Na inauguração do novo templo-refeitório do CEBB Sukhavati, Lama Samten nos lembra, uma vez mais, que viver coletivamente a partir de referenciais elevados é possível
Ao ouvir o Lama Padma Samten falar no último dia 02 de julho durante a inauguração do templo-refeitório do CEBB Rural Sukhavati que: “Não começamos nada, não terminamos nada”, a certeza de que nada acontece por acaso, que todos os fenômenos são de fatos contínuos se fortaleceu e se ampliou em mim. Não à toa, o Lama chama essa rede tecida de milagre.
“Hoje é um dia de celebração de mais um desses milagres e nos alegramos que ele surja em forma de parede, ferro, vidro, madeira, tapete. É o aspecto sutil que comandou e segue comandando tudo o que acontece aqui”, disse o Lama ao abrir o evento que reuniu cerca de 230 pessoas num domingo de muito frio em Quatro Barras, na região metropolitana de Curitiba, onde está localizado o CEBB Sukhavati.
A temperatura era baixa, mas o entusiasmo e o contentamento gerados pela concretização de um sonho aqueceram o ambiente. O clima era de alegria pura na inauguração desse novo espaço: uma área de 214 m² que vai funcionar como templo e que, futuramente, com a ampliação da Aldeia passará a funcionar como refeitório.
Como anexo, foram também inaugurados cozinha, alojamentos e banheiros que somam mais 240m², totalizando 454m² de área.
É natural que se agradeça a todos que ajudaram, é o trabalho de muitos, uma expressão das bênçãos dos Budas sobre nós. Muitos trabalharam, mas o aspecto mais extraordinário é que Guru Rinpoche manifestou-se em todas as pessoas e isso foi possível. É um milagre. Ele surge na forma de energia que move as pessoas”, falou o Lama ao se referir ao novo espaço.
“É extraordinário recebermos as bênçãos originais na forma da própria presença de Chagdud Tulku Rinpoche, desde que ele se estabeleceu no sul do Brasil — é melhor entender que ele é uma expressão direta de Guru Rinpoche”. E acrescentou ainda: Estamos no meio desse milagre, o fato das paredes terem subido significa que há algum nível de realização da sanga. Isso é maravilhoso, tem um nível de convergência.
Parte desta história começou em 1991 e o mais interessante é que a Revista Bodisatva desempenhou um papel fundamental no que aconteceu neste dia de celebração. Foi a partir de um exemplar impresso da revista que o professor de Tai Chi Chuan Bruno Davanzo, um dos fundadores do CEBB Curitiba e atual presidente do CEBB Sukhavati, conectou-se com o Lama Samten.
Foi um encontro casual, eu havia recém chegado a Curitiba e a pessoa com quem eu dividia um apartamento recebeu um exemplar da Bodisatva pelo correio. Minha conexão foi imediata. Eu já me interessava pelo Zen há algum tempo e achei extraordinário naquela época haver uma revista sobre budismo no Brasil”, conta Bruno.
Ele escreveu para o então editor Alfredo Aveline, solicitando o envio da revista e passou também a revendê-la para os seus alunos de Tai Chi. Vendo que havia demanda e interesse pela publicação, Bruno tornou-se consignatário da revista junto à livrarias de Curitiba. Em 1992, Bruno enviou para Aveline uma transcrição feita por ele de uma palestra de Sua Santidade o Dalai Lama gravada em São Paulo, durante a primeira visita dele ao Brasil. Para sua surpresa o texto foi publicado.
“Até então eu não conhecia o Alfredo pessoalmente, nossa comunicação era sempre por carta e telefone. Em 1993 atendendo um pedido dele organizei um evento com o Chagdud Rinpoche em Curitiba. Só o conheci pessoalmente em 1995. No ano seguinte tornei-me seu aluno”, relembra Davanzo, que acabou se tornando um dos primeiros alunos do Lama.
