Como levar uma vida que beneficie o mundo?

Em simpósio promovido pela Sakyadhita Espanha, Jetsunma Tenzin Palmo fala sobre budismo, responsabilidade social e a crise climática


Por
Revisão: Arildo Dias
Tradução: Ormando zhiOmn

Todos queremos manter um senso de comunidade quando conduzimos ensinamentos, reuniões de trabalho, simpósios ou conferências. No ano desafiador de 2020, vimos uma mudança significativa em direção aos eventos on-line. Na maioria das vezes, acredito que a transição on-line tem sido uma tendência positiva. Embora nada possa substituir a presença física de amigos que pensam da mesma maneira, estar on-line abre a porta para inúmeras outras pessoas que talvez não pudessem participar de uma conferência de nenhum outro modo. Isto é especialmente verdade para os encontros religiosos, nos quais é necessário muito mais trabalho em relação a ser inclusivo e consciente de como o acesso pode ser restrito: fisicamente, financeiramente e geograficamente.

Em 12 de dezembro de 2020, cerca de 200 pessoas de todo o mundo se reuniram do conforto de suas casas para ouvir as palavras sábias de professoras respeitadas e exemplos de compaixão em ação, que também puderam se juntar de onde quer que estivessem no mundo. Este foi o 2º Simpósio Internacional de Mulheres Budistas Falantes de Espanhol da Sakyadhita Espanha, que apresentou nomes proeminentes, incluindo as “Monjas Kung Fu” de Gyalwang Drukpa, a Ven. Karma Lekshe Tsomo, Jetsunma Tenzin Palmo, e Roshi Joan Halifax. O tema da noite foi a mudança climática e o envolvimento da prática budista no mundo. No espanhol original, o título da conferência era: “Dharma-Gaia: budismo, mujeres y la crisis climática” (“Darma-Gaia: Budismo, Mulheres e a Crise Climática”).

Houve algumas questões técnicas relacionada à tradução que podem ter sido inicialmente frustrantes para alguns participantes, mas que não impactaram a mensagem central da noite: “a escolha é nossa”. Isso soa um pouco simplista, mas há muito a ser examinado neste conceito.

A primeira convidada foi Jetsunma Tenzin Palmo, e neste artigo vou examinar o que ela compartilhou.

A primeira pergunta que fizeram a ela foi: como, neste mundo moderno, nós podemos, como budistas, nutrir uma profunda compaixão e empatia para com todas as formas de vida?

Jetsunma começou nos lembrando de que, como praticantes do budismo, uma das práticas de meditação mais básicas é a da bondade amorosa, que começa com a reflexão: “Todos os seres estiveram, em um momento ou outro, na posição de serem nossas mães”, e que: “todos os seres realmente significa todos os seres”. Que devemos nutrir uma atitude de ahimsa, um comportamento de ahimsa, e uma natureza de ahimsa de modo que “todos os seres se sintam seguros na nossa presença”; que haja interconexão em um nível profundo entre humanos, animais, insetos, peixes, e toda a natureza, até mesmo todos os seres do reino vegetal. Estamos interconectados em nível quântico, o que significa que todas as ações enviam ondulações através da teia de energia coletiva, mas como Jetsunma nos lembra: nós fomos todos esses tipos de seres vivos em uma ou outra encarnação, e qualquer vida em particular tem sido a mais preciosa para nós enquanto a estamos vivendo.

“Cada ser que encontramos quer se sentir bem. Não quer se machucar. Não quer se sentir triste. E  essa é a responsabilidade. Assim como desejamos a felicidade para nós mesmos, todos os seres desejem a felicidade para si mesmos… A conduta ética é baseada nisso”. Ao adotarmos um estilo de vida de ahimsa, nos abstemos de causar danos de todas as maneiras. Não praticamos a mentira, o roubo ou, de nenhuma maneira, matar. Que continuemos a ser gentis e verdadeiros e desejando verdadeiramente a felicidade de todos. “Esta é uma parte muito básica do Budadarma. Transformar a nós mesmos a partir nosso pensamento egocêntrico habitual … reconhecer que temos esta interconexão com todos os seres”. Devemos transcender nosso pensamento dualista e residir na mente que mantém esta profunda interconexão na consciência.

Jetsunma entregando uma estátua de Tara Verde a Ven. Karma Lekshe, na Conferência Sakyadhita em Hong Kong, em 2017 (Fonte: tricycle.org)

Jetsunma também fez um apelo enfático para que nos lembremos de que este planeta é tão precioso e que temos uma profunda necessidade de respeitá-lo. Mais uma vez, que “todos estamos interconectados”. Neste ponto me lembrei da matriz subterrânea de fungos micorrízicos chamada micélio, que estende as raízes das plantas através da terra e cria uma super teia, assim como a internet, mas debaixo de nossos pés, para a flora. As árvores se comunicam umas com as outras, cuidam umas das outras, e as árvores-mãe cuidarão até mesmo de suas mudas. Somos lembrados que a Terra sobreviverá a nós, no entanto “estamos destruindo a própria coisa que faz de nós o que somos”.

