Escolher a Vida

Uma perspectiva sobre os desafios ambientais globais


Por
Revisão: Grace Prado, Cristiane Schardosim Martins e Rosana Folz

Neste trecho do capítulo 1 de “Nossa Vida como Gaia”, as autoras Joana Macy e Molly Brown nos convidam a uma profunda reflexão sobre o estado atual da Terra e da humanidade. Por meio de uma perspectiva que mescla sabedoria ancestral com insights contemporâneos, somos levados a contemplar a interconexão entre nossas ações individuais e o destino coletivo do planeta. Diante dos desafios sem precedentes que enfrentamos, surge a urgência de uma mudança de paradigma, que nos impulsiona a repensar nossas relações com a Terra e com todas as formas de vida que nela habitam. Este texto nos convida a despertar para a responsabilidade que temos como guardiões deste magnífico lar chamado Gaia.


Como começarei minha música
na noite azul que está nascendo?
Na grande noite, meu coração se apaga e
a escuridão vem na minha direção me aniquilando.
Na grande noite, meu coração se apaga.

Canto da Mulher Medicina Papago

Neste dia, chamo o céu e a terra como testemunhas contra vocês.
Eu lhes dou a oportunidade de escolherem entre a vida e a morte, entre a bênção e a maldição.
Escolham a vida, para que vocês e os seus descendentes vivam muitos anos.

Deuteronômio 30:19

Vivemos um momento extraordinário na Terra. Temos habilidades e conhecimento técnico jamais imaginados pelos nossos ancestrais. Nossos telescópios permitem ver, através do tempo, os primórdios do Universo; nossos microscópios abrem os códigos no centro da vida orgânica; nossos satélites revelam padrões climáticos globais e comportamentos ocultos de nações remotas; e nossa capacidade de vigilância eletrônica não deixa que ninguém escape da fiscalização governamental e corporativa. Quem, ainda que um século atrás, poderia ter imaginado essa infinidade de informação e poder?

Ao mesmo tempo, testemunhamos a destruição da vida em dimensões jamais enfrentadas por qualquer geração na história da humanidade. Sem dúvida, nossos ancestrais passaram por guerras, pragas e fome, mas hoje não é apenas uma floresta aqui e algumas fazendas e pescarias ali. Atualmente, estão morrendo espécies, culturas inteiras e ecossistemas em escala global, incluindo o plâncton produtor de oxigênio dos nossos mares.

Por mais que os cientistas tentem nos explicar o que está em jogo quando queimamos florestas tropicais e combustíveis fósseis, jogamos resíduos tóxicos no ar, solo e mar e usamos produtos químicos que devoram o escudo protetor de ozônio do nosso planeta, parece que esses avisos não são levados em consideração. Isso acontece porque estamos em uma Sociedade de Crescimento Industrial, ou seja, nossa economia política exige extração e consumo cada vez maiores dos recursos, o que torna a Terra uma fonte de suprimentos e de esgoto. O corpo do planeta não é apenas desenterrado e transformado em mercadorias para vender, mas também é um esgoto para os produtos das nossas indústrias que, na maioria das vezes, são tóxicos.

Se sentimos que o ritmo está acelerando, estamos certos — pois a lógica da Sociedade de Crescimento Industrial é exponencial e exige não apenas crescimento, mas progressivas taxas de crescimento e participação do mercado. A lógica da necessidade cada vez maior de recursos e mercados está gerando o que é cada vez mais reconhecido como um império corporativo global, protegido por ameaças, intervenções e ocupações militares. A Sociedade de Crescimento Industrial gera grande sofrimento em todo o mundo. Segundo os pensadores sociais budistas, o que está em ação aqui são formas institucionalizadas dos três venenos que se reforçam mutuamente na raiz de todo o sofrimento humano: ganância, raiva e ignorância. O consumismo, o complexo militar e a mídia (controlada pelo Estado e setor corporativo) podem ser vistos como ganância, raiva e ignorância institucionalizadas, respectivamente. Disso resultam os erros universais que estamos enfrentando na Sociedade do Crescimento Industrial (aos quais todos os seres humanos estão propensos), e não de forças malignas ou satânicas. Conclui-se, também, que, quando esses erros são institucionalizados como agentes políticos, econômicos e jurídicos, por direito próprio, eles alcançam um grau de autonomia que se estende para além do controle e das escolhas conscientes de qualquer indivíduo envolvido. Esse entendimento pode nos motivar a não condenar tanto, mas a trabalhar para libertar a nós mesmos e aos outros que estão presos por esses venenos institucionalizados.

De qualquer forma, estamos causando uma destruição sem precedentes na vida do nosso planeta. O que restará para as próximas gerações? Como estamos sempre com pressa e muito ocupados para pensar sobre isso, tentamos fechar nossas mentes para cenários assombrosos de luta pelo que resta em um mundo devastado e contaminado.

Assim como um câncer em crescimento contínuo destrói seus sistemas de suporte à vida destruindo seu hospedeiro, uma economia global em constante expansão está lentamente destruindo seu hospedeiro — o ecossistema da Terra.

Lester Brown, Estado do Mundo, 1998

Chegamos muito longe. A vida que existe em nós sobreviveu a muitos milênios de tentativas e evoluiu com milhares de desafios. Ainda há muitas promessas a serem reveladas — mas podemos perder tudo conforme a rede de sistemas vivos se desfaz. As palavras de Javé por intermédio de Moisés agora trazem uma verdade literal: “Pus diante de ti a vida e a morte; portanto, escolha a vida”.

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