Foto: Ray Hennessy

Conselhos sobre transmigração, bolhas de realidade e compaixão

Trecho de ensinamento do Lama Padma Samten oferecido durante retiro “Superando os Conflitos”, que aconteceu em Curitiba, em março de 2016


Por
Revisão: Carmita Portela
Edição: Lia Beltrão
Transcrição: Vagner Cassola

Nos ensinamentos budistas, um ser senciente é, muitas vezes, definido como um ser que transmigra, um ser em movimento. Neste retiro realizado em 2016, em Curitiba, o Lama Samten nos fala como este conceito de transmigração está conectado à noção das bolhas de realidade, ou seja, à experiência de aparente solidez e coerência que temos diante das situações da vida. Aqui, especialmente, ele nos aponta: gerar uma compreensão sobre as bolhas que nós e os outros habitamos nos conduz naturalmente à compaixão.

Eu considero um pouco grave transmigrarmos imaginando que isso é a vida. Contudo, se entendermos que o que verdadeiramente está acontecendo é que estamos alegremente trocando de bolhas, isso já uma boa coisa. Quando entendemos isso, não estamos nos iludindo imaginando que agora nós descobrimos isso ou aquilo. Nós estamos simplesmente numa outra bolha. Estamos “surfando” numa bolha, depois “surfamos” noutra e assim vamos indo, e isso não parece nenhum problema!

Observar as bolhas é observar como a realidade inteira começa a surgir junto com a identidade, com as relações, com a visão estratégica, com os aspectos causais… Tudo isso começa a aparecer.

Observar a energia ou a falta de energia e a significação dos objetos dentro de uma bolha específica — em outra bolha os objetos ganham outros significados. Tudo começa a girar como se tivesse um propósito verdadeiro e último. Vamos entender também como as pessoas ao nosso redor têm as suas próprias bolhas e como elas nos aconselham a partir das bolhas delas. De modo geral, as mães estão presas em bolhas e querem que tudo funcione de certo jeito…

É super importante que entendamos isso sem culpar, nem a nós mesmos nem a ninguém e sem fixar os outros em identidades. Quando fazemos isso, sem perceber, passamos a ocupar um lugar livre, que é justamente o lugar de onde podemos ver as bolhas como bolhas. Também é possível que este lugar, onde nós estamos olhando para as bolhas como bolhas, seja uma outra bolha, mas pode ser que estejamos nos aproximando da condição de liberdade natural.

bolhas de realidade

Foto: Clem Onojeghuo

De qualquer maneira, quando estamos olhando as bolhas como tal, nós estamos mais livres do que se estivéssemos fixados dentro de uma bolha. Temos um grau de liberdade adicional.
O Buda e os mestres vão dizer: “Você precisa desenvolver familiarização com a visão que vai além disso”.

A realização de shamata (permanência serena; aquietar a mente) pressupõe a compreensão da realidade a partir da mente fundamental, que não é a mente primordial. A mente fundamental é alayavijnana, o conjunto de marcas mentais. Quando percebemos que a realidade brota como uma manifestação direta das marcas mentais, é porque não estamos mais operando totalmente presos a estas marcas mentais. Isso significa que estamos atingindo certo nível de realização de shamata, estamos escapando das marcas mentais. Se pudermos repousar no espaço livre e contemplar isso, nós vamos manifestar lucidez.

Mas durante um tempo vamos precisar gerar familiarização com as bolhas de significados, que parecem coerentes, que parecem reais. A melhor forma de fazer isso é entender diferentes bolhas. Então, se você está transmigrando, esse é um material valioso também, porque você pode ver o significado das várias bolhas de realidade.

Uma forma também de transmigrar sem transmigrar é ver um filme, observar objetos de arte, ouvir música… A música nos transporta para bolhas; os filmes nos transportam para bolhas; o jogo de futebol nos transporta para uma bolha; o noticiário nos transporta para bolhas. Se dermos densidade àquilo, nós somos arrastados pelo samsara. Se rejeitarmos, estamos rejeitando a própria prática.

Precisamos ver as bolhas e gerar uma familiarização com elas. Precisamos não gerar fixação nem perder a inteligência de reconhecer o funcionamento delas.

Quando reconhecemos o funcionamento da bolha e não ficamos presos, estamos nos preparando para poder ajudar os seres que estão ali dentro a ultrapassarem as fixações deles, e vamos perceber a nossa limitação.

Nós estamos dentro da bolha, mas não estamos presos; porém o outro está ali dentro e está preso. Entretanto nós não temos linguagem para ajudar o outro a sair da bolha. Quando percebemos esta falta de capacidade, pode ser que brote em nós um voto comovido de avançarmos até nos tornarmos capazes de ajudar os outros a ultrapassarem o poço da experiência cíclica, que é profundo e, portanto, difícil de ser ultrapassado.

É assim que entendemos melhor como é tudo isso. Passeando pelas bolhas entendemos a aparente solidez dessas bolhas, entendemos os seres presos nessa solidez, e entendemos a frustração deles também quando a impermanência se aproxima − a impermanência externa e interna. Quando entendemos esse sofrimento, fazemos o voto de ajudá-los.


Trecho de ensinamento durante Retiro “Superando os Conflitos”, realizado no CEBB Curitiba, 19/03/2016. Assista o retiro completo:


A transcrição e escolha desse texto está ligada ao Ação Nalanda, uma mandala de transcrição de ensinamentos do Lama que reúne pessoas de todo o Brasil. Se você quiser participar e tomar a transcrição como parte de sua prática pessoal, entre em contato através do email: acaonalanda@gmail.com

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2 Comentários

  1. Ormando disse:

    Gratidão pela transcrição ^^

  2. Samuel disse:

    Obrigado!

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