Foto: Noemi Zorzall (reprodução)

“Não é só espiritualidade. Corpo-mente é uma coisa só”, diz Tokuda

O mestre Zen budista compartilhou sua sabedoria e experiências em palestra inspiradora no CEBB Belo Horizonte


Por
Revisão: Simone Kaisen, Dan Konfas, Daniel Confortin e Cristiane Cruz
Transcrição: Ricardo Salomão, Carol Franchi, Tatiana Batalha, Joana Ludwig, Guta Teixeira e Fábio Rocha

Este ano, o CEBB Belo Horizonte teve a honra de receber o monge Ekyu Ryotan, mais conhecido como Tokuda Igarashi Roshi. Mestre Tokuda, uma figura pioneira do Budismo no Brasil, chegou ao país em 1968 e, desde então, tem disseminado o Zen Budismo e inspirado incontáveis seguidores. Sua jornada de mais de cinco décadas no nosso país é marcada por dedicação, compaixão e um profundo compromisso com o caminho budista.

Com muita alegria, compartilhamos alguns trechos desse valioso encontro com o mestre Tokuda. A transcrição a seguir foi gentilmente revisada pela monja Simone Keisen, aluna e amiga próxima do mestre, que nos auxiliou na interpretação de passagens em japonês. Que esses ensinamentos sejam de benefício para todos os seres sencientes!


No dia 22 de fevereiro de 2024, o mestre Tokuda esteve no Centro de Estudos Budistas Bodisatva (CEBB) em Belo Horizonte e expressou seu carinho pela capital mineira, referindo-se à cidade como sua “terra natal” no Brasil, onde possui fortes laços com a comunidade budista local.

Ele iniciou a sua fala com um toque de humildade e humor. “Com 85 anos, estou ficando meio gagá”, diz, arrancando risos da plateia. Em seguida, o mestre compartilhou uma história curiosa de sua passagem recente pela França, em que, após um dia exaustivo, teve sua mala roubada enquanto descansava perto da Igreja de Saint-Germain-des-Prés.

Demonstrando a leveza e o desapego que caracterizam sua visão de mundo, Tokuda afirmou que a pessoa que roubou seus pertences, repletos de textos sagrados e anotações em japonês, poderia um dia se tornar monge.

A jornada no Brasil

Relembrando sua chegada ao Brasil, em 1968, o mestre descreveu a viagem de 40 dias pelo mar até o porto de Santos, enfrentando tempestades e superando desafios físicos e espirituais. Ele explicou que decidiu vir ao Brasil justamente porque ninguém mais queria. “Meu umbigo é torto. Sempre faço o contrário dos outros”, brinca ele, em referência ao seu espírito contracorrente.

Ao explicar sua motivação para se estabelecer no país, Tokuda ressaltou a simbologia do bambu, que, segundo ele, onde cresce, traz consigo o crescimento do budismo. “Aqui é terra de grande veículo Mahayana para os próximos milênios”, afirma ele, destacando o potencial espiritual do Brasil.

Trabalhando a Terra e o Zen

Além dos ensinamentos sobre meditação, o mestre também abordou a relação histórica entre o Zen Budismo e o trabalho com a terra. Ele explicou que, após um período de perseguição ao budismo na China, os monges foram obrigados a viver isolados nas montanhas e, para sobreviver, começaram a plantar seus próprios alimentos. Esse trabalho com a terra se tornou parte do treinamento espiritual.

“Não é só espiritualidade; é junto com o corpo. Corpo-mente é uma coisa só”, diz ele, reforçando que a prática espiritual deve envolver o trabalho físico, integrando corpo e mente.

Prática de meditação 

Um dos momentos mais aguardados do encontro foi a prática de meditação guiada pelo mestre Tokuda, que compartilhou ensinamentos profundos sobre a postura correta e o ato de respirar como elementos essenciais para a prática meditativa. Transcrevemos o passo a passo da meditação ensinada por ele. Confira logo abaixo.

Posição inicial e postura

O mestre orientou que a postura na meditação deve começar com os joelhos ou pernas bem apoiados no chão. Ele enfatizou a importância de sentar-se apenas sobre um terço do banco ou almofada (zafu), mantendo a coluna ligeiramente arqueada, semelhante à curvatura de uma espada japonesa. A coluna lombar deve estar ereta, mas não totalmente rígida, permitindo uma sensação de leveza e conexão com o céu.

A cabeça deve estar como que pendurada no céu”, explicou, orientando que a sensação é de estarmos suspensos enquanto mantemos os pés ou joelhos bem firmes no chão, “pisando grande na terra”, criando um equilíbrio entre o céu e o solo.

Movimentos iniciais

O mestre iniciou com uma série de movimentos leves para relaxar o corpo, balançando-o para os lados de forma cada vez mais suave até que o corpo encontrasse um ponto de quietude. Esses movimentos ajudam a encontrar a estabilidade necessária para a meditação.

A respiração

Tokuda deu ênfase especial à respiração. Ele orientou os participantes a expirar profundamente todo o ar, “expulsando todo o gás carbônico para fora”, até o final, sem parar no meio. Esse processo de expiração consciente deve ser feito com a boca aberta. Logo em seguida, a inspiração deve ser feita lentamente pelo nariz, enchendo os pulmões com oxigênio.

A cada expiração, estamos liberando toda a energia velha e cansada e, a cada inspiração, estamos recebendo nova vitalidade”, explica. Segundo ele, o ciclo de respiração, quando bem praticado, pode reduzir a frequência respiratória para cerca de quatro respirações por minuto, trazendo calma e foco.

Mestre Tokuda está sentado em posição de lótus com as mãos gesticuladas, explicando algum tema para os participantes do evento. Ele usa um microfone e atrás dele observamos o altar com tigelas de oferendas e algumas imagens de Budas na parede azul.

O mestre Tokuda no CEBB BH (Foto: Noemi Zorzall)

Foco no “tanden”, o centro de energia vital

O mestre introduziu, ainda, um conceito fundamental na prática Zen: o “tanden” ou “mar de energia vital”, localizado cerca de seis centímetros abaixo do umbigo. Ele convidou um participante a apertar a sua barriga para demonstrar a concentração de força nessa região.

Toda sua energia está concentrada aqui”, afirma ele, referindo-se ao “tanden” como o centro da energia vital, que também é cultivado em práticas japonesas como o Aikidô, Kendo e na cerimônia do chá. “É aqui que o corpo e a mente se conectam”, explica Tokuda, ressaltando que essa prática não é apenas meditativa, mas também física, conectando o praticante ao universo ao seu redor.

Encerramento

Após alguns minutos de prática meditativa, ele orientou os participantes a balançarem o corpo novamente, agora de forma inversa, começando com pequenos movimentos e aumentando-os gradualmente, até que o corpo estivesse pronto para sair da meditação.

Com essa prática, o mestre Tokuda demonstrou a importância de integrar o corpo e a mente na meditação, destacando que a espiritualidade não é algo separado do corpo físico, mas que ambos devem ser trabalhados em conjunto. Ele incentivou a prática regular, mesmo que por 5 ou 20 minutos ao dia, enfatizando que “o importante é tentar, experimentar”.

Inspiração

Após o período de silêncio e meditação, o encontro foi encerrado com gratidão por parte dos praticantes presentes, que agradeceram a presença do mestre e o apoio de todos(as) que tornaram o evento possível. “Foi muito bom. Muito obrigado!”, conclui o mestre Tokuda, deixando uma sensação de profunda inspiração para todos(as) nós.

Mestre Tokuda está realizando uma prostração diante do altar na sala do CEBB BH. Um homem participante do encontro pode ser visto na foto com as mãos em prece, à esquerda. Alguns objetos compõem a cena, como uma televisão lateral, o zafu utilizado para meditar, um jarro de flores e cadeiras. No altar há fotos de mestres e uma estátua dourada do Buda Shakyamuni em posição de lótus no centro do altar.

Referência do Zen Budismo em encontro com a sangha de Belo Horizonte (Foto: Noemi Zorzall) 


Mais informações sobre a biografia e ações do Monge Tokuda, bem como sobre atividades e seshins com a Sangha Maha Muni do Brasil podem ser encontradas na página oficial do Mosteiro Eishoji.

Acesse agora o link do encontro no YouTube e assista na íntegra.

 

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