Depois de 12 anos de retiro solitário em uma cabana em Nova York, Karma Wangmo conta em entrevista sobre sua prática
O texto a seguir está longe de ser algo ordinário. Trata-se de uma entrevista de uma biógrafa, Victoria Huckenpahler, com uma das únicas mulheres ocidentais a realizar um retiro tradicional vajrayana de doze anos no Ocidente, Karma Wangmo. Ainda mais interessante que isto, porém, é ler o texto abaixo como o registro da extraordinária conversa entre duas mulheres praticantes ocidentais sobre a possibilidade da liberação, exatamente com o corpo que temos e no lugar onde estamos.
A história de Karma Wango traz com ela esse sentido de urgência e também de liberdade no caminho. A nota sobre sua morte, em 2013, publicada pelo centro de Darma ao qual estava conectada (o Karma Triyana Dharmachakra), fala nas lendas que circundavam seu nome: diziam que morava em uma casa na praia e que havia embarcado em viagem de barco tendo apenas seu gato como companhia. O próprio livro que Victoria Huckenpahler escreveu sobre ela (infelizmente esgotado) dá as pistas, já em seu título, de que estamos falando de alguém cuja doação ao Darma foi de fato radical: She Ate Snow [Ela comeu neve].
Ao saber de seu falecimento, seu mestre, Khenpo Karthar Rinpoche, assegurou que a morte de Karma Wangmo havia acontecido para benefício dos seres e que toda a comunidade dedicaria práticas de Cherenzig e Amitaba a ela. Esta inspiradora entrevista, disponível aqui no site da Bodisatva na íntegra, foi inicialmente publicada na extinta revista budista Revista Chö-Yan. A sugestão para publicação veio de Gustavo Gitti e a tradução cuidadosa foi de Marcelo Nick.
Em dezembro de 1978, uma norte-americana de 28 anos — Suzi Joy Albright (ordenada como Karma Wangmo) — iniciou um retiro solitário de doze anos em uma pequena cabana que ela ajudou a construir com suas próprias mãos, nas terras do Karma Triyana Dharmachakra, o monastério de Sua Santidade o XVI Gyalwa Karmapa em Woodstock, no estado de Nova York. Ela já havia completado três retiros de Ngöndro, ou práticas preliminares, e duzentos dias da prática de jejum de Nyungne. Em entrevista publicada na Chö Yang nº 3, o atual Tai Situ Rinpoche se referiu a ela como “a melhor praticante”.
Uma ocidental com coragem e determinação para completar um retiro tão longo, raro mesmo entre os praticantes tibetanos, inevitavelmente gerou muita curiosidade. Ocasionalmente, os residentes do monastério traziam notícias sobre a intensidade da prática dela. Khenpo Karthar, o abade residente e mestre de retiro de Wangmo, a comparou a Milarepa. Não importava a dificuldade das práticas, ela não reclamava e respondia com alegria. Não obstante, ao final de 1990 — à medida que chegava ao fim o retiro de Wangmo —, muitos se perguntavam que tipo de pessoa iria emergir.
De constituição alta e robusta, com mãos e pés mais brutos do que femininos, Wangmo ainda passa uma impressão geral de elegância. Mas sua característica mais marcante talvez seja sua independência emocional. Seu desapego é tanto que chega a ser desconcertante.
Quando comentei, por exemplo, que poderia ser difícil para ela fazer suas práticas diárias em meio a estranhos — durante os três dias da viagem de ônibus na qual ela embarcou imediatamente após esta entrevista —, ela encerrou o assunto rapidamente dizendo: “Sim, mas compromisso é compromisso, e só”. A decisão em sua voz lembra que com frequência a maioria de nós permite que questões mundanas adiem a prática do Darma.
Minha família não tinha ligação com nenhuma organização religiosa. No Arizona, onde cresci, a única exposição à religião que tive veio por meio da população mexicana e dos mórmons. Mas a ideia de crucifixos e pessoas pregando de porta em porta não me atraía. Minha impressão era que a religião era uma coisa da classe trabalhadora baseada em superstição. Não havia nada de convidativo nela.
Lembro que, no ensino fundamental, eu tive um arroubo religioso e ansiei por orações e uma sensação de poder superior, mas durou pouco tempo. Não sei o que causou isso.
Não acho que eu pensasse mais do que as outras pessoas. O que sempre me interessou foi a mente, como ela funcionava e o que fazia com que deixasse de funcionar. Quando finalmente entrei na Universidade [do Estado do Arizona], eu me formei em psicologia. Mas, no terceiro ano, eu viajei com a intenção de ficar fora um semestre. No fim, continuei viajando por três anos.
Não, naquele momento era só pela aventura. Eu amo viajar, sou nômade de coração, então andei pelo mundo passando pela Europa, América do Norte, Ásia, Pacífico Sul e assim por diante. Enquanto eu trabalhava na Austrália, uma amiga com quem tinha cruzado a Ásia voltou para o Nepal, onde ela se envolveu com os budistas. Eu não me interessava pelo budismo, mas, depois de me formar na [Universidade do] Estado do Arizona, fui ao centro do Lama Thubten Yeshe, em Kopan, para visitá-la. Isso foi em 1974.
Quando cheguei, todo aquele cenário me causou repulsa. Muitas pessoas pareciam mental e fisicamente doentes. Eu me lembro de perguntar a minha amiga: “Isso é budismo?”, e de pensar: “Se é disso que se trata a meditação, quem precisa dela?”. Ainda assim, participei do curso de um mês oferecido pelo Lama Zopa em Kopan. Na época, minha atitude era estritamente a de uma ouvinte, eu de modo algum me envolvi como participante. Esse é o motivo para ter demorado a fazer prostrações. Aquilo parecia mais uma viagem que aquelas pessoas estavam tendo. Mas, quando o Lama Yeshe apareceu, juro que ele brilhava. Dava para sentir imediatamente que aquele homem sabia algo que a maioria das pessoas não sabia. Meu pai foi professor universitário, então conheci muitas pessoas eruditas, mas nenhuma que fosse sábia. Mas o Lama Yeshe era tão sábio quanto alguém poderia ser. Sua compaixão e sabedoria eram tão evidentes que você ficava impressionado com sua presença. Muitas pessoas podem falar do Darma, mas elas não causam esse efeito em você. Eu sempre o considerei um Buda. Se ele não fosse um Buda, não sabia o que poderia ser. Foi depois que ele apareceu que comecei a fazer prostrações.
O Lama Yeshe concedeu refúgio e preceitos leigos ao final desse curso em Kopan, mas eu não tinha intenção alguma de assumir compromissos. No entanto, eu estava levando esse mastim tibetano para passear um dia, e outro cachorro enorme se aproximou de mim, como se buscasse proteção. Nós três paramos ali observando o lindo vale e um rebanho de búfalos-d’água. Foi como em um filme da Disney. Todos aqueles animais pareciam estar olhando para mim, me lembrando de meu nascimento humano precioso, tanto que senti a obrigação de tomar refúgio e um voto: não matar.
Quando corri de volta e pedi para tomar refúgio, fui informada que deveria tomar dois votos. Aquilo foi um balde de água fria! Eu não tinha intenção de mudar meu estilo de vida a esse ponto. Até então, eu vivia como uma feliz hedonista. Você tinha todas as opções em termos de prazeres sensoriais crescendo nos anos 60. Imediatamente excluí o voto de não ingerir substâncias intoxicantes e o de não me envolver em conduta sexual imprópria e, em vez disso, tomei o voto de não roubar, já que isso nunca me atraíra! Mas foram os animais que inspiraram tudo isso. Eles sempre tiveram grande impacto em minha motivação de praticar, muito mais que a maioria das pessoas.
