Publicado na Bodisatva n.07, Shunryu Suzuki fala nesse texto sobre os mais sutis e profundos equívocos na mente na prática do “apenas sentar”
A prática do zazen é a expressão de nossa verdadeira natureza. Para o ser humano não existe outra prática, outra maneira de viver. Este ensinamento foi compilado por discípulos de mestre Suzuki. Traduzido e condensado por José Fonseca do livro Zen Mind, Beginners Mind para a Revista Bodisatva n. 07 em 1994, agora transcrito pela Mandala de Colaboradores e revisitado nesta publicação.
Muitas pobres maneiras de praticar zazen devem ser compreendidas. Quando pratica, você geralmente estabelece uma meta, fica idealista. É absurdo. Pois, neste caso, você tem dentro de si uma ideia de proveito, e assim que atingir a meta ela criará outro ideal. Então, enquanto a prática se basear idealisticamente no ganho, não haverá tempo para atingir de fato o objetivo. Além disso, você sacrificará o cerne da prática. Por estar o sucesso sempre adiante, você está sempre sacrificando o agora pela ideia de depois e acaba sem nada, o que é absurdo. Absolutamente, esta não é a prática adequada. Ainda pior do que essa atitude idealista é competir com alguém na prática de zazen. É um pobre e relaxado tipo de prática.
Nosso caminho Soto enfatiza shikan tasa, ou sentar-se apenas. Não temos, realmente, nenhum nome especial para nossa prática. Quando praticamos zazen, cansados ou não de repetir a mesma coisa todo dia, com prazer ou não, encorajados por alguém ou não, apenas praticamos. Acho que mesmo sós, sem professor, vocês darão um jeito de saber se sua prática é ou não é adequada. Quando estiverem cansados de sentar ou desgostosos com a prática, vejam isso como sinal de alarme. Fica-se desanimado na prática quando ela é idealista. Algum espírito de proveito existe em sua prática, ela não é bastante pura, e se ela tem algo de ganancioso você desanima. Agradeça-se pelo sinal que indica o ponto fraco da prática. Então, esquecendo tudo sobre seu erro e renovando seu caminho, você retoma a prática original. Este é um ponto muito importante.
Enquanto continuar praticando, você estará sob proteção. Mas, quando for muito difícil continuar, há que animar-se de algum jeito. Como é duro encorajar-se sem entrar em práticas de baixo nível, pode ser mais duro ainda continuar sozinhos nossa pura prática. Por isso temos um professor, com quem corrigir a prática. É claro que terá com ele maus momentos mas, mesmo assim, estará sempre a salvo da prática incorreta.
A maioria dos monges budistas zen teve muita dificuldade com seus mestres. Quando eles falam disso você pode pensar que, sem tais agruras, é impossível praticar zazen. Mas não é verdade. Tendo ou não tendo dificuldades na prática, enquanto ela continuar você terá prática pura, no seu verdadeiro sentido. Mesmo quando não se dá conta dela você a tem.
Outro engano será praticar pelo prazer. É que, quando envolta em satisfação, sua prática também não está em muito boa forma. O budismo hinaiana classifica quatro práticas. A melhor delas, sem regozijo nenhum, nem mesmo de forma espiritual, é só praticar. Esquecendo seu sentimento físico e mental e tudo sobre você. É o quarto e mais alto nível.
O próximo nível mais alto é aquele em que você encontra algum prazer físico na prática, e por isso pratica. No segundo patamar há ambos os prazeres, mental e físico. Você se sente bem. Nesses dois níveis intermediários você pratica por sentir-se bem praticando. O primeiro degrau é onde você não tem, na prática, nem pensamento, nem curiosidade. Estes quatro estágios aplicam-se também à nossa prática mahaiana, e o mais alto deles significa apenas praticar.
Qualquer dificuldade na prática é sinal de alguma ideia errada, tenha cuidado. Mas não deixe de praticar. Continue, conhecendo sua fraqueza. Aqui não há nenhuma ideia de alcançar. Você não diz “Isto não é iluminação”, ou “Isto não é prática correta”. Nossa prática não pode ser perfeita, mas temos de continuá-la sem desanimar, é este o segredo.
Se você quiser incentivo na falta de entusiasmo, cansar de praticar é o próprio incentivo. Você se encoraja quando se cansa. Quando você não quer fazer, este é o sinal de alarme. É como dor de dentes, quando se tem uma vai-se ao dentista, este é o nosso caminho.
A causa de conflito é alguma ideia fixa ou unilateral. Quando todos souberem o valor da prática pura, teremos pouco conflito em nosso mundo. Eis o segredo da nossa prática e o caminho de Dogen-zengi. Dogen repete isso no seu livro Shobogenzo, Tesouro do Verdadeiro Darma.
Se você compreender que a causa de conflito é uma ideia unilateral ou fixa qualquer, pode encontrar sentido em várias práticas sem se deixar prender por nenhuma delas. Sem se conscientizar disso será presa fácil num desses caminhos e dirá, “Isto é iluminação, é prática perfeita, é o nosso caminho, é o melhor caminho, os outros são imperfeitos”. Grande erro!
Não há nenhum caminho particular na prática verdadeira. Você deve encontrar seu próprio caminho, e saber que tipo de prática tem neste momento. Conhecendo as vantagens e desvantagens de uma prática especial, pode seguir este caminho especial sem perigo. Mas, se você tiver uma atitude tendenciosa, ignorará a desvantagem da prática, dando ênfase apenas à parte boa.
Acontece de se descobrir o pior lado da prática e ficar desanimado quando é tarde demais. Isso é bobagem. Sejamos gratos aos antigos professores por terem apontado este erro.
(*)Mestre Zen, fundador do primeiro mosteiro Soto Zen no Ocidente, em Tassajara, e do Zen Center de San Francisco, na Califórnia.
O texto acima foi publicado originalmente na Revista Bodisatva nº 07, em 1994.
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6 Comentários
Show! Gratidão 💓💓💓
Gostei. uma ótima reflexão.
veio no momento certo
Gratidão 💓💓💓
Sem definições ou comentários. Gashô!
Muito bom! Falando de materialismo espiritual. Achei super importante a leitura deste texto.
Ótima orientação!! Vou tentar prestar mais atenção!!