de mais de 15 anos de experiência na orientação de praticantes ocidentais. Fundador e diretor espiritual do Ligmincha Institute, uma organização dedicada a preservar antigos ensinamentos da tradição tibetana, ele estará no Brasil pela quarta vez oferecendo retiros. Desta vez, em Recife (PE), de 30 de novembro a 2 de dezembro.

Nascido em Amristar, na Índia, depois que seus pais fugiram da invasão chinesa no Tibete, ele recebeu treinamento tanto de mestres budistas quanto de mestres do Bön. Aos 10 anos Tenzin Rinpoche foi ordenado como monge e reconhecido pelo professor titular Lopon Sangye Tenzin Rinpoche como a reencarnação do famoso mestre Khyung Tul Rinpoche, um mestre de meditação de renome, professor, estudioso e médico que morreu em meados do século 20.

Tenzin Wangyal Rinpoche concluiu o curso de 11 anos de estudos tradicionais na Escola Dialética do Mosteiro de Menri, onde ele recebeu seu diploma de Geshe, equivalente a um doutorado em filosofia nas universidades ocidentais. Foi nomeado por Sua Santidade o XIV Dalai Lama como representante da tradição Bön à Assembleia de Deputados do Povo Tibetano do Governo Tibetano no exílio.

Nesta tradução dos ensinamentos orais cedida pela Ligmincha Brasil, Tenzin Wangyal Rinpoche nos fala sobre como podemos desligar nosso sistema de navegação – nosso modo de busca para nos conectarmos com nossa própria fonte, com o nosso refúgio interior. No final do texto, você poderá recitar a prece, pois “o ensinamento está lá para tentar ajudá-lo a conectar-se a si mesmo”, como recomenda o Rinpoche. Boas práticas!


Tenzin Wangyal Rinpoche. Foto: divulgação

Conforme viajo e ensino os diferentes ciclos de ensinamentos Dzogchen, seja “As Seis Lâmpadas”, “Os Vinte e Um Pregos” ou “A Transmissão da Experiência dos Mestres”, eu sempre digo às pessoas que ainda que eu esteja falando sobre diferentes aspectos do ensinamento, no final todos precisam de um lugar muito claro para resumir tudo isso e se conectar – e isso é sempre no refúgio interno.

Sempre, desde que eu introduzi a Prece do Refúgio Interno (veja abaixo) e o Corpo de Sabedoria, eu estou sempre dizendo que é isso. Sempre tentamos nos conectar a nós mesmos – nosso próprio refúgio interno, porque no final do dia, cada pessoa precisa de sua própria conexão pessoal ao ensinamento. Você não pode estar conectado ao ensinamento e ainda assim desconectado de si mesmo. O ensinamento está lá para tentar ajudá-lo a conectar-se a si mesmo. Mas veja, mesmo a procura de conhecimento pode ser outra forma de desconexão. É muito importante que isso não aconteça e não que não fiquemos distraídos por toda a busca e avaliações que frequentemente fazemos.

Hoje eu gostaria de falar para vocês sobre a ideia de desligar seu sistema de navegação – seu modo de busca. Mesmo enquanto você está me ouvindo neste momento, você deve estar curioso sobre o que eu tenho a dizer ou pelo que eu não estou dizendo. No entanto, o que quer que eu tenho a dizer, você ouvirá isso muito melhor se você desligar seu modo de busca. Simplesmente pare de buscar coisas. Se você está tentando fazer algo agora mesmo enquanto está me ouvindo, pare de fazer essas coisas. Apenas sente e desligue seu modo de busca e simplesmente seja.

Nós falamos de ser no primeiro refúgio; nós falamos sobre ser no segundo refúgio; nós falamos sobre ser no terceiro refúgio; falamos sobre ser o tempo todo. A única coisa que impede de ser é quando você está procurando. Você procura mais quando está animado com alguma coisa. Neste exato momento, não há nada muito empolgante, então, apenas pare de procurar por algo.

Pelo simples fato de você ter desligado esse modo de busca e parado de procurar, você já estará experimentando novas experiências: você sente mais conexão ao seu corpo; você sente mais conexão a este momento; você sente mais conexão a sua respiração; você sente mais conexão a sua mente; você sente mais conexão a qualquer coisa que está acontecendo neste exato momento. Você não está preocupado sobre o que poderia acontecer no próximo momento, ou procurando por algo que deveria acontecer no próximo momento. Você está simplesmente sendo.

Ontem, dois de meus velhos amigos e alunos me visitaram. Conforme eles ficam mais velhos, estão enfrentam alguns desafios na saúde e eles compartilharam algo interessante. Eles descobriram que quando você está em seus 80, 90 anos, muitas coisas acontecem em seu corpo e na sua saúde. Mas é muito mais divertido apenas assistir o que está acontecendo do que tentar fazer algo acontecer. Uau, isso é bom!

Apenas observe o que está acontecendo a seu corpo, ao invés de tentar interferir no que está acontecendo ou tentar fazer que algo diferente aconteça.

Claro, isso não significa que se sua saúde não está boa, você não deveria fazer nada sobre isso, – não quero dizer isso. O que quero dizer é que a ideia de sempre tentar fazer algo diferente do que é – isso é a causa da doença, para começar. É a causa para tirar a paz da vida. É a causa para afastar nossa criatividade e nossa habilidade de nos conectarmos a nós mesmos ou uns aos outros. Essa é exatamente a razão por que estou dizendo aqui para desligar seu sistema de navegação. Desligue o modo de busca. Isso drena você.