“A forma com que ele transmite o Darma foi o que me cativou”, conta. A partir deste encontro o CEBB Curitiba foi nascendo aos poucos — se tornou o segundo a surgir, depois do CEBB Porto Alegre — e propiciou a vinda de vários mestres e professores de diferentes linhagens budistas como: Chagdud Tulku Rinpoche, o próprio Lama Padma Samten, Moriyama Roshi, Lama Tsering Everest, Paulo Mello, Ryotan Tokuda, Monja Coen Sensei, Dh. Ricardo Sasaki, Ajahn Santikaro, além de colaborar ativamente na organização da vinda a Curitiba de Sua Santidade o Dalai Lama, em 1999. Por duas vezes o CEBB Curitiba organizou também a vinda das Relíquias do Buda, em 2008 e 2010.
O sonho de ir para uma área rural no Paraná era antigo entre praticantes de Curitiba: o processo de construção do CEBB Sukhavati que faz parte do projeto de Aldeias CEBB teve início há cerca de dez anos. Mas a área de 87 hectares, localizada em Quatro Barras, distante apenas 30 km de Curitiba, apenas foi escolhida e adquirida em maio de 2014.
Alguns praticantes já estão residindo no local, coordenando atividades e retiros. Atualmente são 96 vizinhos ativos no projeto, ou seja, compradores de terrenos dentro da área, futuros moradores.
“Inicialmente sonhamos. Era um desejo do Lama e também da sanga, então saímos à procura de um terreno e, depois de encontrado, fomos adquirindo condições para a aquisição da terra. A construção do novo espaço se deu mesmo nos últimos três anos. A inauguração desta etapa da implantação do CEBB Sukhavati, em minha opinião, revela, na verdade, nossa confiança no caminho. Para isso, tivemos que desenvolver estabilidade, a mesma que treinamos na meditação”, comenta Bernadete Brandão, tutora do programa de facilitadores do Darma do CEBB Curitiba, aluna do Lama desde 1999.
As Aldeias CEBB são iniciativas baseadas na visão de mandala. Não excluem, mas não são dependentes e nem fixadas no processo econômico. A ideia é que sejam autossustentáveis, que produzam recursos próprios por meio da implantação progressiva de moradores locais, de doações da sanga e da promoção de eventos.
De acordo com o Lama Samten o surgimento das mandalas espelha a prática da própria sanga.
“Nas configurações do Darma no passado, o aspecto coletivo era sempre regido pela disciplina, dentro de uma estrutura piramidal. Já a mandala é um processo aberto. No tempo de agora, nós, inspirados pelo aspecto sutil, somos capazes de convergir e milagrosamente nos movimentarmos dentro de uma mandala onde a inteligência coletiva ganha contornos. O grande desafio da mandala é a convergência, como podemos convergir dentro de uma estrutura aberta? Nós convergimos porque passamos a olhar a realidade a partir de pontos cada vez mais próximos.
A mandala considera os vários participantes no processo”, explica.
Para o médico homeopata Celso Olavo Puhl Krieger, focalizador da mandala da construção do CEBB Sukhavati, a mandala é um trabalho revolucionário. “É uma felicidade imensa fazer parte deste processo, nossa função é trazer benefícios em todas as direções”, comemora.
A rede para ser viva precisa sonhar e se estruturar a partir de visões elevadas. O processo econômico nos rouba a possibilidade de sonhar, ele pede que a gente cumpra funções dentro de uma estrutura e coloca a felicidade na dependência de circunstâncias, de objetos externos. Mas na nossa prática nós operamos a felicidade como sendo um atributo do aspecto secreto da realidade. Nós temos uma fonte natural de felicidade, de energia. No processo convencional nossa energia depende das aparências, somos carentes de energia, na mandala somos fontes de energia, fala o Lama.
E como surgem essas bênçãos? Ele responde: “Nós como sanga, buscamos expressar as qualidades do Buda, procuramos ultrapassar o foco da mente, da energia, dos meios hábeis do samsara e buscamos espelhar da forma mais perfeita as inteligências deles. Este movimento está na nossa origem, nós temos uma dimensão construída e transitória que surge através do sopro vital de uma dimensão búdica que anima cada ser, não só os humanos. Na medida em que os ensinamentos são oferecidos, conseguimos entender como tudo isso flui, como esses milagres acontecem ao nosso redor e dentro de cada um de nós”.
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