Créditos: Lara Decker

Aprendendo a Meditar

Aprenda os princípios básicos da meditação com a orientação do Lama Jigme Lhawang


Por
Revisão: Cristiane Schardosim Martins
Edição: Carol Franchi

Lama Jigme Lhawang é fundador do Instituto de Ciências Contemplativas e criador do programa Kindfulness. Graduado como lama na linhagem Drukpa do Budismo dos Himalaias, também é tradutor e intérprete da língua tibetana. Nesse texto, ele nos ensina o processo de aprendizado e prática da meditação, através do desenvolvimento de três qualidades essenciais: relaxamento, clareza e estabilidade.


Tanta conversa, tanta informação, mas como é mesmo que eu faço?

Aspiramos por verdadeira felicidade. Estamos constantemente buscando por equilíbrio. Ainda que, no budismo, venhamos a descobrir e a entender que no nível último as coisas não têm uma existência real, que são como um sonho, caso isso não seja saboreado em nossas vidas, a instrução não terá efeito. Não nos ajudará em nada.

Buddha ensinou algo muito importante que funciona como a faculdade do paladar, que propicia saborear as coisas. Um instrumento usado durante todo o trajeto de treinamento da mente – bhavana. Bhavana, em sânscrito, carrega o campo semântico de “cultivo”, “familiarização” ou “habituação” com algo. Bhavana significa, então, cultivar, da mesma forma que um agricultor cultiva o campo, tratando o solo, irrigando, removendo ervas daninhas, acompanhando o processo de crescimento até que chegue a hora da colheita dos frutos resultantes de nosso cultivo.

No Ocidente, esse termo é frequentemente traduzido como “meditação.” Porém, o que é meditação e como aplicá-la?

Imagine uma grande cascata caindo forte de uma alta montanha. Quando tentamos olhar através da água, nada vemos, pois se encontra turva e espumada. À medida que ela vai caindo, sua força e velocidade diminuem e conseguimos ver melhor através dela. Forma-se um rio que desce entre as montanhas. À medida que esse rio estreita suas margens, a velocidade e força da água aumentam. À medida que as margens se ampliam, a velocidade e a força diminuem. Até que, em algum momento, um grande lago se forma onde encontramos a mesma água completamente imóvel, cristalina, translúcida. Podemos ver nosso próprio reflexo sobre sua superfície como também, se focarmos dentro, no fundo do lago, podemos perceber o que lá se encontra. 

Da mesma forma, ao respirarmos, relaxarmos, nos presentearmos com mais espaço em nossos corações e mentes. Tranquilidade mental surgirá e, com ela, uma extraordinária clareza, inteligência, uma profunda lucidez.

Nossa mente é análoga à água nesse exemplo. Quanto mais espaço temos em nosso ambiente mental, menor será a força dos pensamentos, menos agitada estará nossa mente e mais conscientes estaremos de cada evento mental.

Quando se inicia na prática da meditação, considera-se a mente como se fosse um macaco ou um cavalo selvagem. Uma das melhores e mais eficazes formas de domar um cavalo selvagem é acostumá-lo com um amplo redondel (cercado para treinar cavalos). 

Gradualmente vamos diminuindo seu tamanho ao passo que o cavalo se habitua ao seu novo espaço. Conforme o redondel vai diminuindo, o cavalo não se sente inseguro, pois o local já lhe é familiar e não apresenta nenhuma ameaça. Com gentileza, vamos tocando o cavalo, vamos acostumando-o com nossa presença até que poderemos, então, dirigi-lo.

Sentamos em silêncio e eretos em uma cadeira, num banco ou no chão. Importante lembrar-se que qualidade é melhor que quantidade. A qualidade de nossa meditação é muito mais benéfica do que a quantidade de tempo que a desempenhamos. Podemos parar por alguns minutos, por 15, 24 minutos ou mais. 

Há três qualidades essenciais para se desenvolver na meditação: relaxamento, clareza e estabilidade. Relaxamos profundamente nosso corpo, nossa energia e mente. Cultivamos o equilíbrio de uma mente lúcida, porém profundamente relaxada. A continuidade surgida através dessa habituação é o aspecto da estabilidade.

Um dos principais objetos de foco na meditação é a respiração. Buddha ofereceu essa instrução em diversos de seus discursos no cânone Mahayana. Nessa tradição, as várias técnicas de meditação, cultivo, familiarização ou habituação podem ser sumarizadas em três qualidades principais, que em tibetano chamam-se de Drenpa (Plena Atenção, smrti, em sânscrito), Shejin (vigilância, samprajana, em sânscrito) e Bag yô (prudência, apramada, em sânscrito).

De forma geral, o que lemos no inglês “mindfulness” ou “atenção plena” nas traduções de textos budistas, a partir da língua original tibetana, é a tradução de um desses três termos.  Daí, a dificuldade em diferenciar essas três qualidades mentais de importante funcionalidade no treinamento da mente e na meditação.

Drenpa é como um porteiro de hotel. É ele que decide quem e o que vai entrar ou não vai passar pela porta dos sentidos físicos e da mente. Significa não esquecer o que deve ser aceito, adotado e cultivado e o que deve ser descartado, rejeitado ou abandonado. Drenpa é definida como o aspecto da mente que funciona sustentando, retendo ou mantendo a mente em seu objeto, não deixando com que se esqueça ou se desvie de seu foco. Protege e nutre a permanência e imobilidade da mente.

Shejin é como um supervisor de um hotel que está ciente, observa, examina e monitora as três portas (corpo, fala e mente) focalizadas pelo porteiro. Funciona como um aspecto de vigilância ou prontidão alerta, no qual a mente tem conhecimento ou reconhece o que está fazendo.

Bag yô é como o gerente de um hotel que dirige o supervisor e vigia o trabalho do porteiro. É quem gerencia as regras do hotel, dá o direcionamento e trabalha para mantê-lo na mesma direção. É uma qualidade mental de consciência, cuidado e prudência para com a porta focalizada pelo porteiro da ‘plena atenção’ (drenpa) e supervisionada pelo supervisor da ‘vigilância’ (shejin). A ‘prudência’ (bag yô) é uma qualidade tanto realizadora como protetora. É aquela que engaja Drenpa e Shejin em uma certa direção positiva e as protegem de engajar-se em atitudes negativas.

Além disso, quando aprofundamos a relação entre Drenpa e Shejin, vemos que o primeiro é tal como uma corda que segura, mantém ou sustenta uma ovelha em seu lugar, ao passo que Shejin é tal como um pastor que assiste, observa e vigia suas ovelhas para garantir que elas não se soltem e fujam. Drenpa retém a mente em seu lugar escolhido enquanto Shejin encontra-se alerta, vigiando a situação para garantir que Drenpa esteja operando. Quando Drenpa enfraquece ou se distrai e a mente então vagueia, Shejin toma conhecimento disso e informa a mente para restabelecer ou reafirmar Drenpa.

Apoiadores

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *