Por que ter e como montar um?
A forma clássica da montagem de um altar tibetano apresentada nas instruções abaixo é mais comum nos templos, mas pode servir de inspiração e base para um simples altar caseiro, como o da foto acima. Este texto foi escrito por Lama Tharchin Rinpoche, que faleceu em 22 de julho de 2013, nos Estados Unidos. Lama Tharchin foi aluno de Dudjom Rinpoche e de outros grandes mestres do budismo tibetano.
Por que ter um altar?
Um altar apropriado deve ter imagens ou representações do corpo, da fala e da mente iluminados de Buda, que servem como lembretes do objetivo da prática budista que é desenvolver estas qualidades em cada um e beneficiar inteiramente todos os seres sencientes. A razão para ter um altar não é ter fama, ostentar riqueza, ou alimentar o orgulho, mas reduzir as aflições mentais de quem o faz e procurar a habilidade de ajudar a todos os seres sencientes.
Onde colocar o altar?
O melhor lugar para um altar é em um aposento dedicado a isto, mas se você viver em um lugar pequeno e não puder reservar um quarto separado para a veneração, qualquer aposento pode ser usado. O tamanho do altar não é importante, mas deve estar em um lugar limpo e respeitável, mais elevado do que o nível de sua cabeça quando você se senta em frente a ele. Se estiver em seu quarto de dormir, o altar deve ser colocado perto da cabeceira de sua cama, nunca no pé, e deve ser mais elevado do que a cama. O altar deve estar em uma prateleira separada ou num móvel reservados para esta finalidade, e não deve ser usado para mais nada, como colocar despertadores, bolsas, etc.
Os objetos e o que eles representam
Um altar budista apropriado possui símbolos do corpo, da fala iluminada e da mente, representados tradicionalmente, por uma estátua ou uma foto de Buda Shakyamuni, uma escritura e uma stupa.
O altar deve possuir pelo menos uma imagem de Buda Shakyamuni, a origem e a fonte dos ensinamentos em nosso tempo. A respeito da colocação das imagens, é importante que Buda Shakyamuni seja a figura central. Outras imagens não são realmente necessárias, mas se você quiser pode colocá-las em torno da figura central nesta ordem: lamas raiz, yidams (as divindades do tantra de união superior, as divindades do tantra de atuação e então as divindades do tantra de ação), dakinis e, finalmente, as divindades protetoras. A ordem nunca é feita pela qualidade do material ou do artista. Frequentemente é melhor ter somente algumas imagens, para não causar distração.
A escritura que representa o discurso do Buda não precisa estar escrita em tibetano ou em sânscrito, mas pode estar em qualquer língua. Pode ser o Sutra do Coração, se você desejar representar todos os ensinamentos de Buda, ou pode ser uma escritura especial relacionada com a sua prática. Se o altar for constituído de três ou mais níveis, a escritura deve ser colocada no mais elevado, acima da estátua de Buda. Se o altar estiver em um nível, a ordem deve ser, da esquerda para a direita: escritura, Buda, estupa.
A mente do Buda é representada tradicionalmente por uma estupa da iluminação, mas você não precisa sair e comprar uma de prata ou de ouro. Uma imagem ou um modelo de argila são perfeitamente aceitáveis. A estupa deve ser colocada à direita da imagem de Buda, ou abaixo do Buda se o altar for constituído por diversos níveis.
Os objetos no altar representam também as Três Joias do refúgio. Se houver somente uma estátua de Buda Shakyamuni, pense que ela representa todas as Três Joias (Buda, Darma e Sanga). Se houver também uma escritura e uma estupa, pense que a estupa (foto) representa a Joia de Buda, a escritura representa a Joia do Darma (ensinamentos do Buda), e a imagem do Buda representa a Joia da Sanga (grupo de praticantes). É importante ter em mente que os objetos sobre o altar serve como meios para direcionar a mente de cada um para o Buda e para as qualidades iluminadas de Buda, as quais desejamos emular para o benefício de todos.
Mantendo um altar, estamos tentando cultivar as qualidades de Buda, seu corpo iluminado, sua fala iluminada e sua mente iluminada. Ao lembrarmos destas qualidades e aspirando ao seu desenvolvimento, reduzimos as qualidades negativas do apego, ódio e ignorância, e aumentamos as qualidades positivas como fé, respeito, devoção e regojizo.
