Roda de Conversa Apreciativa que aconteceu no dia 21 de outubro, no CEBB.

Carta Aberta reforça valores comuns e ação em rede

CEBB e organizações parceiras dialogam e publicam documento sobre valores que precisam ser relembrados e sustentados neste momento


Por
Revisão: Bruna Crespo
Edição: Lia Beltrão

“A gente consegue ver o que acontece e está escondido da sociedade. A gente tem que se unir para que as nossas crianças possam ser pessoas melhores. Nós, mulheres, precisamos nos unir, nos amar. Lá na Casa da Sopa, a gente está começando reforço escolar. Eu não podia fazer isso porque eu mal sei escrever meu nome. Mas eu tenho essa vontade de ajudar. É uma vontade que está sempre em mim. Então, eu comecei a conversar com um, com outro, e nós vamos começar a ter café da manhã e, depois, reforço escolar. Agora só falta quadro negro e giz.”

 

Esta fala foi oferecida para mais de cem pessoas presentes no templo do CEBB Caminho do Meio por Dona Dionísia, fundadora da Casa da Sopa, organização que há pelo menos dez anos oferece apoio social dentro da comunidade do Castelinho, em Viamão (RS). A Casa da Sopa tem uma relação de cooperação mútua com o CEBB Caminho do Meio, onde aconteceu o Encontro Nacional de Promoção de Valores Humanos e Ambientais, que reuniu diversas organizações para conversar especificamente sobre o tema que Dona Dionísia trouxe de forma muito direta: quais são os nossos valores comuns e como podemos nos fortalecer para que o mundo que sonhamos possa se tornar realidade?

Ao longo de todo o último domingo, dia 21 de outubro, sentaram-se em roda lideranças e representantes de diferentes organizações que, assim como o próprio CEBB, têm se posicionado historicamente a favor dos mesmos valores: respeito à diversidade e à dignidade humana, garantia dos direitos sociais e ambientais e construção de uma sociedade não-violenta. Estavam presentes lideranças indígenas, psiquiatras, advogados, ativistas sociais, representantes de ONGs, representantes de outras tradições, além de praticantes de diferentes cidades.

O encontro nasceu como o natural amadurecimento das Rodas de Conversa Apreciativa que estão acontecendo nos CEBBs de todo o Brasil, como forma de gerarmos uma inteligência coletiva para lidar com um dos momentos mais conturbados da história política recente do nosso país, que tem impulsionado o acirramento da tensão e do sectarismo entre indivíduos e grupos sociais.

Podermos sentar em roda e nos olharmos uns aos outros, de modo aberto e honesto, sonhando juntos sobre caminhos possíveis, tem sido transformador dentro dos CEBBs. Este Encontro, no CEBB Caminho do Meio, incluiu várias outras organizações, religiões e lideranças sociais no movimento. O documento tecido por muitas mãos e vozes será entregue a instituições, representantes e candidatos políticos.

A agenda do Encontro

Na manhã de domingo, as várias organizações presentes tiveram a chance de fazer uma fala breve sobre como os valores que são caros à cada organização têm sido mantidos e reforçados neste momento que estamos vivendo. Mais do que uma explanação, a manhã foi um verdadeiro diálogo, tecido pelas vozes de diferentes grupos, olhando desde lugares diversos. Um ponto de convergência entre as muitas falas foi o anseio pelo resgate de valores éticos essenciais: os princípios que sustentam a própria vida, em suas mais variadas formas, e que permitem sua continuidade neste planeta de maneira equilibrada.

Num cenário de intenso ruído e profunda poluição emocional, no qual os debates se produzem pelo conflito e a escuta deu lugar ao ataque, o Lama Padma Samten abriu o encontro nos recordando de que nossa maior contribuição, onde quer que estejamos, virá sempre a partir do silêncio e de uma visão pacificadora: “Nós não estamos aqui, hoje, para uma visão crítica propriamente. Nós estamos aqui para uma visão positiva e para ver como nos reforçamos, entendendo que essa é uma contribuição importante e pacificadora. No que diz respeito especificamente à visão budista, entendemos, por exemplo, que dentro de um silêncio pacificador nós temos uma clareza maior na mente. Então aquilo que gostaríamos de trazer para o ambiente como um todo é uma visão pacificadora e tranquilizadora. Porque dentro do silêncio nós encontramos melhores visões. Se nós quisermos criticar o oposto, poderíamos dizer: dentro de uma visão aflitiva brotam ideias aflitivas que, eventualmente, conduzem a problemas. Se nós quisermos ampliar isso, dizemos: dentro de uma visão muito estreita, e com muita força, se fazem muitas coisas erradas que produzem muitos problemas. Então, dentro de uma visão mais aberta, mais pacífica, nós temos mais clareza para definir as direções nas quais queremos andar”.

Na parte da tarde, ocorreram rodas de conversa apreciativa calcadas sobre três perguntas-eixo: 1) “Quais são as áreas e ações que considero prioritárias, tanto no nível individual – desde o lugar onde me encontro –, quanto no nível da esfera pública?”; 2) “Hoje, em quais projetos eu poderia me envolver?”; e 3) “Que emoções brotam em mim diante do cenário nacional atual?”.

As conversas aconteceram, primeiramente, em duplas. Depois de alguns minutos, as duplas se encontraram e formaram grupos de quatro, a fim de compartilhar o que foi discutido e traçar pontos de convergência. Posteriormente, foram formados grupos de oito pessoas e o debate, então, culminou em um grande compartilhamento coletivo.