Detesto pensar por que tenho um vínculo tão próximo com os animais. Pode ser que tenhamos sido ainda mais ligados em nossas últimas vidas! Mais tarde, quando fiz Nyungne por sete meses em uma casa na árvore não muito longe de Woodstock, tive a companhia de um gato persa. Ele era surdo, então, quando eu fazia a prática de Chenrezig, ele sentava no meu colo e eu tocava o sino sobre sua cabeça sem incomodá-lo.
Tudo aconteceu muito rápido. Depois que participei desse primeiro curso em Kopan, em novembro de 1974, fiz um retiro em grupo de Lam Rim por vários meses, e então um retiro solitário de Vajrasattva por três meses em Dharamsala. Na verdade, desde essa época, tenho estado em retiro quase constantemente, com alguns breves intervalos entre eles. Em novembro de 1975, retornei ao Kopan e recebi dez votos e vestes do Lama Yeshe, com a intenção de ir para Dharamsala e receber a ordenação na tradição Gelugpa. Mas, por volta de março de 1976, o Karmapa veio para oferecer um ciclo de um mês de empoderamentos Kagyu. Participei deles com a bênção do Lama Yeshe e decidi ser ordenada pelo Karmapa na tradição Kagyu.
Não sabemos de onde viemos antes desta vida, mas tenho certeza de que muitos de nós temos fortes conexões budistas do passado. Obviamente, eu era muito ligada ao Darma em outras vidas, então não houve uma decisão verdadeiramente consciente da minha parte. As situações e as circunstâncias simplesmente surgiram, de modo que os retiros estavam lá, eu estava lá, e tudo se encaixou à medida que fui fazendo. Então fui impelida a seguir nessa direção, e não havia nenhum obstáculo em particular. Não me sentia muito digna de tudo isso, mas estava ciente de que deveria fazê-lo. O único momento em que sentia que estava fazendo o que deveria estar fazendo com a minha vida era quando estava em retiro. Isso até transcende o contentamento, porque é muito natural. Há certa quantidade de autoconsciência envolvida no contentamento, mas a situação de retiro é uma coisa natural de se fazer. Talvez isso pareça estranho vindo do lugar onde eu estava. Mas, em outro sentido, ser obsessivo-compulsivo em relação aos prazeres sensoriais pode ser útil se você está praticando. O que levou você a uma direção pode ser redirecionado.
Além disso, eu sou oito ou oitenta. Não consigo agir com moderação. Eu me lembro do Lama Yeshe usando a frase: “Integre o Darma à sua vida”. No meu caso, isso seria como misturar piche e água. Então eu teria de desistir de um para fazer o outro, ou teria de esquecer o Darma. E havia uma parte de mim que teria preferido isso! Mas o Darma tira toda a diversão do Samsara. Você continua com a ignorância, mas sabe o suficiente para deixá-lo inconsolável. Nunca quis ser monja, mas a ordenação parecia ser parte do processo. Milarepa disse: “Se quiser fazer algo de útil com a sua vida, siga os meus passos”. Eu realmente acredito nisso. Então foi isso que determinou meu caminho. Mas ainda não me identifico com ser uma monja. Vejo outras pessoas ordenadas e penso nelas como monjas, mas eu particularmente não me identifico com isso. Eu nunca poderia viver em um contexto monástico. Sou basicamente uma reclusa, uma introvertida extrovertida.
Não acho que isso foi um fator determinante. A ordenação foi algo que transcendeu esse tempo de vida em particular. Mas isso deu mais impacto aos ensinamentos. É verdade para todos que, quando a tragédia ocorre perto de casa, a ideia de apego e morte fica muito aparente. Você vê a trivialidade dos relacionamentos, sejam eles muito apegados ou desagradáveis. Todos eles acabam. Gastamos uma energia tremenda com coisas muito curtas.