“Como podemos usar o budismo para combater a mudança climática?” foi a pergunta seguinte. Simplificando, “Temos que pensar em como viver de um modo sensato neste planeta”, foi a resposta. Somos tão impulsionados por emoções negativas como ganância, raiva, ódio, ciúme e competitividade que devemos fazer uma escolha verdadeiramente consciente para viver de maneira diferente, mais simples. Devemos cultivar um senso de contentamento com o que temos, em vez de desejarmos ainda mais. Olhar para o que fazemos como indivíduos e questionar profundamente:

“O que eu estou fazendo e para que serve minha vida?”

A primeira coisa que podemos fazer é reduzir nossa contribuição para a poluição e a mudança climática, ver como reduzir o metano produzido, assim como nos comportar sem hipocrisia. “Como budistas que falam infinitamente sobre compaixão e amor e assim por diante, o mínimo que podemos fazer é nos tornarmos vegetarianos, e talvez até veganos… e fazer aquilo que dizemos que é certo”. Nossa hipocrisia (de comermos os seres sencientes que professamos amar) está destruindo nosso planeta. Como podemos professar empatia e bondade amorosa enquanto devoramos o sofrimento e o medo de um sanduíche de animais mortos que simplesmente queriam ser felizes?

Também vale lembrar que o cortisol é liberado pelo estresse, e que esses animais estão, obviamente, cronicamente e altamente estressados no momento em que são abatidos. Isto permanece em seus corpos, que depois são consumidos pelos humanos.

O aumento da riqueza, apontou Jetsunma, resultou no aumento do consumo. Isto, por sua vez, levou mais terra a ser usada para criar gado, o qual produz mais metano, que polui mais a atmosfera do que todos os carros juntos nas ruas. O conselho de Jetsunma continuou em um fio pragmático, sobre o qual estou totalmente de acordo: “Viva de forma simples e cultive sua própria comida.”

Infelizmente, para muitos de nós, cultivar nossos próprios alimentos simplesmente não é possível ou prático. Portanto, uma grande forma de contornar a falta de terra pode ser cultivar plântulas no parapeito de uma janela. As sementes germinadas são incrivelmente saudáveis e econômicas e podem ser cultivadas com reverência. Devemos reduzir nosso desperdício, continuou Jetsunma. Reciclagem e reutilização são dois caminhos que podem fazer uma diferença significativa. Ela nos pediu para considerar: “Como posso usar a minha vida para beneficiar o mundo… baseada na compaixão, baseada na bondade amorosa?”

A escolha é nossa.

A questão das pessoas com poder foi então levantada, com a acusação de que elas normalmente não agem com o mesmo cuidado com o planeta que muitos de nós agimos. Ela nos pediu para imaginar uma névoa escura de negatividade envolvendo o mundo. Conectar-se a essa névoa, incomodá-la ou alimentá-la com mais negatividade, não fará nada além de ajudá-la a crescer, e devemos evitar isso. Devemos fazer o esforço consciente para transmutar a sujeira em algo positivo. Devemos ser a vela em uma sala escura. Algumas das pessoas mais poderosas são as mais atribuladas e as que mais precisam da nossa compaixão. Jetsunma, portanto, nos pediu para permanecermos na verdade e na ação não violenta e não alimentarmos o ódio, porque em última análise “a verdade é mais poderosa do que as mentiras”.

Quando perguntaram o que realmente podemos fazer, Jetsunma nos lembrou de ensinar – especificamente, ensinar aos nossos jovens – que existe esperança. Ensinar-lhes lições sobre valores, compaixão, atenção plena e ecologia. Ensiná-los a usar o bom senso. “Precisamos ter bom senso em relação às nossas vidas… devemos defender o que é verdade e o que é certo… e não ser hipócritas.  Se acreditamos em algo, devemos fazer isso… E estender a mão com compaixão e bondade.”

“Cultive um bom coração”, como nos encoraja o Dalai Lama. A bondade básica é o que o planeta precisa. Ser um bom ser humano é o que conta. Jetsunma lembrou ao público: “Todos os seres têm a natureza búdica. Todos os seres têm o potencial de despertar”, e é este potencial que nos conecta, já que todos nós o compartilhamos. Estamos separados apenas de forma ilusória, graças ao nosso pensamento dualista. Vemos o mundo externo e as atividades como menos significativas para nós quando parecem não ter nenhum benefício para nós, ao invés de vermos como cada um de nós, cada ser, é uma parte essencial da Grande Sinfonia. E cada um de nós tem nosso papel a desempenhar nessa Grande Sinfonia: “Não é sobre ser homem ou mulher. Trata-se de viver neste mundo de forma responsável, com respeito por todos os seres.”


Saiba mais

Apoiadores

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *