Ven. Robina Courtin com Lama Yeshe, 1983. Foto doada por Merry Colony. Direitos reservados a Lama Yeshe Wisdom Archive

Mahamudra em uma igreja australiana

No prefácio de Mahamudra, de Lama Yeshe, Robina Courtin conta sobre o retiro que deu origem ao livro


Por
Edição: Vitor Barreto e Lia Beltrão
Tradução: Terezinha Vilela Mesquita

Em breve, brasileiros e brasileiras terão a oportunidade única de ouvir ensinamentos da Venerável Robina Courtin, conhecida por seu estilo direto, bem humorado, e muitas vezes intenso, de apresentar o budismo. O evento, agendado originalmente para acontecer nas cidades do Rio de Janeiro e São Paulo entre 20 e 29 de junho, será agora realizado online, com organização do Centro Shiwa Lha (centro vinculado à FPMT – Fundação para Preservação da Tradição Mahayana), com sede no Rio de Janeiro (e você pode fazer sua inscrição aqui).

Além de ser uma reconhecida professora do Darma, Robina tem uma atuação que precede e vai além do ensino, desde a produção editorial ao engajamento social. Além de ter fundado e atuado por treze anos como diretora executiva do Liberation Prison Project, Robina trabalhou por longos anos com publicações budistas – primeiro na Wisdom Publications e depois como editora da Mandala, uma revista budista internacional ligada à FPMT. Ela tem editado livros de seus professores de forma brilhante e agora, coincidindo com o evento especial para o público brasileiro, a Lúcida Letra lança o livro Mahamudra, escrito pelo Lama Yeshe e editado por Robina.

Abaixo, você pode ler um trecho do prefácio escrito por Robina, que traz uma descrição do local onde o Lama Yeshe ofereceu os ensinamentos que deram origem ao livro – em uma área rural próxima a Melbourne, na Austrália -, o olhar que o Lama tinha para aquele espaço e a forma como se relacionava com as pessoas envolvidas naquele encontro. O seu texto transparece a devoção por seu mestre e por esta categoria de ensinamentos, mas também revela a profundidade de seu olhar enquanto editora, que escolhe oferecer um contexto – que não está explícito no texto – mas que faz toda a diferença para quem está entrando em contato com os profundos ensinamentos que aguardam nas próximas páginas.


Lama Thubten Yeshe (1935–1984) deu instruções sobre a meditação mahamudra a setenta de seus alunos durante um retiro de duas semanas no inverno australiano de 1981, de 2 a 15 de agosto. O anfitrião foi o Atisha Center, situado em quinze hectares de mata plana e de baixo crescimento, a oeste da pequena cidade de Eaglehawk, a 150 quilômetros ao norte de Melbourne, no estado sudeste de Victoria. A propriedade fora oferecida à Fundação para a Preservação da Tradição Mahayana (FPMT), criada por Lama Yeshe, no início daquele ano pelo pai de Ian Green, um dos estudantes.

Nada havia sido construído ainda, então o retiro foi realizado em uma pequena igreja de madeira que ficava nas vizinhanças, em Sandhurst Town, uma réplica de uma vila da era do ouro vitoriana de meados do século XIX, administrada pela família Green para fins turísticos. Os voluntários fizeram uma reforma completa no interior da igreja a tempo do evento.

O Lama prestou homenagem ao “grande iogue indiano” Atisha e ao que chamou de “Atisha australiano”:

O Atisha Center tem um nome auspicioso. O grande iogue indiano Atisha (982-1054), que ensinou no Tibete durante os últimos anos de sua vida, teve sucesso em sua prática de mahamudra e descobriu seu próprio mahamudra. Do ponto de vista tibetano, Atisha era um buddha, um ser iluminado.
Este lugar tem a energia desse iogue, bem como a energia do Atisha australiano, o homem que ofereceu o local. Este homem não é budista, mas em seu coração talvez seja.

As instruções desse retiro de duas semanas formam a maior parte deste livro, complementadas com os conselhos que Lama deu em retiros realizados por dois de seus próprios centros da FPMT, o Instituto Vajrapani, na Califórnia, em 1977, e o Maitreya Instituut, em Amsterdã, em 1981. Nove meses depois do evento do Atisha Center, em março de 1982, o Lama também deu aconselhamentos na Índia durante a primeira Celebração da Experiência Iluminada, uma maravilhosa festa de ensinamentos, iniciações e retiros de seis meses.

Organizado por Lama Yeshe, em especial para seus alunos ocidentais – centenas de participantes – muitos dos ensinamentos e iniciações foram dados por seus próprios gurus, inclusive Sua Santidade, o Dalai Lama.

Lama Yeshe solicitara a Sua Santidade, o Dalai Lama, que fizesse um comentário sobre o mesmo texto que ele havia utilizado no Atisha Centre, do Primeiro Panchen Lama, Losang Chokyi Gyaltsen: A autoestrada dos conquistadores: O texto-raiz do Mahamudra da preciosa Tradição oral Genden. (Este comentário foi editado por Alexander Berzin, que o traduziu para Sua Santidade no evento, tendo sido incorporado a outros ensinamentos e publicações, como O Mahamudra da tradição Gelug/Kagyü.