Fazendo Oferendas
Não há limites no que pode ser oferecido, e há vários níveis de oferendas. Geralmente, podemos oferecer qualquer objeto, mas particularmente objetos que falem aos cinco sentidos, forma, som, odor, sabor e tato. Na tradição do Budismo Tibetano, é costume oferecer sete potes com água, os quais representam os sete estágios das prostrações (oferenda, confissão, regojizo, qualidades positivas próprias e dos outros, súplica aos Budas para permanecerem neste mundo, súplica para ensinarem aos outros e dedicação de méritos). Flores, velas ou lamparinas de manteiga e incensos também são comumente oferecidos.
É costume oferecer parte de uma refeição antes de comer e um pouco de chá antes de beber. As coisas para serem oferecidas devem estar limpas, novas e adequadas. A comida deve ser oferecida em sua melhor parte, fresca e limpa, nunca velha, sobras ou estragada. É melhor oferecer coisas que você já tem ou que pode obter sem dificuldade. Não ache que você tenha que privar os outros para fazer as oferendas, muito pelo contrário, a oferenda de maneira alguma deve ser fruto de roubo, trapaça ou sofrimento aos outros. Ao contrário, deve ser obtido honestamente. De fato, é melhor não oferecer nada que tenha sido obtido com o mínimo traço de negatividade. Enquanto faz as oferendas, pense que o que está sendo oferecido são, em essência, as suas próprias qualidades positivas e a sua prática, embora possa parecer na forma de objetos externos. Essas oferendas externas não devem ser imaginadas como limitadas ao espaço do altar, mas devem ser vistas como um número vasto, tão vasto como o espaço. Ofereça comida com o desejo de que todos os seres não sintam fome, e ofereça água para que todos os seres não sintam sede.
É importante pensar que as divindades aceitam as oferendas, as consomem e ficam satisfeitas. Pense que, fazendo essas oferendas, todos os seres serão purificados de suas negatividades e que a natureza última da realidade está satisfeita. O propósito de fazer oferendas é acumular mérito e, em particular, desenvolver e aumentar a mente de generosidade e reduzir a avareza. Fazendo as oferendas, você também cria as causas necessárias para, no futuro, se tornar generoso, natural e espontaneamente.
Colocando Oferendas no Altar
Se você tiver espaço, coloque as oferendas um pouco mais baixo do que os objetos de refúgio no altar. Quando acordar pela manhã, é costume pelo menos lavar seu rosto antes de se aproximar do altar e oferecer prostrações e então fazer as oferendas, pois é um sinal de respeito pelos objetos representado ali. Faça as oferendas como se estivesse recebendo um dignatário ou um grande ser em sua casa, e é importante ser gracioso e respeitoso.
Ao oferecer água no seu altar, você deve ter no mínimo 7 potes. Comece com água fresca todos os dias. Os potes devem estar secos e limpos. Despeje um pouco de água em cada pote antes de colocá-las no altar. Coloque os potes numa linha reta, bem próximos mas não encostados. A distância entre eles é tradicionalmente referenciada como a da espessura de um grão de arroz.
Os potes devem ser preenchidos até o comprimento de um grão de arroz da borda, ou seja, nem muito, nem pouco. Despeje a água com o formato de um grão de arroz, ou seja, como um fio de água no início, aumentando o volume gradativamente e reduzindo-o novamente ao chegar ao fim. Tente não respirar sobre as oferendas.
Se você tiver uma lamparina de manteiga, você pode colocá-la em seu altar entre o terceiro e quarto potes da água. As lamparinas ou velas simbolizam a sabedoria, eliminando a escuridão da ignorância. Nos monastérios tibetanos, as centenas de lamparinas são iluminadas como oferendas. Não há realmente nenhum limite à quantidade de potes de água ou de lamparinas.
Abençoando as Oferendas
Após ter despejado a água, acendido as velas e oferecido o incenso, abençoe as oferendas mergulhando uma parte de grama kusha (ou de um galho da árvore, ou incenso) na água, recitando OM AH HUM três vezes (as sílabas-semente do corpo, da fala e da mente de Buda), e polvilhando então as oferendas com água.
Visualize que as oferendas estão abençoadas.
Dedicação
Se as oferendas externas se tornam puras ou não, ou se elas se transformam em uma causa para um bom renascimento na vida seguinte, uma causa para conseguir a liberação, ou uma causa para conseguir a iluminação para beneficiar todos os seres, depende da motivação do praticante e de sua dedicação. A dedicação é crucial. Não esgotará, nem limitará o acúmulo de mérito de cada um, mas irá multiplicá-la e aumentá-la. É excelente dedicar o mérito de fazer oferendas à eliminação do sofrimento e de suas causas de todos os seres, à sua realização de felicidade durável, e à paz do mundo.
