Dzogchen Ponlop Rinpoche dará ensinamentos sobre Mahamudra para o público brasileiro. Foto: divulgação.

Como praticar a meditação Mahamudra

Um passo a passo amoroso para nos aproximar da verdadeira natureza da mente


Por
Revisão: Cristiane Schardosim Martins
Tradução: Rozana Folz

O texto abaixo é um verdadeiro presente. Com uma linguagem clara e cuidadosa, Dzogchen Ponlop Rinpoche nos apresenta o que, tal como o Dzogchen, podem ser considerados os mais sutis ensinamentos da tradição budista — o Mahamudra. Em um passo a passo amoroso, o Rinpoche, com este texto, nos apoia e nos motiva a realizar a prática de ver a natureza da nossa própria mente. 

A publicação de “Como praticar a meditação Mahamudra” faz parte da preparação para o retiro online de Mahamudra, que irá acontecer de 20 a 22 de agosto. A organização é da Nalandabodhi Brasil, com tradução para o português, e as inscrições já estão abertas.


O budismo é rico em métodos para se trabalhar com a mente. Um dos mais renomados e poderosos é a antiga tradição de sabedoria conhecida como Mahamudra. Originária da Índia, a visão e a prática de Mahamudra se espalharam gradualmente por toda a Ásia até alcançarem o Ocidente. Como filosofia, visa comunicar o conhecimento claro da verdadeira natureza da mente. Como prática de meditação, propõe-se a trazer essa experiência de forma rápida e inequívoca.

Mahamudra é uma tradição budista conhecida por sua simplicidade. A prática é para sermos genuínos, tranquilos e conscientes em todas as situações da vida, para aceitarmos e apreciarmos quem nós somos. Para nos engajarmos em seus métodos profundos, não precisamos mudar nosso estilo de vida, e qualquer instrução diferente desta não se trata do verdadeiro ensinamento Mahamudra. A prática de Mahamudra é uma experiência de nossa mente que é completamente livre e alegre, não importando o que a nossa vida nos apresenta. Ela nos aponta a verdadeira natureza da mente. 

O significado de Mahamudra é encontrado em seu nome. Maha significa “grande” e mudra significa “símbolo” ou “selo”.  O Grande Selo referido é a sabedoria da vacuidade, a qual é a própria natureza da mente e de todos os fenômenos – qualquer objeto ou ideia que a mente pode observar ou do qual pode se tornar consciente. Por cobrir a totalidade de nossa experiência, o Grande Selo é conhecido como a realidade abrangente da qual não há escapatória ou exceção.

Então, como começamos a prática de Mahamudra? Primeiro, aprendemos com uma mente aberta e interessada o que é Mahamudra. Em seguida, nós refletimos e personalizamos esse conhecimento para que se torne nossa própria experiência, ao invés de uma teoria. Tendo digerido o significado, nós simplesmente nos sentamos, indo além do conhecimento sobre Mahamudra para nos tornarmos um com ele.

Realizar a natureza verdadeira da nossa mente não acontece por acidente, pura sorte, ou apenas por força de vontade. Precisamos de alguma ajuda. Temos que confiar nas instruções fundamentais da linhagem Mahamudra transmitidas a nós por meio de um professor confiável e realizado. O Mahamudra tem uma tradição de métodos hábeis que aponta diretamente a natureza da mente, que é uma característica singular dessa linhagem. Se temos a oportunidade de receber essas instruções e um interesse sincero em trabalhar com elas, temos uma boa chance de entender e realizar a sabedoria Mahamudra.

Mahamudra é dividido em três partes: base Mahamudra, caminho Mahamudra e fruição Mahamudra. Iniciamos nossa discussão pela base Mahamudra. É fundamentalmente uma visão da realidade mais básica de nossa mente e mundo.  Em seguida examinaremos brevemente o caminho Mahamudra, que é a real prática de meditação. Por último, temos a fruição Mahamudra, uma descrição de para onde o caminho vai nos conduzir. Isso nos proporcionará uma imagem completa da jornada do despertar Mahamudra.

