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Façamos o impossível

Em discurso no Parlamento Europeu, a jovem Greta Thunberg alerta os líderes das grandes potências sobre a crise planetária e chama-os à ação


Por
Revisão: Caroline Souza e Arildo Dias
Edição: Polliana Zocche
Transcrição: Ormando M. Neto
Tradução: Ormando M.N.

Um dia após o incêndio da Catedral de Notre-Dame, ocorrido em 15 de abril de 2019, Greta Thunberg fez um discurso histórico para os membros do Parlamento Europeu. Em agosto do ano passado, a adolescente sueca deixou de frequentar as aulas de sexta-feira para protestar em frente ao Parlamento da Suécia pela redução das emissões de carbono, e pedir um posicionamento das autoridades do país em relação à crise climática. Seu manifesto poderoso ganhou proporções mundiais e, atualmente, milhões de jovens estudantes em diversos países já se somam à onda de manifestações pacíficas.

Reconhecendo as diferentes realidades das nações e suas possibilidades variadas de promover as mudanças necessárias nas mais diversas escalas e âmbitos, a jovem adolescente faz o mesmo chamado de muitos mestres e mestras: o da responsabilidade universal.


Greta Thunberg

Meu nome é Greta Thunberg, eu tenho 16 anos de idade, eu venho da Suécia, e eu quero que vocês entrem em pânico. Eu quero que vocês ajam como se a casa estivesse pegando fogo.

Eu já disse essas palavras antes, e muitas pessoas me explicaram que isso é uma má ideia. Vários políticos me disseram que o pânico nunca conduz a nada bom, e eu concordo. Entrar em pânico, a não ser que você precise, é uma péssima ideia. Mas quando sua casa está pegando fogo e você quer impedir que ela vire cinzas, a situação requer algum nível de pânico.

Nossa civilização é tão frágil. É quase como um castelo de areia: a fachada é tão bonita, mas as fundações estão longe de serem sólidas.

Nós temos buscado tantos atalhos.

Ontem, o mundo assistiu com desespero e enorme tristeza a Catedral de Notre-Dame queimando em Paris. Algumas construções são mais do que apenas construções. Mas a Notre-Dame vai ser refeita. Eu espero que as suas fundações sejam fortes. Eu espero que as nossas fundações sejam ainda mais fortes, mas temo que elas não são.

Por volta do ano de 2030, daqui a 10 anos, 259 dias e 10 horas, nós vamos chegar a um ponto em que ativaremos uma reação em cadeia irreversível que muito provavelmente levará ao fim da nossa civilização como a conhecemos. A não ser que, nesse período, ocorram mudanças permanentes e sem precedentes em todos os aspectos da sociedade. Incluindo uma redução de pelo menos 50% na nossa emissão de CO2.

E, por favor, notem que esses cálculos estão dependendo de invenções que ainda não foram inventadas em grande escala. Invenções que supostamente vão limpar nossa atmosfera de quantidades astronômicas de dióxido de carbono. Além disso, esses cálculos não incluem pontos críticos de mudança não previstos e ciclos de realimentação, como o gás metano extremamente poderoso escapando do permafrost do Ártico, que está degelando rapidamente. Eles não incluem o aquecimento já contido (“locked-in warming”) por trás da poluição do ar. Nem o aspecto de equidade ou justiça climática, claramente afirmado ao longo de todo o Acordo de Paris – que é absolutamente necessário para fazer isso funcionar em escala global.

Nós também devemos manter em mente que isso são apenas cálculos, estimativas, o que significa que esses pontos sem retorno podem ocorrer um pouco mais cedo ou um pouco mais tarde. Ninguém tem como saber com certeza. No entanto, podemos ter certeza de que eles vão ocorrer aproximadamente dentro desse período de tempo, porque esses cálculos não são opiniões ou palpites aleatórios. Tais projeções são apoiadas por fatos científicos reconhecidos por todas as nações através do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas). Quase todos os principais órgãos científicos nacionais ao redor do mundo apoiam sem ressalvas o trabalho e as descobertas do IPCC.

Estamos em meio à sexta extinção em massa, e a taxa de extinção está até dez mil vezes mais rápida do que aquela considerada normal, com até duzentas espécies sendo extintas por dia.

Erosão do solo fértil. Desmatamento das nossas grandes florestas. Poluição tóxica no ar. Perda de insetos e vida selvagem. Acidificação dos nossos oceanos.

Tudo isso são tendências desastrosas, aceleradas por um estilo de vida que nós, na nossa parte do mundo financeiramente afortunada, entendemos que temos o direito de simplesmente manter.

Mas quase ninguém sabe dessas catástrofes ou entende que elas são apenas alguns dos primeiros sintomas do colapso climático e ecológico. E como poderiam saber? Não foi dito à população. Ou – mais importante – não foi dito a ela pelas pessoas certas e do jeito certo.

Nossa casa está desmoronando, e nossos líderes precisam começar a agir de acordo. Porque, no momento, eles não estão. Se nossa casa estivesse desmoronando, os líderes não continuariam agindo como vocês agem hoje. Vocês mudariam praticamente todo o seu comportamento, como fazem em uma emergência.

Se nossa casa estivesse desmoronando, vocês não ficariam voando pelo mundo na classe executiva, papeando sobre como o mercado vai resolver tudo com pequenas soluções inteligentes para problemas isolados específicos.

Vocês não falariam sobre comprar e construir como uma forma de sair da crise, que foi justamente criada por comprar e construir coisas.

Se nossa casa estivesse desmoronando, vocês não fariam três conferências de emergência sobre o Brexit e nenhuma conferência de emergência sobre o colapso do clima e do meio ambiente.

Vocês não estariam discutindo sobre reduzir gradualmente o uso de carvão em quinze ou onze anos.

Se nossa casa estivesse desmoronando, vocês não estariam celebrando que uma única nação como a Irlanda, em breve, talvez zere os investimentos em combustíveis fósseis. Vocês não celebrariam que a Noruega decidiu parar de perfurar por petróleo na costa das ilhas Lofoten, mas vai continuar a extrair petróleo em todos os outros lugares por décadas. Esse tipo de comemoração está trinta anos atrasada.

aquecimento global

Imagem de Gerd Altmann

Se nossa casa estivesse desmoronando, a mídia não estaria escrevendo sobre nenhum outro assunto. A crise climática e ecológica em curso estaria em todas as manchetes.

Se nossa casa estivesse desmoronando, vocês não diriam que têm a situação sob controle e nem deixariam as futuras condições de vida de todas as espécies nas mãos de invenções que ainda estão para serem inventadas. Nem gastariam todo o seu tempo como políticos discutindo sobre impostos ou Brexit.

Se as paredes da nossa casa estivessem de fato desmoronando, vocês certamente deixariam suas diferenças de lado e começariam a cooperar.

Bem, nossa casa está desmoronando e nosso tempo está acabando rapidamente. E, ainda assim, basicamente nada está acontecendo.

Todas as pessoas e todas as coisas precisam mudar. Então, por que perder um tempo precioso discutindo sobre ‘o que’ ou ‘quem’ precisa mudar primeiro?

Todas as pessoas e todas as coisas precisam mudar. Mas, quanto maior sua plataforma, maior sua responsabilidade. Quanto maior sua emissão de carbono, maior seu dever moral.

Quando eu digo aos políticos para agirem agora, a resposta mais comum que ouço é que eles não podem fazer nada drástico porque seria muito impopular entre os eleitores. E eles estão certos, é claro, já que a maioria das pessoas nem está ciente da razão pela qual essas mudanças são necessárias. É por isso que eu continuo dizendo para vocês se unirem através da ciência! Façam aqui, no coração da política e da democracia, a melhor ciência disponível.

As eleições da União Europeia estão chegando em breve, e muitos de nós que seremos os mais afetados por essa crise, pessoas como eu, não podemos votar.

Nem estamos na posição de moldar as decisões dos negócios, da política, da engenharia, da mídia, da educação ou da ciência, porque o tempo necessário para nos educarmos sobre tudo isso simplesmente não existe mais. E é por isso que milhões de crianças estão indo para as ruas fazer greve escolar pelo clima: para chamar a atenção para a crise climática.

Vocês precisam nos ouvir, a nós que não podemos votar. Vocês precisam votar por nós, por seus filhos e netos!

Em breve, o que nós estamos fazendo agora não poderá mais ser desfeito. Nesta eleição, vocês votam pelas futuras condições de vida da humanidade. E, apesar de as políticas necessárias não existirem hoje, algumas alternativas certamente são menos piores do que outras.

E eu li que alguns partidos nem me queriam aqui hoje, por desejarem desesperadamente evitar o assunto do colapso climático.

Nossa casa está desmoronando. O futuro, assim como aquilo que conquistamos no passado, está literalmente nas suas mãos agora. Mas ainda não é tarde demais para agir.

Isso demandará uma visão de longo alcance. Demandará coragem. Demandará determinação feroz para agir agora, estabelecendo as fundações, mesmo que nós talvez não saibamos todos os detalhes sobre como fazer o teto. Em outras palavras, isso demandará pensamento “catedral”: pensamento de longo prazo e de cuidadoso planejamento.

Estudantes protestam em Hamburgo

Eu peço a vocês que, por favor, acordem e tornem possíveis as mudanças necessárias! Fazer o melhor já não é suficiente: nós todos devemos fazer aquilo que, aparentemente, é impossível.

E tudo bem se vocês se recusarem a me ouvir. Eu sou, afinal de contas, apenas uma estudante de dezesseis anos da Suécia. Mas vocês não podem ignorar os cientistas ou a ciência. Ou as milhões de crianças que estão fazendo greve escolar pelo direito de ter um futuro. Eu imploro a vocês que, por favor, não fracassem nisso.


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3 Comentários

  1. Toninho Buta disse:

    A teoria Gaya ja e Tese. Vejam tambem; EMERGIA.
    O Pleneta esta perdendo seu Estatus de “Planeta Fertil” a 8 anos.

  2. Elke Beatriz Riedel disse:

    Essa menina se abriu para uma grande sabedoria. É assustador que as pessoas que realmente podem fazer alguma coisa pelo planeta de forma efetiva, escondam a verdade da população e priorizem seus próprios desejos egoístas.

  3. Gleyde disse:

    Concordo com essa jovem de16 anos…falou tudo..nossa casa está desmoronando
    Vamos agir…

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