Criatividade e respeito à tradição na experiência de criação de ecovilas no Senegal
Muito antes da crise do coronavírus afetar o mundo, homens e mulheres da região do Sahel, uma faixa de areia contínua com 5.400 km de extensão entre o deserto do Saara e a savana do Sudão, na África, já estavam confinados. Na ‘fronteira’ que separa as duas Áfricas, significado do nome Sahel, muitas famílias, pessoas solitárias e grupos humanos sucumbem ao cinturão de aridez marcado pela fome, guerras, conflitos ancestrais e, mais recentemente, mudanças climáticas, migrações e crime organizado internacional.
É neste cenário que o vilarejo de Guédé Chantier se tornou o primeiro eco-município do Senegal e é hoje considerado o centro da atual revolução verde no país. O educador e líder comunitário Ousmane Pame é um personagem chave para esta transformação. Ousmane cresceu em Guedé e em 2007, depois de voltar de uma formação sobre criação de ecovilas em Auroville (Índia), ele introduziu o conceito de ecovila em sua comunidade. Dois anos depois ele foi eleito prefeito da cidade e realizou durante seu mandato a transição de um município para um eco-município.
Ousmane é membro fundador da Rede Global de Ecovilas para a África Ocidental e da REDES (Réseau pour l’émergence des écovillages au Sahel) e é com ele que o Lama Padma Samten conversa na estreia da série CEBB Talks sobre interconexão, comunidade e transformação global, no dia 20 de setembro, às 16h.
O Senegal é um dos 22 países da região do Sahel e o vilarejo de Guédé Chantier fica localizado ao Norte, com pouco mais de sete mil habitantes. Na década de 1970, chineses foram para a área de cultivo de arroz de Guédé e ensinaram novos métodos que envolviam o uso fertilizantes químicos. Em 2000, a terra estava completamente devastada. “Sentíamos que nossa terra estava morrendo. Não estávamos obtendo os rendimentos que esperávamos”, diz Ousmane Pame em entrevista publicada pelo The Guardian.
Pame, que havia concluído o doutorado pela Universidade Cheikh Anta Diop, em Dakar (UCAD), participou do curso de criação de ecovilas em Auroville e contou ao chefe da aldeia e a toda a comunidade o que havia aprendido. A comunidade se reuniu durante três dias para refletir sobre a agricultura, a economia, a educação e tomou a decisão de fazer a transição para uma ecovila. Pouco tempo depois, Pame foi eleito prefeito.
Agora Guédé tem hortas, campos e pequenas florestas rodeadas por deserto. O cultivo do arroz, tomate, cebola, milho, quiabo e pomares comunitários coexistem na aldeia, que também estabeleceu um centro de recursos genéticos para fornecer sementes para espécies locais, que são distribuídas gratuitamente aos agricultores.
Os “eco-guardiões” da vila organizam limpezas públicas regulares e o teatro é usado para educar as pessoas sobre os perigos do lixo e insumos químicos no campo e os agricultores recebem aulas de compostagem, produção de sementes e agricultura orgânica. A vila usa biogás a partir o esterco das vacas.
Durante sua gestão, além de transformar, por meio de diversas iniciativas, seu município em um eco-município, Ousmane desenvolveu uma geminação entre as eco-comunidades entre Guédé e Damanhur. Hoje ele é responsável pela transformação de 35 aldeias mauritanas e senegalesas em uma federação de ecovilas e do Programa Escola Verde. Ele trabalha também em um projeto do próprio governo do Senegal para transformar 14 mil vilas rurais tradicionais em comunidades autossuficientes movidas a energia renovável.
O CEBB Talks é uma iniciativa do Instituto Caminho do Meio e do CEBB para promoção de diálogos e ações educacionais para transformação interna e de mundo. Em cada encontro, o Lama Samten contará com um convidado(a), entre grandes nomes mundiais que têm pensado e agido na direção do reencantamento do mundo e das transformações necessárias nos nossos tempos.
Esta primeira edição do CEBB Talks é parte de um projeto piloto de formação para jovens de 16 a 25 anos de todo o mundo. Depois de cada uma das sessões públicas, o grupo de jovens irá participar de sessões conduzidas nas quais serão convidados a propor ações dentro de suas próprias redes a partir do que escutaram dos palestrantes.
As conversas do CEBB Talks terão tradução simultânea para o português e serão transmitidas pelo Zoom. Acesse link de inscrição aqui: cebb.org.br/cebb-talks
Além de Ousmane Pame, o CEBB Talks promove a conversa entre Lama Padma Samten e Roshi Joan Halifax, fundadora, abadessa e diretora do Upaya Zen Center, monastério budista em Santa Fe, Novo México. A conversa será no dia 20 de outubro, às 19h. Em novembro, o Lama recebe o sensei David Loy, diretor do Rocky Mountain EcoDharma Center, no Colorado (EUA), encerrando a série do CEBB Talks, no dia 12, às 19h.
Roshi Joan Halifax é professora budista, sacerdotiza zen, antropóloga e escritora. Com doutorado em antropologia médica, lecionou sobre o tema da morte e do morrer em muitas instituições acadêmicas, incluindo a Harvard Divinity School e a Harvard Medical School. Trabalhou com o psiquiatra Stanislav Grof, no Centro de Pesquisa Psiquiátrica de Maryland, em um trabalho pioneiro utilizando o LSD como um complemento à psicoterapia. É diretora do projeto Being with Dying (Presente no Morrer) e fundadora do projeto Upaya Prison, que desenvolve programas de meditação para prisioneiros.
Fundadora da Ordem Zen Peacemakers e integrante do conselho do Instituto Mind and Life, nos últimos 40 anos seu trabalho e prática têm focado no budismo engajado, com ações em lutas por direitos civis e ambientais e atividades pioneiras em cuidados médicos paliativos. Tem diversos livros e artigos publicados, entre eles, o Standing at the Edge: Finding Freedom Where Fear and Courage Meet (a tradução será publicada pela Lúcida Letra em breve).
David Loy que é professor aposentado de Filosofia Asiática e Comparada, ativista e sociólogo vai falar sobre o tema “Crise mundial e novos caminhos espirituais”. Loy atua em diversos grupos e movimentos, incluindo o Extinction Rebellion e os Zen Peacemakers.
Sua prática no Zen começou no Havaí em 1971 com Yamada Koun e Robert Aitken, e continuou com Koun-roshi no Japão, onde viveu por quase vinte anos. Em 1988 foi autorizado e conduziu retiros e workshops nacional e internacionalmente.
Em 2014, ele recebeu um PhD honorário na Carleton College, por seus escritos sobre o budismo socialmente engajado, mas 2016, David devolveu o título para protestar contra a decisão do Conselho de Curadores de não se desfazer dos investimentos em combustíveis fósseis.
Seus livros e artigos foram traduzidos para vários idiomas. O mais recente é Ecodharma: Ensinamentos Budistas para a Crise Ecológica, e como co-editor de Uma Resposta Budista à Emergência Climática (ambos da editora Wisdom Publications). Os escritos, podcasts e vídeos de David estão disponíveis em davidloy.org
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