Monge e diretor de documentário conta sua experiência sobre como uniu o Darma e a arte
A Bodisatva teve o mérito de conversar com o reverendo Kentaro Sugao, diretor do documentário Três Joias: Caminhos do Despertar, lançado em setembro deste ano. A série idealizada e dirigida por Sugao, monge da tradição Jodo Shinshu, trilha etapas do desenvolvimento do budismo no Brasil, percorrendo diferentes comunidades, templos e tradições que desembarcaram e floresceram por aqui.
Sugao encontra mestres e praticantes engajados nesse movimento e nos leva a percorrer os vários caminhos que levam ao ideal do Buda dividindo o filme nos episódios Buda, Darma e Sanga. A trilogia já foi exibida em São Paulo, Porto Alegre e em outubro chegou ao Japão.
O documentário levou quatro anos para ser concluído. Sugao narra este movimento com arte, como um caminho interno e externo de vida, mostrando beleza e espiritualidade em igual medida.
Kentaro Sugao nasceu artista e não tinha muita aptidão para cursar uma faculdade. Na verdade, ele queria ser artista plástico, mas não tinha o apoio dos pais fruto da primeira geração pós-guerra. O pai, formado em engenharia, não admitia ver o filho sem uma carreira acadêmica. Sugao então saiu de casa aos 18 anos. “Sair de casa com 18 anos para ser pintor foi muito difícil para minha família”, relembra monge Sugao.
No final do colegial e já em contato com seu mestre, o monge Gyoku Sangaku, da escola Jodoshu, Terra Pura, que também era artista plástico, Sugao passava a maior parte do seu tempo no templo, pintando ao lado dele. “Nem imaginaria que lançaria um livro sobre a arte do monge Gyoko, o qual ganharia dois prêmios”, conta.
Logo, Sugao percebeu a dificuldade de viver somente pela pintura. Assim, seu mestre o orientou a se aprofundar no budismo e virar monge, mostrando a possibilidade de conciliar a arte e a vida monástica. Em 1998, Sugao entrou para a escola de monge. Com a escolha monástica, sua mãe lhe disse: “Agora pode se alimentar melhor.”
A família de Sugao – seu bisavô e avô – era tradicionalmente composta de monges leigos: estudaram, trabalharam e sustentaram o templo. Sugao percebeu, portanto, que sua geração havia se desconectado da espiritualidade. Seus pais se voltaram mais para a tecnologia. Dessa forma, entrar para a escola de formação de monges em Kyoto foi um reencontro com a tradição budista.“Eu nem sequer sabia sentar no chão. Esse resgate me fez muito bem”. Com o tempo, a habilidade artística e a aptidão para a literatura o levaram, de forma autodidata, para o cinema.
Numa viagem ao Brasil no ano 2000, Kentaro Sugao conheceu uma jovem que viria a ser sua esposa. Retornou ao Japão, fez o curso para ser missionário, e chegou no Brasil em 2002 para trabalhar como monge missionário numa comunidade japonesa em Marília (SP).
Ele precisou, então, ultrapassar a barreira da língua e aprender o português, para que fosse possível iniciar uma comunicação honesta do Darma para os brasileiros.
Nesse tempo, entre 2002 e 2005, foi estudar em Brasília para fazer o curso de formação de professores, a fim de aprender português, inglês, redação e matemática. Isso também foi, em certo sentido, uma desculpa para sair da matriz do templo em São Paulo, ainda que fizesse parte da formação.
“A vida na comunidade budista era muito fechada. Eram somente famílias japonesas. Não havia oportunidade de sair e praticar o português. O templo de Brasília era o único que atendia a comunidade brasileira e, assim, era mais aberto”, conta o monge.
Mas o que o ajudou muito no aprendizado foi a paixão pela MPB. Ele destaca a Bossa Nova, Caetano Veloso, e conta emocionado sobre o show que assistiu: “Ney canta Cartola”. Depois de Brasília, retornou com mais autonomia e assumiu o templo em Marília. No templo, viviam 80 famílias, e ele era sustentado por uma comunidade mais idosa, pois os descendentes mais novos já não se interessavam muito e haviam se distanciado.
