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Ecologia da mente

O problema não é a poluição do ambiente, mas a poluição de nossa mente, ensina o mestre Zen Wu Bong


Por
Transcrição: Tânia Lohmann e Wimerson Gomes

O mestre zen Wu Bong (Jacob Perl), graduado em Matemática pela Brown University, foi chefe da Escola Kwan Um do Zen na Europa e o primeiro aluno americano do mestre coreano Seung Sahn (1927 – 2004), que mudou-se para os EUA em 1972, onde fundou diversos centros de prática.

Wu Bong recebeu a transmissão de ensinar o Darma em 1993. Anteriormente, ele também praticava com Shunryu Suzuki Roshi e Tarthang Tulku. Wu Bong morreu em um ataque cardíaco em Paris, em 2013, quando tinha 62 anos.

Transcrevemos a publicação feita pela revista Bodisatva nº 8 de um texto de Wu Bong sobre a participação de Seung Sahn no Fórum Global de Líderes Parlamentares e Espirituais pela Sobrevivência Humana, em Moscou.

Este é o ensinamento do mestre zen Seung Sahn. Este é o ensinamento de nossa verdadeira natureza. Em outras palavras, a coisa não é bem poluição do ambiente, mas poluição de nossa mente. Buda ensinou algo muito simples. Ele ensinou como lidar com raiva, desejo e ignorância: três poluidores maiores. Se nós formos capazes de remover essa poluição, então os outros tipos de poluição vão também desaparecer”, narra Wu Bong.

Confira a transcrição feita gentilmente por Wimerson Gomes para nosso acervo online.


Pah! (Uma pancada.)
Há muito tempo um grande homem veio, salvou a todos os seres e partiu.
Seu vir e seu ir continuam a nos ensinar até hoje.
Pah! (Uma pancada.)
Há muito tempo um grande homem disse: “O verdadeiro caminho não tem vir
nem ir.” Esse ensinamento está nos ensinando até hoje.
Pah! (uma pancada)
Nós também vimos a este mundo, juntamo-nos aqui hoje e logo partiremos.
Então, em nosso vir e ir, como atingimos o caminho do grande homem de vir e
ir? Como atingimos o caminho do grande homem de não vir e não ir?
KATZ! O inverno foi para o Norte. A primavera entrou pelo Sul.

 

Recentemente, o mestre zen Seung Sahn participou de um importante encontro em Moscou, e eu tive a boa sorte de acompanhá-lo nessa viagem. O encontro chamava-se “Fórum Global de Líderes Parlamentares e Espirituais pela Sobrevivência Humana”. Seu objetivo primeiro era nosso relacionamento com este mundo, como estamos destruindo este mundo e como nós, seres humanos, podemos sobreviver.

O assunto principal deste encontro foi ecologia. De acordo com o dicionário, ecologia é o ramo da biologia que lida com o relacionamento das coisas vivas com o ambiente. Qual é o nosso relacionamento com nosso ambiente? Esta é uma questão que o ensinamento de Buda apontou muito claramente. No tempo de Buda não havia os mesmos tipos de problema de poluição do ar, água e solo. Buda, por esta razão, não falava muito especificamente sobre tais tipos de poluição. Ele ensinou-nos um tipo ligeiramente diferente de ecologia, um tipo de ecologia mais básico e abrangente.

Esse ensinamento é tão fundamental que não só a ecologia biológica é uma consequência natural dele, mas também a ecologia ética, a ecologia espiritual e, finalmente, através dos ensinamentos dos patriarcas, a ecologia da situação correta, relacionamento correto e função correta momento a momento.

Se nós entendemos corretamente esse caminho então podemos entender todos os relacionamentos, inclusive o nosso relacionamento com nosso ambiente, que significa não somente solo, água, ar, céu, árvores, plantas e animais, mas também cada um.

Do ponto de vista do ensinamento de Buda, um fórum pela sobrevivência humana é um erro. Esse objetivo separa os seres humanos do resto do mundo. Não é suficiente amar este mundo de maneira que os seres humanos possam sobreviver. Isso não é amor verdadeiro, porque o amor verdadeiro é incondicional. De fato, no fórum, muitos palestrantes falaram de amor. O que é amor?