Houve boas situações, mas provavelmente é melhor não falar delas; porque, se você o fizer, elas perdem o significado. Mas sempre foi fácil estar perto dele, literal e figurativamente. Na verdade, eu não o via com frequência, mas ele sempre aparecia no momento exato em que se precisava de direção. Por exemplo, ele visitou minha cabana no KTD quando eu estava considerando o tempo que deveria permanecer em retiro. Eu pensei: “Cinco minutos com Sua Santidade, e eu consigo resolver isso”. E esse foi mais ou menos o tempo que levou para ele me dar permissão para permanecer em retiro por doze anos.
Em dezembro de 1978, eu entrei com a intenção de fazer um retiro de três anos. Khenpo Karthar, o abade do KTD, me disse: “Construa uma cabana, e eu lhe ensinarei”. Então eu trabalhei como auxiliar de saúde em Woodstock enquanto fazia meu terceiro Ngöndro, e o dinheiro que ganhei com isso, mais as contribuições, permitiu que eu construísse uma cabana com a ajuda de voluntários por algumas centenas de dólares. Quanto a estender o tempo para doze anos, há um ciclo de doze anos no calendário tibetano, e Milarepa meditou em retiros de doze anos. Senti que, dada a oportunidade e a bondade do KTD em me apoiar, seria uma coisa maravilhosa de se fazer. Em outro nível, tenho certeza de que isso já estava presente muito antes de surgir na minha mente, porque Sua Santidade parecia ter a mesma coisa em vista.
Sinceramente, não. Tive muita sorte porque não fiquei doente, o que é incomum para um período de doze anos. Fiquei bem fisicamente, e tudo correu bem mentalmente, tão bem quanto se poderia esperar [risos]. Claro, eu pude ouvir a construção do monastério desde o primeiro dia, mas o barulho não foi um problema, porque ele se tornou familiar. Também quero dizer que alguém que, como eu, tem o Khenpo Karthar como mestre de retiro é afortunado, e não precisa procurar mais nada. Ele é tão puro quanto alguém poderia ser e tem tanta sabedoria quanto alguém gostaria de encontrar em um professor.
A morte sempre pareceu um grande alívio para mim. A velhice, obviamente, não é uma situação interessante para se estar, pois o corpo falha. E eu sempre tive essa relação com o meu corpo, que quando ele falha é extremamente frustrante. Admiro as pessoas que perderam pernas ou ficaram paraplégicas, mas que sabem lidar com isso. Eu encararia isso como grande aflição. Por outro lado, permanecer jovem para sempre seria tedioso, como o clima da Califórnia. Nada além de verão. Mas não foi o sofrimento que me fez sentir assim. Não sou do tipo que diz que a vida é cruel, porque com certeza não é. A vida pode ser maravilhosa, as pessoas podem ser felizes, existe amor e essas coisas. Você não precisa sofrer se não quiser. Se andar bem rápido, você pode se entupir de prazeres sensoriais! Mas isso se torna um estímulo constante, e as pessoas que vivem desse modo acabam embotadas. E, de todo modo, a satisfação é muito curta. Então, o que me levou a refletir foi perguntar qual é o sentido da vida. Cada fase da vida é muito fugaz, e ainda assim você não iria querer que uma delas durasse para sempre.
A realização é algo que deve ser experimentado. Todas as palavras do mundo não podem ajudar alguém a entender o que é vacuidade, só a meditação pode. Pode ser mais um obstáculo do que uma ajuda compreender a vacuidade intelectualmente. Muito já foi dito sobre a vacuidade, mas obviamente muito pouco foi vivenciado porque há muito poucos seres iluminados.
Durante o retiro, Khenpo Karthar disse: “Finja que você é uma ladra escondida”. Então, por doze anos, agi dessa forma. Eu me lembro de ver meu reflexo no queimador do fogão e me afastar, pensando que tinha visto alguém. Ocasionalmente, eu via sem querer o pé ou o braço de alguém que vinha deixar comida na porta da cabana, mas era só isso. Há uma intensidade necessária de se manter esse tipo de isolamento em práticas de retiro. Então, de repente, você sai e vê todas essas pessoas, e elas veem você! Foi uma antítese palpável do modo como eu estava vivendo, ainda que não completamente estranha. Você vai se adaptando às situações à medida que elas surgem. Ficar em isolamento por tanto tempo, no entanto, faz com que sua identidade seja diluída. Muitas pessoas que viviam no KTD quando saí não estavam lá quando entrei em retiro. O único contato delas comigo eram os pratos e roupas sujas deixadas na soleira da porta. Eu sabia que poderia morrer e que elas só saberiam disso porque a louça não estaria do lado de fora! Provavelmente muitas pessoas que alimentaram essa coisa estavam curiosas sobre o que iria emergir.
Eu me envolvia socialmente tanto quanto qualquer outra pessoa na infância, mas sempre fiquei bem sozinha. O único desconforto era sentir que eu não deveria ficar confortável com isso! Nunca fui muito dependente em relacionamentos. As pessoas geralmente eram mais apegadas a mim do que eu a elas. Nunca me apeguei a ninguém que não pudesse deixar com facilidade. Considero o apego a pessoas pior do que o apego a vícios, porque assim você está prejudicando os outros, arrastando-os. Fica difícil para eles praticarem o Darma se estiverem presos a relacionamentos.
Sempre senti que estar em retiro é um projeto colaborativo. Ocasionalmente, eu recebia cartas tocantes de pessoas contando como tinham ficado inspiradas ao saber que eu estava fazendo essa prática, e isso foi muito benéfico. Nunca tive nenhum interesse pessoal na minha prática. Com sorte, o retiro de doze anos inspirou outras pessoas a fazer o mesmo. Não importava que fosse eu ou que fosse imperfeito. O ponto era que estava sendo feito. Eu sabia que por doze anos nada poderia interferir, eu sentia que precisava fazer isso. Essa foi uma pequena contribuição para o cosmos, de qualquer modo. Mas não era só uma coisa que eu estava fazendo. Estávamos todos torcendo um pelo outro. As pessoas que me apoiaram enquanto eu estava em retiro também estavam criando um carma bom.
Na verdade, estou impressionada com as qualidades que vejo nas pessoas que não são budistas. Elas têm enorme compaixão, em muitos casos, maior do que a de muitas pessoas que são budistas há mais tempo do que deveriam admitir. Acho que de modo geral não há mais problemas do que costumava haver, mas que as pessoas estão mais conscientes deles. O líder espiritual do budismo tibetano acertou quando disse [na recente iniciação de Kalachakra concedida em Nova York] que o fato de as pessoas se espantarem tanto com as notícias é uma indicação do quão compassivas elas são. Espalhamos manchetes sobre essas atrocidades porque as pessoas se perturbam com elas. E isso vende jornais. Mas dificilmente há um problema, por mais estranho que possa ser, que não tenha seu próprio grupo de apoio. Todo problema que poderia surgir está sendo discutido.
Ani significa monja. Entre os tibetanos não é depreciativo, mas, assim como as pessoas não gostam de ser chamadas de “menino” ou “menina”, eu não gosto de ser chamada de Ani. Considero um tanto degradante, mas essa é a minha opinião. De todo modo, nunca me identifiquei com ser uma monja. Wangmo é a versão abreviada do nome que recebi na ordenação. Não gosto de títulos. Acho que não há problema algum em chamar a pessoa pelo nome dela, em vez de um título. Não me importo com isso.