Sugao sentiu que não funcionava insistir para a comunidade trazer seus filhos para prática, pois eles já tinham outra formação e outra religião. Previu que o templo podia acabar. Então, tomou a decisão de abrir o templo para quem quisesse conhecê-lo. “Como primeiro monge missionário que falava o português nessa tradição, abri as portas, mesmo tendo enfrentado resistência de algumas famílias. A maioria delas, entretanto, via que se continuassem fechados, a sustentação seria difícil, inclusive financeiramente”, relembra. Lá, ele permaneceu de 2006 a 2012.
Kentaro Sugao atuou por 10 anos como monge missionário no Brasil. Durante esse tempo, fundou uma ONG chamada Lótus Branco, voltada à educação pelo Darma nas escolas públicas, com o objetivo de conhecer melhor os jovens brasileiros, saber o que pensam e, assim, transmitir o Darma de uma forma mais hábil.
Para ele, o Budismo no Brasil “ainda está nascendo, apesar de ter uma tradição por trás na formação, não existe o peso da tradição. Existe mais uma preocupação de como passar o ensinamento e conectar as pessoas ao Darma de uma maneira viva, que faça sentido para as pessoas”.
Ao completar 10 anos no Brasil, em 2012, tirou licença e viajou para um centro de pesquisas na Universidade de Berkeley, USA, onde havia também um Templo Terra Pura. Pesquisou as comunidades japonesas na costa oeste americana, muito preservadas tradicionalmente. Decidiu então, fazer um documentário histórico, Streams of Light: Shin Buddhism in America, lançado em São Francisco, em 2013.
“Na experiência da criação do documentário, vi o impacto que o budismo americano recebeu do solo cultural protestante e do estilo de vida americano. Achei que seria interessante também investigar a influência da religião e da cultura brasileira no budismo do Brasil”, explica Sugao. Foi assim que nasceu a ideia do documentário Três Joias, no Brasil.
Logo depois, em 2014, iniciou-se o projeto das Três Joias, idealizado pelos três amigos: ele, Paulo, o produtor, e Adriano, responsável pela arte gráfica do filme. “O Darma e a arte andam juntos, como rodas que se movem. Há várias formas de levar o Darma. O cinema tem apenas cem anos, e expressar o Darma através do cinema é interessante, é um trabalho para uma vida. Alguém vai continuar”, acredita o monge e diretor.
No episódio “Buda”, a ideia era apresentar a biografia de mestres com base, sobretudo, em arquivos históricos. “Sanga” retrata comunidades budistas das escolas Terra Pura, Zen e Tibetana – incluindo o CEBB Caminho do Meio. Já o episódio Darma foi, para todos da equipe, o mais difícil de completar.
“Espero que essa trilogia tenha o poder de ajudar a favorecer o diálogo entre as tradições vivas em diferentes partes do mundo, voltadas para o benefício das pessoas como uma expressão da mente do coração e da energia de Chenrezig, o Buda da Compaixão. Como surgir um coração que atende a todas as linhagens?
Então, esse interesse atual do Japão em conhecer o desenvolvimento do budismo no Brasil reforça a visão de ampliação de Moriyama Roshi. Isso explica a foto dele apontado para uma xícara de café com a bandeira do Brasil. Acho que não devemos abandonar os mantras entoados nas cavernas do Tibete, mas o Darma é ensinado em português. Deve-se, então, operar numa visão complementar. Ajudar todas as tradições a ajudarem umas às outras”, aspira o Lama Padma Samten, um dos personagens do filme.
Há 21 anos, quando Sugao comunicou sua decisão de ser pintor, seu pai contraiu uma úlcera. Passou anos sem aceitar essa escolha. Durante a pré-estreia do episódio “Buda”, em Kyoto, em junho de 2017, ele lançou um crowdfunding no Japão, para ajudar na continuidade das Três Joias. Depois de assistir à exibição, seu pai começou a ajudar, convidando parentes e amigos para aderir à campanha. Para Rev. Sugao, foi uma grande surpresa ser reconhecido pelo pai pelo seu trabalho como artista, inclusive como pintor, após tantos anos. Em março deste ano, apenas nove meses depois, o pai de Sugao faleceu.
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