Foto por M.T. Elgassier (Unsplash)

Coronavírus já é ruim o suficiente – para que ter medo também?

Ven. Robina Courtin usa nossas reações internas à pandemia para explorar mecanismos de apego e aversão


Por
Edição: Lia Beltrão
Tradução: Cecilia Dalotto

Como parte da preparação para o evento com a Ven. Robina Courtin, especialmente voltado para o Brasil, a Bodisatva compartilha mais um texto de sua autoria. Originalmente publicado em seu blog no final de março de 2020, neste texto Robina aproveita a situação de pandemia que estamos vivendo e explora as nossas reações internas de apego e aversão, e como elas estão relacionadas ao medo, pânico e paralisia. 


Parece que não há nenhum lugar no planeta neste momento que não esteja sofrendo com a presença do coronavírus e suas consequências. E isso está trazendo muito medo e ansiedade.

É natural, é claro mas não significa que devemos aceitar o medo como algo certo. Não devemos cair na armadilha de acreditar que, apenas porque o medo é natural, não podemos mudá-lo. Claro que podemos! Esse é o ponto fundamental que o Buda traz: essa é a essência de seus ensinamentos e práticas. Nossa mente não é imutável. Nós podemos mudá-la.

“Mente” aqui não se refere a algo parecido com o cérebro. Essa não é a especialidade do Buda. Sua especialidade, psicologia budista, trata do próprio processo cognitivo subjetivo em si, nossas  miríades de pensamentos, sentimentos e emoções.

Se podemos mudar o que está em nossa mente, obviamente o primeiro passo é tornar-se intimamente familiarizado com o que está dentro dela. Como sabemos, de acordo com a análise budista, essencialmente, os conteúdos de nossa consciência da mente todos nossos pensamentos, sentimentos e emoções são ordenadamente divididos em três categorias.

  1. Todas as emoções baseadas no “eu” que conhecemos tão bem: os estados mentais neuróticos, deludidos e perturbadores, como apego, raiva, ciúmes, baixa autoestima e todo o resto, que nos limitam, nos separam dos outros, nos oprimem e nos fazem sofrer e, finalmente, prejudicam os outros.
  2. Todas as emoções produtivas e não baseadas no “eu” e que também conhecemos tão bem: amor, bondade, paciência, perdão, autoconfiança e todo o resto, que nos abrem, e são a fonte de nossa própria felicidade e sanidade e de nossa capacidade de beneficiar outros.
  3. Ao terceiro grupo, eu gosto de me referir como a mecânica de nossa mente partes que precisamos para funcionar: quer você seja um assassino ou um meditante, precisa de concentração, atenção, intenção, discriminação, mindfulness (a qual, em sua essência, é uma memória de curto prazo. Como diz Lama Zopa Rinpoche, “ladrões precisam de atenção plena!”).

Então, onde o “medo” se encaixa nisso tudo? Curiosamente, ele não tem status próprio na lista de estados mentais neuróticos simplesmente porque o medo é o sabor, o caráter, a energia, a própria natureza de todos eles. Todos eles estão enraizados no medo! São as vozes da delusão, a fantasia principal, a fixação primordial a um “eu” separado, concreto e imutável.

Em relação ao coronavírus, as duas principais delusões em jogo são apego e aversão, além da fixação às coisas como permanentes e imutáveis.

O apego é a constante fome emocional por obter apenas as coisas boas, apenas as coisas que “eu” quero. O apego é o desespero para que tudo seja agradável, confortável, inofensivo. Está lá o tempo todo, sustentando tudo, profundamente enraizado em nossos ossos. E mais do que isso, ele pressupõe que eu mereço apenas as coisas boas! Quanta arrogância!

Funciona assim: no milissegundo em que o apego não consegue o que quer e certamente ele não quer o coronavírus ou nada relacionado a isso! , surge então a aversão, e, dependendo da nossa personalidade, ela pode se manifestar como raiva, aborrecimento, irritação, até desespero e depressão.

Misturada a isso, está a suposição de que as coisas boas não devem mudar, elas não mudam como elas ousam mudar?! Nós simplesmente não aguentamos a ideia dessas coisas agradáveis, nossa zona de conforto, sendo perturbadas, então adicionamos outra camada de nonsense, outra fantasia: acreditamos, presumimos, que o status quo é permanente, imutável.

Tudo isso leva a, resume-se a, classifica-se como medo!

Em outras palavras, ao sustentar essas neuroses primordiais, no nível das suposições apego, aversão, acreditar que as coisas são imutáveis ​​ estamos nos predispondo ao sofrimento: pânico, ansiedade, medo. É isso.

E o medo piora tudo! Já é ruim o suficiente que coisas ruins nos aconteçam, por que também ter medo? Isso nos paralisa. Não conseguimos realizar nada, não conseguimos funcionar, não conseguimos ver além do nosso nariz.

O que devemos fazer? Mudar nossas suposições, analisá-las profundamente, identificar as elaboradas histórias conceituais que sustentam nosso apego, aversão e afinco à imutabilidade, e aprender a argumentar com elas, a não acreditar nelas, a não cair no seu jogo.

Claro que é difícil! Mas nós podemos fazê-lo. Nós podemos ser corajosos. Abrir-nos para a realidade das coisas ruins, para as coisas que o apego não quer, nos acalma, nos estabiliza, nos torna mais razoáveis, mais sensatos menos temerosos.

E então poderemos perceber que estamos todos no mesmo barco e teremos compaixão pelos outros também.

Um passo de cada vez!


Os eventos com a Ven. Robina Courtin irão acontecer entre 20 e 29 de junho e as inscrições já estão abertas – é só clicar aqui

O texto acima foi publicado originalmente em inglês no blog da Ven. Robina Courtin, no dia 14 de março de 2020. Leia em inglês neste link.

Apoiadores

1 Comentário

  1. mariadefatimagoncalvessilveiranetto disse:

    GOSTEI, BEM INTERESSANTE!
    VOU LÊ-LO NOVAMENTE, POIS NOS EXPLICA A SITUAÇÃO , O MOMENTO QUE ESTAMOS VIVENDO, E NOS COLOCA TODOS JUNTOS, COMO DEVEMOS SER, ESTAR, E LÓGICO SENTIR-NOS? NAMASTÊ!

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *