Na palestra de Ano Novo, o Lama pontuou que alimentar as raízes do Buda, Dharma e Sangha faz surgir as comunidades
Nesta sexta-feira, dia 24 de janeiro de 2025, o Lama Padma Samten completa 76 anos de idade. Celebrando esta data especial, iniciamos uma série de transcrições, dividida em três partes, diante de seus ensinamentos proferidos durante a já tradicional palestra de Ano Novo, realizada na 25ª edição do 108 Horas de Paz, no CEBB Caminho do Meio.
Um dos precursores do chamado “Budismo brasileiro”, além de tantas outras formas de se manifestar para benefício dos seres, o Lama é um dos fundadores da Revista Bodisatva, hoje também editora, trazendo o Dharma para a nossa língua e espalhando a palavra do Buda histórico para os(as) praticantes do nosso país.
Lama de grande bondade, possa você usufruir de uma longa vida e que as aspirações esplêndidas que você tem em mente possam ser realizadas!
Vou aproveitar esta oportunidade e lembrar os ensinamentos do Buda. Todos nós, inevitavelmente, uma vez que estamos mergulhados no samsara, temos uma sensação de que estamos fazendo alguma coisa, indo para algum lugar.
De modo geral, temos objetivos, metas e visões. Queremos obter alguma coisa. Por vezes, sentimos que estamos no caminho, que estamos andando — só não sabemos para onde. É uma boa coisa não sabermos para onde estamos andando. É mais real.
No entanto, sem saber para onde estamos andando, como podemos ter alguma direção, alguma indicação sobre o que fazer e o que não fazer? Essa é uma questão.
Quando, por exemplo, plantamos uma árvore, não sabemos para onde vão os galhos, mas se estivermos molhando e alimentando as raízes, a árvore vai crescer e os galhos irão para onde tiverem de ir. Essa é a nossa situação.
Se estamos andando dentro do Dharma, melhor alimentarmos as raízes e as sementes do Dharma. Esse é o ponto. E fica tudo simples, porque não precisamos ter controle para onde a coisa vai. Vamos alimentando na direção certa e aquilo termina dando certo.
É um processo parecido com arrumar uma casa que está bagunçada. Se simplesmente pegarmos cada coisa e colocarmos no lugar certo, estará tudo resolvido. Não é preciso um grande planejamento. É só fazer cada coisa e aquilo tudo vai se arrumando.
Três Joias
Aqui, vamos descrever Buda, Dharma e Sangha. Essencialmente, é a raiz do nosso melhor empreendimento. Vamos alimentar as raízes do Buda, Dharma e Sangha e naturalmente surgem as comunidades, surgem as Terras Puras, que são como árvores e florestas que vão brotando das raízes do Buda, Dharma e Sangha. É melhor não planejar. Não é muito complicado.
Por outro lado, quando as coisas não estão dando certo, não adianta puxar o galho ou tentar trocar uma folha por outra. Voltamos e alimentamos a raiz de novo e aquilo tudo vai se arrumando. A folha que tem que cair, cai. Outra vem e aquilo tudo se arruma. Ou seja, é simples.
Quando estivermos numa crise fatal — de modo geral, as pessoas morrem no decorrer da vida —, o que fazemos? Refúgio no Buda, no Dharma e na Sangha.
Vamos aprendendo a alimentar a raiz no sentido grosseiro, sutil e secreto. A nossa aventura durante a vida é esta: em como alimentamos essas raízes o tempo todo e dá tudo certo. Não há a possibilidade de dar errado. Como fazemos isso? O Buda explica em quatro fases.
Nós estamos dentro do mundo condicionado. Nem é justo dizer que estamos “dentro do mundo condicionado”, pois o que acontece, de fato, é que, quando surgimos, o mundo condicionado surge junto conosco, ou seja, nós somos parte do mundo condicionado.
Criando realidades
Há um tipo de mente que começa a operar desse modo e aí surge uma sensação de identidade, de existência e, ao mesmo tempo, uma sensação de mundo externo. Por exemplo, surgimos como praticantes e aqui surge um templo. É inacreditável que estejamos todos aqui hoje. Isso não é uma coisa simples. Olhem o resto do planeta nesta virada de ano: está todo mundo fazendo outras coisas e nós estamos aqui. É um tipo de loucura, no bom sentido. Existe uma posição de mente que produz esse movimento. E eu acho isso maravilhoso!
