Matthieu Ricard, biólogo e monge budista, fala sobre a importância vital do altruísmo em face dos atuais desafios ecológicos
Diz-se frequentemente que políticos pensam nas próximas eleições, enquanto estadistas pensam nas próximas gerações. Chegou a hora dos políticos se comportarem como estadistas responsáveis, para não serem mal falados pelas gerações futuras, que dirão: “Vocês sabiam e, no entanto, nada fizeram”.
A questão do meio ambiente é complexa, tanto no nível científico, quanto nos níveis econômico e político. Porém, no fundo, trata-se da oposição entre altruísmo e egoísmo. Se não nos preocupamos com o destino das gerações futuras e das milhões de outras espécies que são nossas concidadãs neste mundo, não temos razão alguma para nos preocuparmos com o meio ambiente.
Entretanto, não pode ser assim. Não temos o direito de ameaçar o destino dos vários bilhões de seres humanos que virão posteriormente e de provocar a sexta maior extinção de espécies vivas no planeta desde o surgimento da vida na Terra.
Podemos admitir que os seres humanos são, em sua maioria, pessoas de boa vontade e que aspiram à construção de um mundo melhor. Isso pode ser atingido graças ao altruísmo. Se tivermos mais consideração pelo outro, construiremos uma economia atenta, promovendo a harmonia na sociedade e remediando, desta forma, as desigualdades. Faremos tudo o que for preciso para não ultrapassar os limites do planeta, no qual tanto a humanidade como o resto da biosfera poderiam continuar a prosperar, se não desequilibrarmos o sistema.
Somos profundamente interdependentes e estamos todos no mesmo barco. Por isso, é importante elevar o nível de nossa cooperação e solidariedade.
As geleiras do Himalaia – no Tibete, Nepal, Butão e Índia – constituem o terceiro polo do nosso planeta enfermo. O problema é que esse polo derrete com uma rapidez de três a quatro vezes maior do que os polos Norte e Sul. Contam-se 40.000 glaciares de tamanhos diversos no planalto tibetano, e todos degelam rapidamente. Ao aquecimento geral que atinge todo o planeta, soma-se o fenômeno da poluição que, quando se deposita sobre a neve, escurece as geleiras. Assim, estas absorvem mais luz, e isso acelera o seu processo de degelo.
No total, há, atualmente, 400 lagos glaciares que ameaçam, no Nepal e no Butão, quebrar seus diques naturais e inundar as populosas regiões dos vales abaixo. Uma vez concluídas as inundações, e tendo a superfície dos glaciares diminuído ainda mais, ocorrerão secas, já que as torrentes e rios não mais serão alimentados pela neve degelada. Entende-se, olhando para tudo isso, por que as questões do meio ambiente e das mudanças climáticas nos dizem tanto respeito.
Cerca de 47% da população mundial, na China, na Índia e em outros países, depende, para a sua agricultura, seu abastecimento de água e, portanto, para a sua sobrevivência, da bacia hidrográfica (Indo, Bramaputra, Yangtsé, Rio Amarelo, Saluen, Mekong) delimitada pelo planalto tibetano. As consequências da secagem destes grandes rios serão desastrosas.
No norte da Índia, no Nepal e no Tibete, em nosso humilde nível, a associação Karuna-Shechen desenvolve projetos que respondem às necessidades vitais de indivíduos e localidades muito frágeis, ao mesmo tempo em que age com vistas ao longo prazo. Nossa abordagem de desenvolvimento rural trabalha não só em prol da educação e da participação ativa de todos os habitantes, mas também a favor da preservação e de uma gestão sustentável dos recursos naturais locais.
Levamos a eletricidade solar a localidades isoladas do Nepal, onde também estimulamos a agroecologia e a produção de alimentos orgânicos, mais sustentáveis para o meio ambiente local. Implementamos programas de coleta de água pluvial, a fim de evitar o esgotamento dos lençóis freáticos pela perfuração de poços muito profundos, que acabam secando os poços e nascentes naturais.
Nas províncias indianas de Bihar e Jharkhand, nossos participantes plantam mais de 20.000 hortas por ano, a fim de suprir suas necessidades e também de conter o aumento das monoculturas, que empobrecem a qualidade do solo e reduzem consideravelmente a biodiversidade.
Da mesma forma, nos empenhamos na formação de mulheres como motoristas de táxi-rickshaw elétricos, encorajando sua autonomia econômica e também estimulando um meio de transporte ecológico.
Por fim, distribuímos dezenas de milhares de sacos de tela de juta para lutar contra a poluição das sacolas plásticas, que são uma verdadeira calamidade na Índia.
Isso tudo é apenas uma gota de água no oceano. Mas, se todos nós nos esforçarmos na direção correta, seremos efetivamente capazes de construir um mundo melhor.
Texto retirado do blog pessoal de Matthieu Ricard. Agradecemos ao Matthieu Ricard e à sua equipe, que gentilmente nos autorizaram a traduzi-lo e publicá-lo.
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3 Comentários
Gratidão pela tradução 🙂
É a mais absoluta verdade. E nós somos responsáveis por nosso planeta e pelas próximas gerações. estou começando a estudar um pouco de sustentabilidade para saber como posso juntar-me á esse oceano.
Muito importante que o mundo está ciente destas questões. Gratidão.