Na China, há muito tempo, mestre zen Nam Cheon entrou na sala de Darma de seu templo, onde várias centenas de monges estavam brigando a respeito de um gato. Nam Cheon pegou o gato e exigiu da congregação subitamente silenciosa: – Digam-me uma palavra. Senão, matarei o gato! Todos permaneceram silenciosos, e finalmente o mestre matou o gato. Mais tarde, quando contou a seu discípulo Joju esse incidente, Joju tirou os chinelos, os pôs na cabeça e saiu da sala. Mestre Nam Cheon disse: – Se você estivesse lá, o gato teria sido salvo.

Esse é um koan de amor. Quando Nam Cheon desafiou seus alunos, ele quis ver se eles amavam o gato ou apenas desejavam o gato. Hoje, eu pergunto-lhe: Se você estivesse lá quando o mestre exigiu uma palavra, como você salvaria o gato? E qual é o significado de Joju?

Se estas perguntas tornam-se claras para você, então o amor torna-se claro. Atingir este koan significa atingir o verdadeiro amor. Atingir o verdadeiro amor é tornar-se ecologicamente correto em nosso relacionamento com o ambiente.

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Há um ramo da ciência relativamente novo, o estudo do caos. Enquanto para nós a palavra “caos” implica em um estado de absoluta confusão, para os cientistas a palavra “caos” tem um significado específico envolvendo uma equação com um número de soluções possíveis a cada momento. As equações que descrevem turbulência, fenômenos meteorológicos ou ainda o comportamento da bolsa de valores são exemplos de equações “caóticas”.

Muito interessante é que os cientistas descobriram que em cada tipo de sistema caótico existe alguma ordem. Eles também descobriram que em muitos sistemas que até agora se pensava serem ordenados e predizíveis pode-se encontrar, às vezes, algum comportamento caótico. O que não é grande surpresa para os seguidores de sábios orientais.

A bandeira coreana é um bom exemplo disso. Ela é basicamente um símbolo ying/yang. O lado yang tem um pouquinho da cor yin. O lado yin tem um pouquinho da cor yang. O yin dá luz ao yang, o yang dá luz ao yin. O caos dá luz à ordem e vice-versa. Isso acontece porque nós vivemos num mundo de opostos e se você tirasse um oposto, o outro não existiria.

Se você tira “homem”, então a palavra “mulher” fica sem significado. Se você elimina o escuro então não pode haver claro. Se você tira ignorância, não pode haver iluminação. Neste mundo de opostos, como encontramos nossa situação correta, nosso relacionamento correto, nossa função correta?

Entender este mundo de opostos é respeitar tudo da natureza. Torna-se tolo não gostar da noite, pois sem ela o dia não existiria. Respeitar a natureza é desistir da noção de propriedade da natureza, de propriedade deste mundo. Não tratar este mundo como “meu mundo” é compreender que ele pertence a toda a vida.

Nosso trabalho torna-se então mais claro. Nossa vida não vem só de nossos pais. A terra, a água, o ar, o sol e a lua, todos sustentam nossa vida; de fato, eles nos deram nossa vida. Eles são todos nossos pais. Da mesma maneira que nós temos uma obrigação para com nossos pais, essa obrigação estende-se a todo o mundo. Este é o ensinamento do Buda.

Este é o ensinamento do mestre zen Seung Sahn. Este é o ensinamento de nossa verdadeira natureza. Em outras palavras, a coisa não é bem poluição do ambiente, mas poluição de nossa mente. Buda ensinou algo muito simples. Ele ensinou como lidar com raiva, desejo e ignorância: três poluidores maiores. Se nós formos capazes de remover essa poluição, então os outros tipos de poluição vão também desaparecer. Sem retirar essa poluição, não é possível atingir a verdadeira harmonia com nossa natureza. Sem harmonia com a natureza não é possível evitar danos ao ambiente.