No retiro, Lama Yeshe explicou que mahamudra é um nome dado à “realidade universal da vacuidade, da não dualidade” –

a natureza inerente a todos os fenômenos. Existe igualmente em todas as coisas: orgânicas, não orgânicas, permanentes, impermanentes, inclusive todos os seres…
Talvez você esteja pensando que se o mahamudra é sobre a vacuidade, então você ouviu falar do mahamudra muitas vezes antes. Você está certo; os ensinamentos não são tão diferentes. Mas a abordagem única desta apresentação é a ênfase na meditação – a experiência da vacuidade em vez de explicações sobre o que isso significa.

Na meditação mahamudra, diz o Lama, o objeto da concentração é a nossa própria mente, em particular sua claridade, sua natureza convencional. E, como Sua Santidade diz em seus comentários, finalmente o objetivo é perceber a vacuidade da mente, sua natureza última.

Se explicarmos em termos da tradição do caminho do meio de uma visão correta da realidade, o método usual para obter o entendimento correto é perceber a vacuidade de uma pessoa – do “eu” convencional. Para tanto, analisamos o modo de existência de uma pessoa em termos dos cinco agregados como base para rotulá-la…
Na tradição mahamudra, no entanto, embora ainda tomemos como base os cinco agregados para rotular uma pessoa, concentramo-nos principalmente no agregado da consciência como aquele que atende a essa função. Assim, a tradição mahamudra apresenta uma visão correta da realidade em termos da vacuidade da mente.

Primeiro, porém, é necessário perceber o vazio do próprio eu da pessoa. Lama Yeshe diz para começar focando nos pensamentos: o que quer que surja em nossa mente. Quando a consciência se instala, focalizamos sua claridade. Uma vez que exista um nível razoável de concentração, a fim de reconhecer que não existe um eu independente, o Panchen Lama diz: “investigue inteligentemente com sutil consciência a essência do indivíduo que está meditando, justo como um pequeno peixe que se move em águas translúcidas sem causar qualquer perturbação”.

Em seu comentário, Sua Santidade explica o próximo passo:

Após obtermos convicção da falta de identidade verdadeira e inerente com base em nosso próprio eu, nós nos voltamos para… outros fenômenos…
Como parte desse processo, agora tomamos a mente como base para a vacuidade – em outras palavras, como base vazia de existir de qualquer maneira fantasiosa e impossível. Inspecionamos e analisamos a mente com a visão correta para obter uma compreensão decisiva de sua natureza de vacuidade.

Durante todo o retiro, muitos dos ensinamentos foram dados como meditações guiadas, com o Lama enfatizando a experiência da vacuidade de si mesmo. O Lama inspirou os alunos a irem além do vício do ego, a um senso limitado de eu e a provarem da leveza e da expansividade de sua própria mente, seu próprio ser. Como sempre, suas palavras não são somente experimentais, como também diretas, engraçadas, enganosamente simples e incrivelmente encorajadoras – a iluminação parece possível. E, como sempre, em seu desejo de contrariar uma tendência da sociedade contemporânea de mistificar a meditação, ele traz as instruções diretamente até a Terra, tornando-as factíveis mesmo para os iniciantes. Esforça-se para explicar o significado do que, de outra forma, permaneceria meramente intelectual ou secreto.

E não há limite para a criatividade do Lama em encontrar formas de fazer isso. Por exemplo, o Lama usa vinte e um termos diferentes para “aflição”, o termo principal usado na psicologia budista – que ele não usa! – para referir-se a estados mentais como apego, raiva e aferramento primordial a um eu independente. Alguns dos termos são variações de sinônimos aceitos, mas a maior parte é de sua própria criação: conceito artificial, pensamentos confusos, conceito contraditório, delusão, pensamento deludido, conceito dualista, quebra-cabeça dualista, pensamento dualista, pensamento fanático, fantasia, alucinação, projeção alucinada, visão alucinada, conceito impuro, conceito limitado, equívoco, conceito errôneo, energia mental negativa, projeção, superstição, concepção incorreta.

Seu estilo descontraído e suas palavras casuais desmentem a realidade de que ele era um erudito, mas são, talvez, evidências de que o Lama era também um iogue, um detentor de conhecimento (em tibetano, rigzin). Tudo parece simples, porque ele fala de sua própria experiência.


  • O livro Mahamudra, de autoria do Lama Yeshe, será lançado nos próximos dias pela Lúcida Letra. Você pode pedir um aviso de disponibilidade aqui.
  • No próximo sábado, dia 06 de junho, às 17h, Robina Courtin vai oferecer uma entrevista ao vivo ao pessoal do lugar – com algumas perguntas elaboradas pela Bodisatva. A conversa será transmitida no canal do lugar no youtube, com Gustavo Gitti como entrevistador e Jeanne Pilli como tradutora. Agende-se!

 

Capa do livro "Mahamudra"

Capa do livro “Mahamudra – como descobrir nossa verdadeira natureza” de Lama Thubten Yeshe, editora Lúcida Letra

 

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