Em conversa aberta e online sobre seu texto “Para abrir o coração”, Marcia Baja compartilha abertura, silêncio e inteireza
Em agosto de 2018, tivemos a alegria de realizar a segunda edição do Conexão Bodisatva com a presença da querida Marcia Baja. Neste encontro online, ela compartilhou um pouco sobre seu texto “Para abrir o coração”, que compõe a sessão Darma na Vida Cotidiana da Bodisatva nº29 – uma edição impressa especialmente dedicada ao Som Feminino do Darma.
Partilhamos com vocês, leitores, os trechos que mais ressoaram em nossos corações e nas redes da Bodisatva durante a conversa!
“Quando sabemos quem somos, nosso coração é puro espaço, amplo e acolhedor. Espaço de liberdades, espaço de possibilidades, capaz de gerar verdadeiros tesouros a serem oferecidos.” (Trecho do texto “Para abrir o coração”)
Esse texto surgiu de um encontro em João Pessoa, no ano passado, logo depois que saí de um retiro. Ele tem muito a atmosfera do momento de transição do silêncio mais recluso para ir ao encontro da Sanga, das pessoas… Ele fala das pausas: inspire, expire e faça uma pausa. Essa abertura, essa conversa que se transformou no texto e agora está voltando a ser uma conversa, fala da possibilidade da nossa vida que já é abertura. Nós só não percebemos a abertura da própria vida e da nossa interação com tudo que ocorre por falta de pausas, observação, contemplação, desacelerar.
O conteúdo desse texto é um convite a essa postura mais silenciosa para nos conhecermos. Começa falando um pouco sobre o que o Buda e os mestres contemplativos nos deixaram. Eles vão dizer que nos fechamos, na verdade, quando perdemos a visão para a verdadeira natureza da vida. E esse fechamento não é real, não é uma coisa sólida. É só uma sensação de fechamento. Então, “Para abrir o coração” é isto: como ter uma vida sem reservas, como viver as experiências e os encontros sem limitar a possibilidade de troca, interface, expansão.
Nesse lugar, eu me solto daquilo que gostaria de projetar sobre as coisas como sendo o melhor e ouso entregá-las para um rumo desconhecido, mas que certamente está ali. Nós consideramos a nossa interferência fundamental para o andamento das coisas, mas ela não é.
O convite compartilhado no texto é o convite constante do Lama Padma Samten, que eu considero o mestre do silêncio. Quando lembro do Lama como meu mestre, é incrível, mas nem me lembro tanto das palavras como me lembro do silêncio que recebi dele, logo nos primeiros encontros.
Ele nos encoraja a não mais sair correndo em direção nenhuma, a não mudar nada ao redor, mas a fazer o trabalho onde realmente importa, no único lugar possível para alguma coisa ser feita. Esse silêncio foi o convite do Buda e segue sendo o de todos os mestres contemporâneos.
Talvez seja um equívoco, da nossa parte, adiar a prática pela demanda nas relações cotidianas. Não quer dizer que não vamos estar ao lado das pessoas, mas sinto que isto é fundamental para que a abertura do coração ocorra: nós compreendermos que não vamos conseguir fazer pelos outros o que só eles podem fazer.
Podemos lavar o prato dos nossos filhos, dar carona, pagar contas ou pentear o cabelo de alguém… Podemos fazer muitas coisas. Mas é muito importante entender que isso não é o principal. O principal – o que cada um tem a fazer – é o que estamos fazendo. Eu imagino que todos nós aqui, em algum nível, estejamos fazendo isto agora: conhecer nosso espaço interno e assim descobrir autoequilíbrio, para que não sejamos um peso, mais uma demanda na vida dos outros.
Quando percebemos em nós a capacidade do autoequilíbrio e essa maturidade completamente disponível, começamos a entender: eu preciso sinalizar para o outro, em algum momento, que ele é responsável pela sua própria vida – e não está só nisso. Como nós aqui: estamos em teia, damos as mãos e nos ajudamos em vários níveis, mas não vamos conseguir fazer isso pelo outro – entrar no coração do outro e desvendar aquilo que só ele pode.
É muito importante nesse trabalho com casais, filhos, sócios, amigos, saber até onde podemos ir. E em que momento precisamos sinalizar para o outro com o nosso silêncio, com a nossa própria maturidade: isso é teu agora. Eu não posso mais. Eu não posso te invadir. Esse é um trabalho teu. Porque, se não, acabamos caindo em um drama: eu preciso salvar as pessoas, elas sem mim não são nada, vão se machucar.
Então, da minha experiência vai surgindo uma coragem cada vez maior de sair desse papel de salvadora, de protagonista da família e dos grupos. Porque percebo que, quanto mais silenciosa me tornar, quanto mais descobrir esse autoequilíbrio, mais eu estou com o coração que pode sinalizar o remédio mais adequado para cada um. Sobretudo, sinalizar que todos e todas podem fazer isso. As pessoas podem estar inteiras sobre os próprios pés, sentindo o seu coração inteiro e aberto.
Nós precisamos cuidar para não empobrecer o outro, não torná-lo frágil quando ele não é. E isso não é desamor, indiferença, distância… Ao contrário, não há amor maior do que isso. É o que recebemos dos mestres. Eles nos olham já furando a bolha da nossa “carinha de dodói” e oferecendo as instruções para nos conhecermos.
Tudo o que estamos ouvindo dos mestres é uma visão possível para todo mundo. Precisamos entender que os ensinamentos deles não têm nenhuma exclusividade. Se os mestres têm alguma qualidade especial, eu diria que é a entrega. Existem mestres mais eruditos do que outros, talvez viveram em condições diferentes, mas na verdade a qualidade mais especial que podemos manifestar – e não é um privilégio deles – é a entrega.
Então, tudo o que ouvirmos como ensinamentos e instruções do Darma precisa ser trazido para essa vivência conosco, no silêncio. Mas vamos deixar bem claro que esse silêncio do qual estou falando não é mais a prática formal, é um posicionamento na vida. É você realmente aceitar, mesmo que teoricamente, as instruções da visão não dual.
Ou seja, o mundo não está lá fora. Pare de se mexer tanto. Pare de confiar nos teus pensamentos usuais. Dê um tempo. Adote uma posição de testemunha, observadora. E simplifique as coisas para poder fazer isso. Você vai fazer da tua vida um laboratório para isso. Essa é a coragem. Essa é a entrega.
Marcia Baja é instrutora de Yoga e tutora de estudos e práticas dos referenciais do CEBB (Centro de Estudos Budistas Bodisatva), sob orientação do Lama Padma Samten.
O Conexão Bodisatva é uma série de conversas online com colaboradores da Revista Bodisatva. O encontro é sempre gratuito e aberto a todos e todas. Confira o último e aproveite para se inscrever em nosso canal do YouTube:
Se você ainda não conferiu o texto “Para abrir o coração”, a revista nº 29 está disponível nas lojinhas dos CEBBs ou em nossa loja virtual: lojavirtual.cebb.org.br.
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2 Comentários
Sempre um presente ouvir e ler essas reflexões.
Gratidao
Gratidão pela beleza de texto e reflexão !
Sejamos todos os mensageiros do silêncio ! E deixar o espaço divino do nosso coração se abrir !!!! !