Nas aulas de ciências na escola elementar a gente aprende o que acontece se ligarmos dois compartimentos, um cheio de água quente e outro de água fria. Quando juntam-se os compartimentos e as águas podem misturar livremente, muito em breve, mesmo sem mexer, a temperatura fica uniforme. A mais quente tem mais energia térmica. Essa energia procura um nível onde é igualada, procura um tipo de equilíbrio.

Observamos isso em toda a natureza. No Fórum, algumas pessoas disseram que esse mundo está desequilibrado. Mas o mundo está sempre em equilíbrio. Os problemas ambientais resultam em morte, doença, fome. Isso é simplesmente correto. É parte da equação de equilíbrio. É a energia ruim dissipando-se pelo nosso mundo-compartimento.

É também o ensinamento de Buda. Buda ensinou-nos equilíbrio – em nossa vida, como equilibrar corretamente; em nossos afazeres com nossa família, com nossos amigos, com o mundo inteiro, com os animais, as árvores, o ar, como equilibrar corretamente.

No Fórum, as pessoas falaram sobre vários problemas ambientais e sugeriram algumas soluções. Mestre Seung Sahn também teve uma oportunidade para falar. Ele falou sobre carma. Cada resultado neste mundo vem de uma causa. Assim, cada doença tem uma causa primária, então qualquer doença, qualquer carma pode ser consertado, pode ser mudado.

Para fazer isso é necessário que todos nós ponhamos abaixo nossas opiniões, nosso entendimento, nosso “eu, meu, me”. Dizendo isso mestre Seung Sahn, com efeito, pediu a todos que mantivessem uma mente clara. Todos podem obter energia do Darma. Então essa energia do Darma dispersa-se por todo o mundo.

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Este ensinamento é simples e muito claro. Mas os praticantes sabem que, apesar de muito simples, é um ensinamento nem sempre fácil de executar. Uma das grandes doenças de estudantes zen é julgar a própria prática e questionar a própria habilidade para fazer o esforço requerido.

Às vezes tantos empecilhos aparecem em nossa vida, em nossa prática, que é tentador ter dúvidas e ficar paralisado. Os problemas ecológicos que confrontam-nos parecem esmagadores. A poluição mental, para aqueles que tentam algum tipo de prática, é mais esmagadora ainda. Como podemos começar a ajudar este mundo?

Um dos mais importantes ensinamentos que recebe de mestre Seung Sahn é de que há dois tipos de mente. Há uma mente que diz “eu posso”, e uma mente que diz “eu não posso”. Se a gente pensa “eu não posso” então a gente não pode. Se alguém pensa “eu posso” então é possível. Melhor ainda, simplesmente faça.

A cada momento de nossa vida Buda continua a nos dar o seu grande presente, seu Darma. O melhor presente que damos em agradecimento é aplicar este ensinamento em nossa vida.

Então simplesmente faça equilíbrio correto; simplesmente faça harmonia; simplesmente faça amor verdadeiro; simplesmente faça situação correta, relacionamento correto, função correta momento a momento. Então nossa vida não é mais nossa, mas pertence ao universo inteiro. Então vida ecologicamente correta não é algo especial. Simplesmente é a função correta de nossa natureza verdadeira. Isso é, na verdade, o grande caminho da pessoa.

Podemos atingi-lo agora?

Pah! (Uma pancada.)
Se este som está claro, então o universo inteiro está claro. E também grande caminho está meticulosamente claro. Então, onde está o grande caminho?
KATZ!
(Apontando para as portas de saída da sala de Darma.)
Por estas portas para a sala de jantar.

Muito obrigado.


O texto acima foi publicado originalmente na Revista Bodisatva nº 8, em 1994. 


Acervo Bodisatva

Apoiadores

1 Comentário

  1. Maria Célia De Santi disse:

    Este texto me tocou pela leveza e profunda coerência, vi nele todos os ensinamentos que venho recebendo do Lama Padma e do meu tutor João do Vale. Tudo é tão possível!!
    Agradeço imensamente a oportunidade que está vida me proporciona.

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