Nós criamos as realidades e passamos a viver dentro delas. Uma das coisas mais difíceis do caminho é pensarmos que somos “alguém no caminho”. Se pensarmos assim, não chegaremos nunca no final dele, pois a identidade que está no caminho não chegará ao final. Ela vai ter que evaporar em algum momento.
O Buda reconhece que surgimos junto com o mundo e essa delusão aparece. Então, ele diz: “Ah! Vou ter que ir lá dar um jeito naquilo!” Hoje é o primeiro dia do ano; é o dia da verdade!
O Buda ainda tinha uma vida para cumprir. Lembrem a história dele… não fui eu que inventei: ele estava em Tushita, que está dentro da Roda da Vida; é o reino dos Bodisatvas que tinham desejos de produzir coisas boas para o mundo dos seres vivos.
Então, ele tinha desejos. Quem anda por lá e tem desejos, tem sofrimentos também. Essa história está bem contada por Dudjom Rinpoche no texto sobre o bardo, que pertence ao ensinamento sobre Chenrezig, mostrando que ele tem essa multiplicidade de cabeças e braços, como está ali na imagem [falando sobre a imagem que está no mural do templo do CEBB Caminho do Meio]. Ele teve uma crise. Até Chenrezig tem crises! Se Chenrezig entra em crise, vamos respirar leve. Até que estamos indo bem.
Qual foi a crise de Chenrezig? Ele queria resolver os problemas do mundo e se colocou em marcha. De repente, olhou para trás e viu que não tinha solução: “Não! Está tudo igual! O mundo não está se arrumando”. Chenrezig entrou em crise. É dito que o corpo dele se partiu em muitos pedaços.
Refaça os votos
Surgiu, então, Amitaba e perguntou: “O que você está fazendo aí, todo quebrado?” Ele também disse: “Refaça os votos”. Ou seja, vamos alimentar a raiz. Não tem mais nada para fazer. E Chenrezig responde: “Sim!” Então, os pedações do corpo dele se juntaram novamente. Ele ficou com aquela aparência, com onze cabeças e mil braços. E dentro de cada braço, há um rei Dharma e os olhos correspondem aos milhares de Budas, ou seja, aos infinitos Budas que viriam para seguir trazendo benefícios aos seres, seguir regando as raízes.
Isso é muito comovente! O Buda estava no mesmo lugar que Chenrezig. Chegou o tempo dele e os Bodisatvas de lá cantaram uma canção: “Os seres humanos seguem em sofrimento, os ensinamentos desapareceram e eles estão confusos. Agora é o seu tempo de descer e cumprir sua última vida”. Ele já tinha vivido três éons, só trazendo benefício aos seres!
Então, o Buda decide descer e diz: “Vou cumprir essa minha última vida”. Aparece uma escada. Ele desce por aquela escada celestial e entra pelo lado do ventre da mãe, que sonha com um elefante branco. Aí ele nasce…
O Buda veio cumprir a sua última vida, ou seja, ainda tinha alguma coisa para resolver. Como vocês veem, o Buda meio que se complicou no início da vida. Ele foi indo e atingiu a liberação completa por um processo interno. Seus mestres deram pistas que o ajudaram a cumprir as etapas do caminho, mas ele teve que converter aquilo em lucidez. Teve que ultrapassar os mestres, um por um. Foi além de todos.
Se o Buda tinha alguma coisa para resolver, então ele era uma entidade vendo o mundo. E ele está dando ensinamentos para os seres que se sentem uma identidade vendo o mundo.
O Buda não começa com os ensinamentos da Natural Perfeição. Ainda que ele esteja nesse âmbito da Natural Perfeição — porque é iluminado e vê tudo de forma completa —, quando vai dar os ensinamentos, os dá para os seres de Jambudvipa, que têm a mente búdica, mas estão operando com separatividade.
Como as pessoas veem um mundo separado, o Buda começa a dar os ensinamentos sobre como ultrapassar essa dificuldade.
Assista à palestra na íntegra clicando AQUI
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