Neste trecho do Budadarma, considerado um tesouro precioso, o Buda fala sobre como entender a mente
No início do século XX, eruditos japoneses fizeram uma compilação dos 84 mil ensinamentos concedidos pelo Buda, extraídos diretamente do páli, chinês e sânscrito. A compilação está publicada no Budadarma — O Caminho para a Iluminação, que introduz desde o início da vida de Sidarta Gautama, depois Buda Sakyamuni, e toda sua trajetória ao longo de 44 anos.
Nesta compilação, considerada um tesouro precioso, estão trechos de ensinamentos sobre como entender a mente, além de sutras. Confira o trecho que parte do capítulo 4, livro 5, da obra Budadarma:
Bodisatvas se reuniram como nuvem das dez direções e cada um ofereceu estes versos.
Como a luz pura ilumina as dez direções, todas as pessoas são capazes de ver o Buda.
O Buda está agora no palácio de Yama. Tal evento ocorre raramente neste mundo. Neste mundo e no palácio de Yama as pessoas veem o Buda. Seu mérito é profundo e inconcebível. Um corpo é inúmeros corpos, os inúmeros corpos são um. Dependendo das necessidades das pessoas ele se move desimpedido por todas as dez direções.
Apesar de um tempo incomensurável se passar é difícil encontrar um professor de pessoas e de deuses. A luz da sabedoria remove a escuridão do mundo. O Darma maravilhoso beneficia as pessoas. Incansavelmente, através de um tempo inconcebível, ele aperfeiçoou as práticas e atingiu a iluminação e salva as pessoas em todas as direções. As pessoas que veem o professor de humanos e deuses escapam do sofrimento dos caminhos negativos.
A luz da lua no verão em um céu sem nuvens ilumina intensamente. Mesmo as pessoas com olhos não sabem o grau de alcance, e muito menos aqueles que não enxergam. A luz do Buda é igual. Vindo de lugar algum e indo para nenhum lugar, ela não nasceu e não morre. Ela é vazia e silenciosa e não possui substância. Assim como a luz, todas as coisas são similares. As coisas desde o princípio nunca tiveram uma natureza própria. Se alguém realizar esta natureza verdadeira sua mente finalmente estará livre da delusão.
O corpo do Buda preenche o reino do Darma. Em deixar seu assento ele alcança todos os lugares. Aquele que confia neste ensinamento estará livre para sempre do sofrimento dos três caminhos negativos. A pessoa que ouve sobre o poder desimpedido do Buda e que confia nele com mente unifocada alcança a iluminação e expõe o Darma. Se alguém o ouve, isto se deve ao voto do Buda.
Não há distinções entre todas as coisas; apenas o Buda conhece. Assim como não há distinções entre a natureza do ouro e sua cor, não há diferença entre o Darma e o não-Darma, nem entre seres sencientes e não-sencientes.
Assim como formas passadas não existem no futuro, não há distinções entre todas as coisas. Metaforicamente, apesar de os números se estenderem do 1 (um) até o infinito, eles são todos números e não há discriminações. Com base apenas na consciência da discriminação é como se houvesse uma distinção entre os números. E também, apesar de não haver diferenças no espaço das dez direções, as pessoas criam distinções. Quando alguém se fixa desta maneira nunca verá o Buda.
Os três tempos dos seres sencientes — passado, presente e futuro — estão compreendidos nos cinco agregados. Os cinco agregados se originam devido à mente. Visto que a mente é como uma ilusão, os seres não sencientes não são diferentes de ilusões. O mundo não cria a si mesmo e nem é criado por outro.
Enquanto alguém não conhece a natureza da verdadeira realidade será apanhado pelo hábito de nascimento e morte. O giro do mundo é o giro do sofrimento. Enquanto as pessoas não reconhecerem isto a roda de nascimento e morte girará para sempre. Tanto o mundo quanto o não-mundo não são reais. As pessoas não possuem sabedoria e são ignorantes, elas se fixam às formas de todas as coisas indiscriminadamente.
Os cinco agregados dos três tempos são chamados de mundo, mas ele existe apenas devido à delusão. Quando alguém destrói o mundo, deixa-o para trás. Não reconhece mais os cinco agregados em deterioração, acreditando que eles são permanentes sem razão, mas os cinco agregados são vazios e temporários e não são verdadeiramente reais. A realidade das coisas é pacífica e não muda. É livre de discriminações no final.
O mundo já é vazio; o Buda e o Darma também são vazios. A natureza dos três não possui substância. Aqueles que estão livres de visões perversas e que veem a verdadeira realidade, claramente veem o Buda sempre surgindo diante deles.
A natureza de todas as formas e ações, mesmo que alguém pense e procure com ardor, não pode ser reconhecida. É o mesmo com a natureza da consciência e com o corpo do Buda.
Apesar de o maravilhoso corpo incomensurável surgir em todos os países, o corpo não é o Buda. O Buda não é o corpo. Apenas o Darma é o corpo. Ele permeia todas as coisas. Se alguém enxergar o puro corpo do Buda não terá dúvidas sobre a doutrina do Buda. Quando alguém vê que a natureza da verdadeira realidade é igual ao nirvana, enxergará o Buda e estará em paz. É chamado de filho do rei do Darma.
Um pintor habilidoso usa cores para fazer qualquer forma, e a forma não é diferente da cor. Mas a forma não é o mesmo que as cores, e as cores não são o mesmo que a forma. Pode-se saber isto porque a forma, de fora de seu contorno, está sem cores. A mente não é a cor da figura, a cor da figura não é a mente. Entretanto, fora da mente não há figura, fora da figura não há mente. Essa mente não é permanente. Como é ilimitada, não pode ser medida. Ela manifesta todas as cores, mas as cores são ignorantes umas das outras.
Exatamente como um pintor habilidoso não conhece a mente de uma pintura, assim é com a natureza do Darma. A mente é como um pintor habilidoso; ele desenha os cinco agregados de formas variadas. Dentro de todos os mundos não há nada que ela não crie. Assim como a mente, assim é o Buda; assim como o Buda, assim são os seres sencientes. Estes três — a mente, o Buda e os seres sencientes — não possuem distinções. Todos os budas sabem que todas as coisas se desenvolvem a partir da mente. As pessoas que compreendem isto veem o verdadeiro Buda.
Aquilo que é apreendido visto, ouvido ou pensado — é inatingível. Mensurável ou não, os limites são difíceis de verificar. Estes dois não possuem nada a que se agarrar. Aquele que ensina o que não pode ser ensinado engana a si mesmo. O que não pertence a alguém não pode agradar as pessoas. Apesar de o céu ser puro e incolor, ele manifesta todas as cores; porém, sua natureza não é vista. Da mesma forma a pessoa de grande sabedoria apresenta formas ilimitadas, porém ela não é conhecida pela consciência. Não há nada a ser visto. Ao ouvir o som da voz do Buda, apesar de o som da voz não ser o Buda, ele não pode ser reconhecido separado da voz. Este princípio é muito profundo. Se alguém é capaz de discerni-lo corretamente, o caminho com certeza será seu.
O trecho foi publicado originalmente na Revista Bodisatva nº 26 de 2013 e faz parte do capítulo 4, livro 5, da obra Budadarma, O Caminho para a Iluminação.
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1 Comentário
Que jóia preciosa! Agradeço por publicarem.