Ven. Robina Courtin nos convida a sair dos dramas e a desembrulhar nossas histórias para poder reconstruí-las
Na contagem regressiva para os ensinamentos com a Ven. Robina Courtin, que acontecerão de 20 a 28 de junho, a Bodisatva está publicando uma série de textos de sua autoria. Este, que traz o mesmo título de um dos mais famosos livros do Lama Yeshe, seu professor, Robina explora a plasticidade da mente, que ela descreve como “a descoberta fundamental do Buda”: as neuroses, os estados dolorosos e infelizes da mente podem ser removidos, e os estados positivos, que estão no cerne do nosso ser de maneira indestrutível, podem ser aperfeiçoados.
O modelo budista da mente parece simples, ainda assim, é um método profundo para nos ajudar a mergulhar em nossos pensamentos e sentimentos a fim de compreendê-los e, o que é crucial, transformá-los. “Podemos moldar a mente no formato que quisermos”, como diz Lama Zopa Rinpoche, mestre tibetano contemporâneo.
Descoberto e estruturado pelos grandes pensadores e iogues da Índia em suas meditações há três mil anos, e ainda hoje intacto como um sistema vivo para a transformação interna, esse modelo divide o conteúdo da mente humana em três categorias: positiva, negativa e neutra; não existe uma quarta. E esses são termos técnicos, não moralistas.
Nesta discussão, deixemos de lado o conteúdo neutro. (O termo neutro não significa que essa categoria não seja importante; ele se refere aos vários estados da mente, como concentração, vigilância, memória e os muitos, muitos outros que nos permitem funcionar como seres humanos, mas que não possuem as características de serem virtuosos ou não virtuosos.)
Vamos então aos conteúdos positivo e negativo: como podemos compreendê-los? Eles se referem a todos os nossos pensamentos, sentimentos e emoções cotidianos. Os positivos, tão óbvios: amor, compaixão, bondade, generosidade, perdão, paciência. Reconhecemos essas palavras instantaneamente porque somos capazes de reconhecer essas qualidades dentro de nós. E sabemos que elas são boas: quer elas sejam prevalentes em nós ou as recebamos, simplesmente sabemos que são a fonte da felicidade.
Então temos os outros estados, os chamados negativos. Mais uma vez, tão óbvios: raiva, carência neurótica ou apego, ciúme, depressão, baixa autoestima, arrogância. Simplesmente sabemos que somos infelizes na exata medida em que eles prevalecem. São horríveis e muito dolorosos.
Todas nós reconhecemos esses estados da mente. Eles nos acompanham desde muito pequenos, e nós os tomamos como certos, assumindo, claro, que estamos presos a eles: “Eu sou assim. É assim que eu sou”. Isso é maravilhoso se nós formos o tipo de pessoa que consegue acessar com facilidade a nossa bondade ou ficar calma diante dos dramas – que sorte! Mas e se, ao contrário, acessarmos com mais facilidade a nossa raiva, mágoa, nossos medos? O que fazer então?
Essas emoções infelizes, quando estão no controle, parecem tão completamente avassaladoras, tão absolutas, como se estivessem no cerne do nosso ser. E na nossa cultura, aparentemente, não aprendemos métodos para transformá-las; apenas aceitamos que não somos capazes de fazê-lo.
Mas somos capazes sim. Esta é a descoberta fundamental do Buda: a de que as neuroses, os estados dolorosos e infelizes da mente que todos reconhecemos em nós mesmos e nos outros, não estão, na verdade, no cerne do nosso ser e, portanto, podem ser removidas. E de que os estados positivos estão no cerne do nosso ser, de maneira indestrutível, e podem ser aperfeiçoados.
Esse é literalmente o significado de nirvana. Você terá atingido o nirvana, a sua própria liberação, quando remover completamente da sua mente, do seu próprio ser, essas neuroses e desenvolver a bondade de forma completa.
É quase chocante ouvir isso. Se eu fosse pedir à minha terapeuta métodos para me livrar de todo o ego, todos os medos, toda a raiva etc. etc., e desenvolver amor e compaixão infinitos por todos os seres, ela me acharia louca! Nenhum dos nossos modelos contemporâneos da mente sugere nada remotamente parecido com isso.
Mas essa tarefa de moldar a mente, de ser meu próprio terapeuta, dá trabalho, é claro: exige muito esforço, disciplina, clareza, perseverança e instruções precisas daquelas que atingiram esse objetivo ou que pelo menos estão no caminho.
Primeiro, precisamos cultivar a capacidade de focar a mente, nos concentrarmos, e esse é o objetivo da técnica de meditação conhecida hoje em dia como mindfulness. Trata-se, na verdade, de uma técnica psicológica muito sofisticada, que nos permite, no longo prazo, chegar a níveis extremamente sutis da nossa mente, a níveis de cognição que as visões contemporâneas da mente nem consideram que existam.
Mas não precisamos esperar até chegar lá. No curto prazo, essa habilidade nos permite sair dos dramas, observar os pensamentos, as histórias, e nos tornarmos nosso próprio terapeuta. Seja qual for o nível que venhamos a alcançar, aprendemos a ouvir as elaboradas histórias conceituais que os estados neuróticos da nossa mente estão contando, a distingui-las das partes positivas de nós mesmas; e, em seguida, aprendemos a desembrulhá-las e desvendá-las, desconstruí-las, contestá-las, e a gradualmente reconstruir as histórias para que elas estejam em sintonia com a sabedoria, bondade, paciência, amor próprio e as demais qualidades maravilhosas presentes em todas nós.
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