Mahamudra nos ensina uma série de técnicas especiais para olhar nossa mente e ver sua verdadeira natureza. Quando olhamos para dentro, com um foco claro e constante, a mente que vemos é transparente, ampla e aberta. Parece que algo está lá, mas quando procuramos por esse algo, não há “algo” que possamos encontrar. Nossos pensamentos e emoções são vívidos, no entanto, não podemos colocar nossas mãos sobre eles. Eles se desmancham assim que os notamos. Mesmo as imagens e sons que parecem reais, entidades distintas, escapam do nosso alcance quando procuramos sua identidade verdadeira. Quando reconhecemos a qualidade fluida, aberta e ampla de todas as nossas experiências, mesmo por um momento, esse é o lado vazio da sabedoria da vacuidade.

No entanto, quando olhamos para nossa mente, vemos que ela não é somente ampla. Há uma energia luminosa, clara e criativa que é a fonte de nossa compaixão e alegria. Há também uma qualidade de vigília, de uma consciência abrangente. Esse é o lado da sabedoria da vacuidade.

Quando reconhecemos a união desse brilho, dessa consciência e do espaço aberto e transparente, isso é o que chamamos de reconhecimento da sabedoria da vacuidade, ou a verdadeira natureza da mente. Em tal momento, nós não experienciamos apenas um lado da mente; experienciamos a totalidade da mente. Vemos a união de espaço, compaixão e consciência, que é chamada de Mahamudra. 

Essa é uma maneira de compreender a mente da iluminação – sabedoria de Buda ou natureza búdica. Essa mente de sabedoria é rica em qualidades que nos trazem felicidade ilimitada, entendimento e um desejo correspondente de ajudar o nosso mundo. Desde o início as mentes de todos os seres são livres de quaisquer falhas ou defeitos inerentes. Podemos perguntar: “Qual é esse ‘desde o início’ de que estamos falando? Vinte anos atrás? Um bilhão de anos atrás?”

Na verdade, é neste exato momento, agora, quando deixamos de reconhecer a verdadeira natureza da mente. Este é o começo. Se pudermos relaxar neste momento, estamos repousando na base ou no estado fundamental de Mahamudra. A maneira como repousamos é através da prática da meditação, que é o caminho Mahamudra. Quando podemos repousar bem, estamos naturalmente em união com o objetivo ou fruição do caminho. Não há outro Mahamudra para realizar: nós somos Buda, despertos e livres neste exato momento.

Porém, quando falhamos em reconhecer a natureza básica de nossa mente, temos um problema. A energia criativa e luminosa da mente original é mal entendida como o mundo dual de si e do outro. A confusão surge, começa o apego e então todo o mundo de sofrimento e de perplexidade se manifesta. Ao invés de desfrutar da paz, iluminação e felicidade, experienciamos nossa mente afligida por emoções dolorosas. Somos bombardeados por pensamentos que nos levam a esse ou àquele caminho. Suportamos ansiedade e medo enquanto ansiamos por paz e contentamento.

Dzogchen Ponlop Rinpoche. Foto: divulgação.

Isso é o que chamamos de giro do samsara, ou existência cíclica, que é interminável até que decidamos pará-lo por meio da realização do estado verdadeiro da mente. Então, o início do samsara é quando falhamos em reconhecer essa base e o fim do samsara não é nada mais complicado do que reconhecer nossa própria natureza da mente. Quando a mente reconhece a si própria  e pode repousar livremente e relaxada em um estado de abertura, isso é o fim da nossa confusão e sofrimento.

Luminosidade, a clareza natural da mente, se manifesta criativamente como fenômenos. Pelo fato de estarmos habituados a solidificar nossa experiência dessa manifestação luminosa, é mais fácil para a maioria de nós ver o aspecto luminoso da mente do que reconhecer a natureza vazia da mente. No entanto, se estamos deixando escapar a experiência da vacuidade, podemos começar a pensar na luminosidade como algo que é sólido e real o suficiente para nos agarrarmos. Então isso se torna uma fonte de sofrimento e confusão em vez de liberdade. É importante primeiro aprender o que a vacuidade realmente significa, pelo menos intelectualmente, antes de chegarmos à conclusão de que a natureza da mente possui todas as qualidades da iluminação. Uma vez que tenhamos uma boa compreensão da natureza da vacuidade da mente, podemos ampliar essa visão ao ver a natureza luminosa da mente.

Portanto, antes de iniciar a meditação Mahamudra, deveríamos primeiro ter uma compreensão teórica da verdadeira natureza da mente – como vazia, luminosa e consciente. Em segundo lugar, deveríamos entender como a confusão se desenvolve quando nós não reconhecemos essa natureza. Terceiro, deveríamos entender que a essência dos nossos pensamentos e emoções confusos é livre de qualquer negatividade inata ou fixação, todas essas expressões e experiências da mente são vazias e luminosas.

