Matéria publicada no site Bodisatva em 2009, atualizada em maio de 2017
Converso com muitos praticantes de meditação sobre o que aconteceu em suas vidas depois que tiveram acesso aos ensinamentos budistas. Às vezes, as respostas podem ser resumidas com uma mesma palavra: desistências.
Tem aquele que desistiu de matar animais como meio de vida. Outro que pensou melhor e resolveu não fazer uma segunda faculdade que tomaria todo seu tempo livre. Uma grande amiga recusou um cargo que lhe aumentaria o prestígio profissional, mas também a carga horária (e numa proporção bem maior). Soube de outro que frequentava três ou quatro centros de estudos espirituais e focou só no budismo, mesmo sabendo que esta doutrina não se pretende sectária. E tinha aquela que desistiu de ter TV a cabo e acompanhar meia dúzia de seriados e mais os jogos importantes do campeonato europeu (sim, confesso que essa era eu, mas foi na década de 90 e já prescreveu; compaixão, por favor!).
A pergunta que me faço agora é a seguinte:
Provavelmente não, e foi a prática budista que nos ajudou a ver isso. Tenho a sensação de que existe um sentido de urgência no ensinamento, embora seja uma urgência gentil.
E à medida que nos comprometemos com a prática, nos tornamos cada vez mais sensíveis a este novo sentido de aproveitar o nosso tempo.
Sobre a facilidade com que passamos a desistir de planos que antes nos eram caros, lembro de um comentário do Lama Padma Samten numa palestra no templo do Caminho do Meio, em Viamão. Ele explicou que pode surgir a sensação de que nossos objetivos empalideceram e citou o exemplo de alguém que sonha viajar para o norte do Brasil parando em cada capital para conhecer novas pessoas, novas culturas. Não há nada de errado nisso, inclusive pode ser uma prática de Darma fabulosa! Mas suponha que a pessoa mudou o olhar. Desconfiou, questionou a própria motivação, repensou tudo a partir do eixo oferecido pelo ensinamento. Ela não sofreu nem se esforçou; ela se colocou numa paisagem diferente e… voilà! – a viagem dos seus sonhos perdeu todo o brilho.
Ainda estou refletindo sobre esta desistência amorosa e seus efeitos em nossas vidas, eu que me interesso por coisas tão distintas quanto o cinema e a marcenaria.
Destes nossos planos de hoje, o que será transformado? O que será mantido? O que será descartado? São pequenos ajustes que podemos fazer no mundo convencional e que vão nos ajudar a ter mais tempo e dedicação na nossa prática.
Quero muito aprender isso. Mas acabo de me apaixonar por um cara que sonha dar a volta ao mundo num veleiro, então vocês podem apostar que minhas chances são mínimas…
Apoiadores
1 Comentário
Uma paixão e lá se vai a desistência amorosa. Este o maior teste da motivação sincera. Sei como é, e só muito mais tarde na vida se reconhece e lamenta o tempo perdido.