Carta Aberta sobre Valores Humanos e Ambientais no Brasil

Outubro de 2018

Em 21 de Outubro de 2018, o Centro de Estudos Budistas Bodisatva (CEBB), na sua sede em Viamão, Rio Grande do Sul, convidou representantes de diferentes organizações religiosas, movimentos sociais, entidades não governamentais, representantes do poder público, lideranças indígenas e pessoas em geral, com a presença de cerca de 100 pessoas no local e 200 acompanhando virtualmente, para uma conversa aberta sobre a promoção dos valores humanos e ambientais no contexto político e social atual.

Acreditamos que, especialmente em tempos de acirramentos e tensões, é importante enfatizarmos a continuidade de diálogos abertos entre diferentes pessoas e setores da sociedade, a fim de constituir terreno comum entre as diferentes visões religiosas e não religiosas, filosóficas, científicas, políticas e sociais, que nos guiem à ação a partir de valores e princípios elevados.

No movimento do CEBB, esse encontro constitui mais um capítulo de encontros abertos sobre cultura de paz, saúde, educação, auto-organização, reencantamento e redes, que acontecem aqui desde o ano 2000.

A partir das conversas neste dia, convergimos em alguns valores fundamentais que acreditamos ser importante retomar e sustentar no momento. Eles podem ser sumarizados nos seguintes pontos:

  1. Vida humana sustentável e preciosa. Bem-estar físico, emocional e social. Redes humanas assentadas em compaixão, pacificação, valorização, respeito e lucidez.
  2. Cultura de paz em todos os níveis e em todos os lugares. Nos opomos a posturas autoritárias, sectárias, armamentistas e violentas nas disputas políticas e no convívio social. Que não seja uma paz de conivência silenciadora, mas a paz que nos permite falar e ouvir com abertura e interesse. Nos opomos a visões e não a pessoas; não temos inimigos.
  3. Justiça social e liberdade. Acesso amplo às condições básicas – físicas, emocionais e sociais – de apoio à vida: infra-estrutura básica; alimentação de qualidade; saúde integrada e preventiva; segurança física e emocional; justiça ampla e restaurativa; educação que inclua o livre pensar, o respeito à diversidade, o mundo interno e as emoções; liberdade de movimento, pensamento e expressão.
  4. Movimentos não sectários. Valorização das diferentes culturas e expressões que compõem  nossa sociedade, incluindo os povos tradicionais, as expressões e modos de vida de matriz africana, as diferentes culturas e religiões, as mulheres, as diversas expressões de gênero, sexualidade e afeto. Uma postura que vá além da tolerância: que inclua generosidade, respeito e um interesse genuíno por todos os seres humanos.
  5. Proteção, apreciação e reconexão com o meio ambiente a partir da consciência da interdependência entre toda a vida na Terra e da compreensão dos impactos de nossos movimentos nos diferentes grupos humanos, nos animais e vegetais, na terra, nas águas e na atmosfera. Sócio-bio-diversidade; proteção dos ecossistemas; defesa de práticas agrícolas familiares, saudáveis, orgânicas, integradas ao meio ambiente e às culturas tradicionais.
  6. Auto-organização e ação em redes. Favorecimento da formação de redes baseadas em solidariedade, apoio mútuo e visões não sectárias de coletividade. Construção de espaços múltiplos de diálogo, de associações comunitárias, de fomento de projeto e de ações construídas coletivamente de forma horizontal e descentralizada.
  7. Democracia participativa. Participação mais ampla da sociedade em conselhos municipais, estaduais e federais. Comunicação pública mais ampla e transparente entre governos e sociedade civil. Mais espaços de abertura para que a inteligência das várias redes possa se traduzir em políticas públicas responsáveis e efetivas.

Fazemos coro a diversas outras instituições que, neste momento de acirramento político e disputa eleitoral, relembram compromissos e aspectos que deveriam estar presentes em quaisquer grupos que governem o país e os estados pelos próximos anos.

Acreditamos que os candidatos deveriam esclarecer suas posições diante desses valores humanos, sociais e ambientais, bem como suas proposições, metas concretas e indicadores que planejam para seus governos.

Para além disso, reafirmamos nosso esforço contínuo, individual e em rede, para que a manifestação desses valores e princípios sejam ampliados e consolidados em nosso tecido social.

Viamão, 21 de Outubro de 2018

Subscrevem este documento:

Centro de Estudos Budistas Bodisatva (CEBB)
Instituto Caminho do Meio (ICM)
Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil (CONIC)
Fórum Nacional Permanente do Ensino Religioso (FONAPER)
Instituto de Estudos da Religião (ISER)
Iniciativa das Religiões Unidas (URI)
Observatório Transdisciplinar das Religiões de Recife
Associação Gaúcha de Proteção ao Ambiente Natural (AGAPAN)
Via Zen – Associação Zen-budista do Rio Grande do Sul
Instituto ZEN Maitreya
Tekoá Anhetenguá (Guarani)
Assentamento Filhos de Sepé:
Grupo ‘Mulheres da Terra’,
Grupos de Certificação Orgânica ‘Vandana Shiva’ e ‘Adão Pretto’


Apoiadores

1 Comentário

  1. Tirza Myga Garcia disse:

    GRATIDÃO PROFUNDA AO LAMA PADMA SAMTEN, À SANGA DO CEBB, AOS AMIG@OS E PARCEIR@S! SOMOS TODOS IRMÃOS NA CONSTRUÇÃO DA PAZ MUNDIAL. QUE TODOS OS SERES SEJAM BENEFICIADOS!

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