Vamos desenvolver um senso de confiança no refúgio interior – confiar mais neste momento, confiar na fonte. A partir daí, tudo o que está destinado a acontecer vai acontecer de uma maneira muito melhor do que você jamais saberia. Você não ficará desapontado com o que acontece espontaneamente através dessa inteligência interior, dessa paz interior, dessa abertura interna, ao invés do que surgiria a partir daquele bloqueio, daquela dor, daquele medo, daquela ansiedade, daquela preocupação, porque o que surge desses lugares claramente não é tão bom.

Você pode acreditar, “Oh, eu não posso simplesmente deixar de lado esse particular desse jeito, porque eu estou num momento difícil na minha vida. Eu realmente tenho que achar algumas respostas. Eu tenho que responder alguém. Eu tenho que chegar a algumas soluções. Então, eu não posso relaxar. Eu tenho que trabalhar duro. Eu tenho que pensar muito. Eu tenho que falar muito.

Mas, se você continuar assim, eu garanto a você que não haverá muita clareza ou solução aí. Você continuará a cadeia de dor e confusão. Mas, se você é capaz de ver quão desorganizado seu ego é, quão ineficiente seu ego é, quão obscuro seu ego é, ou quão obscura é sua dor, então você permite uma oportunidade – outro modo de ser – fazer isso surgir também é como dar um pouco de espaço até para seu ego, dando um pouco de espaço até para sua dor.

Como agora, você não está dando um pouco de espaço para sua dor. Você não está dando um pouco de espaço para seu ego, nem para seu medo. Você não está dando um pouco de espaço para essa energia ou para o que está ocorrendo em seu corpo. Suas ansiedades, inquietação– elas todas necessitam de algum espaço, e se você as dá um pouco de espaço, elas podem funcionar melhor. Se você as dá muito espaço, elas não terão nenhum poder para tomar quaisquer decisões; em vez disso, as decisões estarão vindo a partir da inteligência interior. Isso é tão melhor.

Minha única mensagem aqui hoje, então, é para desligar seu modo de busca, seu sistema de navegação. Veja, se você olhar para trás para si mesmo nas últimas horas, ou nos últimos dias, ou algumas semanas, você verá que inconscientemente seu sistema de navegação esteve ligado muito tempo.

Assim como quando o sistema de navegação de seu smartphone está ligado, como você percebe? O telefone se torna quente ao tocar e a bateria descarrega rápido. Ele não é capaz de funcionar otimamente. Ele não está conseguindo a quietude, o silêncio, o espaço. É assim que sabemos. Se você está sentindo da mesma forma que acontece com o smartphone, então você apenas precisa saber desligar o modo de busca e se dar um intervalo.

Isso economiza sua energia, salva sua vida e sua saúde; isso te salva de fazer algumas coisas possivelmente estúpidas. Você pode dizer, “Talvez eu já tenha feito algumas coisas estúpidas.” Bem, então isso te salvará de fazer a próxima.

Simplesmente foque interiormente e veja. No momento em que você desliga o modo de busca, você já sente esse espaço – um espaço bonito, espaço incondicionado, um espaço potencial, um lar onde você se sente seguro. Sinta essa consciência interior, luz interior e você já se sente mais vivo. Você já sente mais descanso. Você já sente mais alegria. Você já sente mais ideias. Você já pode ver mais soluções. Você está recebendo todas as coisas que você quer ao não colocar o esforço nisso que você veio colocando no passado – ou ao não deixar as outras pessoas loucas como tem feito até agora. E isso tudo ao simplesmente ser, ser neste refúgio interior, ser conectado àquelas fontes.

É por isso que algumas vezes nos ensinamentos Dzogchen, é dito: o resultado já está presente. A fruição já está lá na base. Mas, quando você está no modo de busca de tentar achar a fruição, a fruição se afasta, ela foge de você.

Ao simplesmente ser, você descobre a fruição, enquanto ao buscar, a fruição foge. Então, desligue o modo de busca – tente isso!

Mesmo que seja apenas ocasionalmente a princípio, você pode se tornar consciente de seu modo de busca de algumas maneiras. Por exemplo, sua intenção pode ser sentar-se na natureza da mente por cinco minutos e você pode descobrir que na verdade você não está apenas sentando na natureza da mente por esses cinco minutos; ao invés, você está tentando fazer algo na natureza da mente. [Risos.]

Então, seja essa base, essa consciência, essa calorosidade. Permita que isso impacte positivamente a todos e a tudo ao seu redor, ao invés de tentar buscar por algo e impactar a todos negativamente com aquelas dores e ego e com o esforço de tentar achar algo que já está em você. Impacte a todos e a tudo ao seu redor com ausência de esforço, ao invés de impactá-los negativamente com ardoroso esforço. Está claro?

Prece do Refúgio Interior

Corpo
O centro da mandala vitoriosa, nosso próprio corpo,
Fonte de todas as qualidades positivas sem exceção,
É a vastidão que contém os três canais e os cinco chakras.
Eu tomo refúgio neste corpo de vacuidade.


Fala

Todas as nuvens reunidas de sofrimento e miséria
São completamente dissipadas pelo vento de sabedoria,
Revelando a vastidão não elaborada, primordialmente pura extensão do céu.
Eu tomo refúgio neste corpo de luz.


Mente

Do pavilhão das cinco luzes de sabedoria,
Raios de esferas não duais de luz emanam,
Limpando as teias da escuridão da ignorância.
Eu tomo refúgio neste corpo de grande bem-aventurança.


Nosso agradecimento à sangha Ligmincha Brasil. Mais informações acesse: ligmincha.com.br


As inscrições para os eventos com Rinpoche em Recife já estão abertas. Para saber mais detalhes e se inscrever, clique aqui.


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1 Comentário

  1. Ormando disse:

    Gratidão Ligmincha Brasil e Revista Bodisatva ^^
    Longa vida aos ensinamentos Bon e Budistas ^^

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