Esses três aspectos da base Mahamudra são importantes para compreendermos, primeiro, por meio da mente conceitual e, depois, por meio do processo de reflexão para torná-lo mais experiencial. No final, trazemos nossa compreensão para a realização completa por meio da meditação.

No início, a meditação Mahamudra é um processo de nos familiarizarmos com nossa mente exatamente como ela é e em seguida aprender como repousar dentro dela. Nosso primeiro relance provavelmente nos mostrará que nossa mente muitas vezes vagueia sem rumo e há pouca organização em nosso pensar. É como uma casa com lixo amontoado por toda parte. Então, o que precisamos fazer primeiro? Nós precisamos trazer um senso de ordem e clareza à nossa mente. Por estar mais atento ao nosso processo de pensamento, nossa consciência torna-se naturalmente mais nítida, mais precisa e mais discriminativa. Assim que criarmos algum espaço mental, podemos começar a vislumbrar a natureza da mente e o jogo de sua energia criativa. Gradualmente, podemos abandonar ainda mais os pensamentos, rótulos e julgamentos que mantêm nossa mente se movimentando, instável e tensa. Podemos começar a relaxar, expandir e habitar uma nova dimensão de presença e abertura.

Existem dois tipos principais de meditação na tradição Mahamudra: shamata Mahamudra, ou repouso na natureza da mente, e vipashyana Mahamudra, ou visão clara. O foco da nossa atenção é a própria mente, em oposição a qualquer coisa externa. Se você tem uma experiência de meditação sentado e está familiarizado com essa prática, então aprender a repousar na natureza da mente pode ser muito simples, fácil e direto.

O que significa repousar na natureza da mente e como fazemos isso?  Podemos pensar que para meditar precisamos nos concentrar, temos que focar em alguma coisa. A verdadeira meditação Mahamudra não é realmente sobre isso. É mais sobre saber como repousar nossa mente e deixá-la descansar em seu próprio estado. Isso pode ser complicado, porque de um lado nós precisamos estar atentos e nos manter presentes e, por outro, precisamos nos livrar de qualquer estresse e apenas relaxar. Portanto, a melhor prática é o caminho do meio, encontrando um equilíbrio entre a não distração e o relaxamento.

No começo isso pode parecer artificial, mas se continuarmos fazendo isso, torna-se fácil. É como quando começamos a aprender a dirigir um carro. É muito estressante quando  sentamos pela primeira vez ao volante. Nossos olhos ficam colados na estrada. Ficamos segurando o volante com tanta força que podemos sentir a tensão em nossos ombros. No início é uma experiência intensa e assustadora. Porém, quanto mais aprendemos a dirigir, mais relaxamos.

Da mesma forma, a meditação Mahamudra pode parecer antinatural e estressante no início. Podemos ficar preocupados por termos muitos pensamentos e não estarmos suficientemente relaxados, ou porque o nosso foco não está no lugar certo. Mas o relaxamento virá naturalmente se continuarmos praticando. Isso é o mais importante – continuar praticando. Então, a experiência de espaço, consciência e relaxamento virá naturalmente.

Meditação: Mahamudra

Primeiro, sente-se em uma almofada ou cadeira em posição ereta e relaxada. Reserve um momento para sentir a almofada, a postura de seu corpo, a disposição da mente e o movimento da respiração. Sente-se quieto por vários minutos, soltando gentilmente seus pensamentos até sentir uma sensação de serenidade.

Em seguida, traga a atenção para seus olhos e olhe diretamente no espaço à sua frente. Então, simplesmente relaxe e repouse no momento presente, no agora. Por um lado, existe uma sensação de foco no espaço, mas por outro lado não há um ponto específico para focar. O olhar é como o próprio espaço, amplo e vasto.

O que quer que surja no presente, seja um pensamento, emoção ou percepção, tente ir ao encontro deles sem julgamento ou comentário. Repouse a mente nessa experiência, quer você a considere boa ou má, agradável ou desagradável. Não há necessidade de mudá-la ou melhorá-la ou procurar um lugar melhor para repousar. Repouse a mente onde ela está e simplesmente como ela está.

Na meditação Mahamudra não é suficiente apenas reconhecer a presença de pensamentos e emoções; precisamos reconhecer sua verdadeira natureza e repousar dentro dessa experiência. Portanto, de vez em quando na meditação, reflita sobre as três características básicas da mente: vacuidade, luminosidade e consciência.