Retirando as Oferendas
Ao final do dia, antes ou no pôr-do-sol, esvazie os potes, um por um, seque-os com um pano limpo e coloque-os de cabeça para baixo em cima do altar ou retire-os e guarde-os. Nunca deixe os potes vazios virados para cima sobre o altar. A água não é simplesmente jogada fora, mas é oferecida às plantas em sua casa ou no jardim. O alimento e as flores devem também ser postos em uma parte externa e limpa do lugar, onde os pássaros e os animais possam comê-los. As frutas podem ser deixadas no altar por alguns dias e então podem ser oferecidas aos pássaros; não há nenhuma necessidade de jogá-las fora.
A Arte do Altar
Em geral, a arte que é bela e inspiradora é um meio importante para nos alinharmos com a sabedoria transcendente. No Vajrayana (budismo tibetano) especificamente, a arte do Darma é considerada a expressão natural da “luz” da sabedoria.
Seu objetivo é transmitir aos seres sencientes a lembrança do Buda e despertar a sensação de que o Buda não está separado deles, mas sim realmente presente em nosso ser mais profundo. Em um sentido amplo, como o ser iluminado permeia tudo como o espaço, tudo é Buda. Porém, ainda assim seria útil termos algo como um altar em nossas casas, mesmo que seja apenas para nos lembrarmos disso tudo.
Primeiro, você deve escolher um lugar importante de sua casa para colocar o altar e então montá-lo, meticulosa e belamente. O altar é altamente representativo: estátuas e thangkas (pinturas tibetanas) representam o corpo iluminado; os textos e livros de Darma (ensinamentos de Buda) representam a fala iluminada; as estupas, as p’hurbas e os conjuntos de sino e vajra representam a mente iluminada; as mandalas representam as qualidades iluminadas; e os ornamentos representam as atividades iluminadas. É muito importante ter livros do Darma em seu altar.
O formato das letras que formam as palavras representam o corpo do Buda; o som da leitura das palavras representa a fala do Buda; e o significado das palavras representa a mente do Buda.
O nível inferior do altar é reservado para colocar oferendas. As oferendas externas são representadas por sete potes de água, conforme o costume indiano. O primeiro pote contém água para beber (você pode usar água com três substâncias doces, como açúcar branco, açúcar escuro e mel). O segundo contém água para lavar. O terceiro, flores que são agradáveis aos olhos (tanto flores que crescem na terra quanto na água). As flores de oferenda resultarão em termos um corpo belo enquanto ainda estivermos no caminho, e na fruição, elas resultarão em um corpo com as trinta e duas marcas maiores e oitenta marcas menores. A quarta oferenda é o incenso que representa a moralidade e que conduz a um renascimento favorável nos reinos humano e divino. A quinta é a luz que representa a sabedoria (você pode usar uma lamparina ou uma vela, mas deve pensar que está oferecendo também a luz do sol e da lua, a luz das joias que realizam desejos e assim por diante). A sexta é a água perfumada que é uma oferenda para o corpo (você pode usar água com açafrão). Você também pode usar água com açafrão nas duas primeiras oferendas. A sétima oferenda é de comida. No Tibete, geralmente misturávamos tsampa com manteiga, leite, queijo e com as três substâncias doces. A música é a oitava oferenda. Quanto a ela, o grande mestre não-sectarista Jamgon Kongtrül Rinpoche ensinou a não colocar o tingshag (pequenos címbalos de mão) sobre o altar porque a oferenda de música é realmente o som e não o instrumento em si.
Possa seu altar levar muitos seres ao despertar!
As oito oferendas de água
Estas são as oito oferendas de água sobre o altar, que representam as oferendas externas (chyi) que são agradáveis aos cinco sentidos:
Lama Tharchin nasceu no Tibete e era um mestre Dzogchen que recebeu a sua formação no monastério de Dudjom Rinpoche. Ele fugiu do Tibete em 1959 para morar na Índia e no Nepal, antes de chegar nos Estados Unidos em 1984. Foi o décimo detentor da linhagem Repkong Ngakpas, uma linhagem familiar de yogis. Rinpoche fundou a Fundação Vajrayana e estabeleceu uma faculdade monástica e centro de retiro de três anos. Ele ensinou em todo os Estados Unidos, e sua presença gentil o tornou querido por milhares de pessoas.
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1 Comentário
Que texto lindo. O Vajrayana e sua rica e maravilhosa simbologia. É grandioso e muito auspicioso saber os detalhes dos simbolos para melhor fazermos nossa prática. O Texto do Lama Tharchin, nos inunda de sabedoria e nos dá a entender os por quês para não fazermos as coisas aleatóriamente. Gratidão por mais esse ensinamento.