Acho que há mais mulheres praticando no Ocidente do que no Oriente, e que a situação delas é muito boa. Ninguém vai impedir que alguém alcance a iluminação. Basta que a pessoa seja capaz de receber os ensinamentos e que sua situação cármica seja favorável em relação a ter um corpo e uma mente unidos o bastante para poder praticar. Isso cabe ao indivíduo. Ninguém vai se iluminar por aproximação. Se alguém quer se esforçar na esperança de beneficiar todos os seres sencientes e alcançar a iluminação, ninguém vai impedi-lo. Alguns dos praticantes mais fortes que conheci são mulheres, porque tudo diz que elas não precisam fazer isso. Então, as mulheres que dizem que vão fazer geralmente são muito determinadas e dedicadas.
O Lama Yeshe me disse em um momento especial: “Você vai ensinar. Conte com isso”. Então, eu esperei, mesmo que a ideia de ficar em pé na frente de um grupo de pessoas e discursar não me atraia. Não recebi o treinamento formal de um monastério, em que você frequenta uma escola por muitos anos, então eu provavelmente sei muito menos sobre filosofia budista do que a maioria das pessoas na sala. Portanto, quem sou eu para ensinar? Mas sinto a obrigação de fazer algo. Quando se está nisto há doze anos, as pessoas precisam que você esteja disponível em alguma medida. Antes de sair do retiro, perguntei ao Khenpo Karthar se eu poderia permanecer em retiro para o resto da vida. Ele disse: “Você pode, se quiser”. Eu sabia que deveria sair, no entanto, porque minha mãe idosa queria me ver, e talvez outras pessoas quisessem me ter por perto pelo motivo que fosse. Além disso, sou do tipo que gosta de expor os seres sencientes ao Darma. Se uma mosca pousa em minha perna, penso que isso é auspicioso para nós duas e digo: “Vamos aproveitar ao máximo esta situação”.
Em breve teremos um retiro de três anos começando no novo centro de retiros do KTD, e parece que eu ajudarei de algum modo.
Esse ainda é o meu lema! De modo algum finjo ser iluminada, mas mesmo intelectualmente você sabe qual é o objetivo, você pode ver esse avanço. Posso ser uma tonta, mas pelo menos tenho juízo suficiente para continuar praticando. Você nunca chega a um estado em que diz: “Sou muito impuro para praticar”. Você não fica doente demais para tomar remédios! Quando conheci Kyabje Sakya Trizin, ele disse: “Você deve ter alcançado realizações, já que fez um retiro de doze anos”. E eu respondi: “Só continuo praticando”.
Só uma espécie de estímulo para todas as pessoas que praticam pelo cosmos e às vezes se sentem isoladas, especialmente as mulheres, que podem se sentir alienadas da hierarquia masculina budista: há espaço para todas, e é importante que todas pratiquem e que ninguém fique isolado de ninguém. Há pessoas que podem se identificar com qualquer problema que você esteja enfrentando. É importante estar em contato uns com os outros, se encontrem se for preciso. Se você lembrar que sua motivação é beneficiar todos os seres sencientes, não há como errar. Se estiver fazendo isso para si próprio, você pode se cansar, ou decidir que é um hobby ao qual não quer mais se dedicar. Desde que isso esteja claro em seu coração, não importa se você não fizer do jeito certo, continue fazendo e tudo o mais vai se encaixar com o tempo.
Quando voltei da Índia como uma “meditante”, em 1976, minha irmã disse que esperava mudanças profundas, mas eu era a mesma tonta – que havia voltado! Esse é o segredo, é claro.
Essa entrevista foi originalmente publicada pela Revista Chö-Yang, número V, Council of Religious and Cultural Affairs of H.H. the Dalai Lama, com edição de Pedron Yeshi & Jeremy Russell.
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1 Comentário
Apesar do sentimento de distância em um primeiro momento, a proximidade é o que prevalece ao ler até o final esta entrevista, pois nas palavras é possível observar a simplicidade e nas entrelinhas nota-se o caminho é como caminhar. Muito obrigado por poder entrar em contato com esses ensinamentos.