A vacuidade da mente é, por assim dizer, algo que podemos “ver”. Quando olhamos para a mente, é como um espaço infinito. Não tem limite. Não tem matéria, cor ou forma. Não há nada que possamos tocar. Esse espaço, essa abertura, é a natureza vazia de nossa mente. Ao contemplar a vacuidade da mente, experiencie a qualidade espaçosa, insubstancial, imaterial da mente, dos pensamentos e emoções, e deixe a mente em um estado de tranquilidade e de total abertura.

No entanto, essa mente não está apenas vazia. Tem também uma clareza vívida, uma luminosidade infinita e vasta, que é a radiância da própria vacuidade. É como um céu amplo e claro, cheio de luz. Essa experiência de espaço com luz é a experiência da grande compaixão e da bondade amorosa, ou um grande amor imparcial além de conceitos. Ela se manifesta na energia vibrante de nossos pensamentos, emoções, e percepções. Podemos ver isso em todas as experiências da mente, especialmente na manifestação poderosa de nossas emoções.

Mais uma vez, sente-se silenciosamente até sentir uma sensação de serenidade. Em seguida contemple o aspecto da clareza da mente. Olhe diretamente para quaisquer formas, pensamentos ou emoções que surjam: todos são a expressão natural da natureza luminosa. Olhe além do objeto e experiencie a radiância da vacuidade, repousando tranquilo nessa presença básica da lucidez.

O aspecto de clareza da mente tem o poder de conhecer, ver e experimentar o mundo. Quando uma sala está cheia de luz, podemos ver todos os objetos ao nosso redor. Da mesma forma, a luz de nossa mente torna as aparências claras e distintas. Quando pensamos em um objeto, nossa mente naturalmente produz uma imagem para ele. Quer estejamos pensando em Bart Simpson ou em Sua Santidade o Karmapa, a imagem que vemos é uma expressão da energia límpida, lúdica e criativa da mente.

A mente não é apenas vazia e clara; tem a qualidade de uma consciência panorâmica e discriminativa. Enquanto a clareza é o aspecto compassivo da mente, consciência é o aspecto desperto. É a inteligência afiada e penetrante (prajna) que vê através de qualquer confusão e compreende perfeitamente o mundo que vê. Com clareza e consciência juntas, experienciamos todo o poder e benefício de compaixão e sabedoria em nossas vidas.

Como antes, agora descanse a mente por um momento. Solte qualquer pensamento de esperança ou medo e acalme a mente. Repouse o olhar no espaço aberto à sua frente. Traga a mente para o momento presente e relaxe, simplesmente experienciando a qualidade da consciência. Em seguida, solte até mesmo isso e repouse sem nenhum pensamento. Novamente, nós nos trazemos de volta ao momento presente de consciência. Relaxe e experiencie a mente como vazia e luminosa.

Com consciência, experienciamos os três aspectos da mente em união e a totalidade da natureza da mente. Quando ouvimos instruções para meditar na mente ou repousar na verdadeira natureza da mente, trata-se desta união da vacuidade, luminosidade e consciência. Quando somos capazes de repousar nessa natureza sem muito esforço de tentar rigidamente focar ou concentrar, podemos começar a experienciar repouso genuíno.

Repousar nesse espaço é uma das meditações mais poderosas que leva a uma experiência direta da mente de Buda. Com essa experiência, podemos trazer um novo nível de compreensão e habilidade para nossa vida cotidiana. A sabedoria e a compaixão que manifestamos transformarão as energias antes perturbadoras de nossos pensamentos e emoções em algo muito útil e poderoso que pode trazer a experiência da iluminação.

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4 Comentários

  1. Davi Pádua Ribeiro disse:

    Muito bom. Gratidão pelo compartilhar dos conhecimentos

  2. Ryath disse:

    Adoro o Mahamudra
    Abraço!

  3. JAIR VIEIRA DE MELLO disse:

    Bom Dia , Gostaria de saber há treinamentos presenciais , caso haja , qual seria a data e o local para esse treinamento .

    Também em caso positivo , qual os procedimentos para se inscrever ?

    Desde já agradeço a Atenção

    Aguardo

    Jair Mello

  4. Mara Rosane M. Prado disse:

    In Lak’ech.

    Iniciando as práticas imediatamente.

    Ala k’in

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