Protesto do “Fire Drill Fridays”, em Washington. No centro, Heather McTeer Toney, do Moms Clean Air Force, com Jane Fonda à sua direita e Roshi Joan Halifax à sua esquerda. As três participaram do encontro Ação Lúcida. Foto de dezembro de 2019 (Jose Luis Magana).

Mulheres em ação por um mundo lúcido

Encontro com mais de 10 mulheres líderes discutiu como a regeneração do planeta passa pela mudança da nossa visão de mundo


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Revisão: Caroline Souza e Lia Beltrão

Uma voz uníssona surgiu da roda de mulheres líderes sentadas ao lado de Roshi Joan Halifax, coordenadora do encontro Ação Lúcida – Racismo, Pobreza, Clima e Pandemia, promovido pelo Upaya Zen Center no último domingo (21): a regeneração do planeta frente à emergência climática passa por ações antirracistas e mudanças internas e coletivas da nossa visão de mundo.

Mas o que significa mudança de visão de mundo? Qual é a relação entre a emergência climática e racismo, gênero, pandemia e pobreza? Uma das dez painelistas do encontro, a sensei Kritee Kanko – cientista do clima, especialista em rituais de luto e sacerdotisa zen-budista – tocou direto no coração do nosso engano ao mostrar que a mente que explora, destrói e envenena a terra, a água e o ar é a mesma mente que escraviza e mata seres humanos e não humanos, buscando a exploração apenas para o seu próprio benefício. 

Seu pensamento aprofundou a discussão sobre a relação da crise ecológica com o aumento das mortes de pessoas negras, mulheres e refugiados no mundo. Essa mente – nomeada no encontro como “supremacia branca” – funciona como uma máquina de reprodução de hábitos sociais, econômicos, culturais e étnicos que excluem a cooperação e o agir coletivo em benefício de outros. Este tipo de software está inserido em todos os ambientes, inclusive na ciência

A máquina que cria a crise climática é a supremacia branca, que subjugou as culturas que sabiam como viver em harmonia na terra. Isso não diz respeito apenas às pessoas serem racistas ou não, mas a um sistema que não valoriza como as pessoas vivem em harmonia. Os impactos no clima são visíveis, mas os impactos de gênero, raça e pobreza são assustadores”, diz Kritee. 

Nas palavras de Kritee, é preciso adotarmos um modelo de resiliência e transição justa para caminharmos juntas e “criarmos ilhas de sanidade em meio ao caos”. “O mais importante para fortalecer os movimentos climáticos é lutar contra o racismo – dentro e fora de você – e aprender sobre uma transição justa. Para isso, é preciso ter meios para lidar com o trauma, porque nos tornamos vítimas da supremacia branca e o nossos medos e traumas nos congelam. Precisamos enfrentar os nossos traumas – os medos individuais – para sermos capazes de colocar um fim no motor da supremacia branca que afeta a todos, pretos e brancos”, diz Kritee.

Fonte: boundlessinmotion.org

Ela propõe um modelo de resiliência para a ativação das nossas ações dividido em três etapas: o trabalho individual (nos tornarmos indivíduos curadores dos traumas), o desenvolvimento de uma vida comunitária em aldeias e a resistência coletiva. O trabalho dela tem uma relação direta com a cura individual e coletiva enraizada no compartilhamento de informações, em que o modelo hierárquico de tomadas de decisões não é piramidal.

“Precisamos fazer isso criando círculos de compartilhamento, práticas somáticas para falarmos de forma confortável sobre o que sentimos sobre dinheiro, religião, raça e nos prepararmos com ações estratégicas. É muito importante termos uma estrutura para lidarmos com o luto e aprendermos a nos recuperar dos conflitos. A estrutura para isso é feminina e sem meios hierárquicos”, diz a cientista, que está ativamente envolvida na formação de uma “rede ainda a ser nomeada” (“yet to be named network”), como uma rede de ação direta descentralizada e inter-religiosa que visa a jogar luz sobre a inseparabilidade do clima e da justiça racial 

 

Espelhos da pandemia

A visão de Kritee converge com a da eco-filósofa Joanna Macy sobre o trabalho interno que temos que fazer para sairmos da defensiva, curarmos e agirmos no mundo. Segundo Joanna Macy, estamos vivendo um bardo, um lugar entre-mundos, um gap. “Na tradição budista, quando entramos no bardo, o Buda Akshobia está segurando um espelho. Um espelho que reflete as coisas como elas realmente são. Neste momento, o coronavírus está segurando este espelho para nós. Nosso único trabalho é não desviar o olhar. Temos que ver o que realmente está acontecendo. Paramos de correr e agora estamos olhando e desvelando a falência do nosso sistema de saúde e a nossa interdependência completa para enfrentarmos o contágio”, falou a estudiosa e criadora do chamado Trabalho que Reconecta (TQR), metodologia que ajuda as pessoas a transformarem desespero e apatia, em face das profundas crises sociais e ecológicas, em ação compassiva. 

Para ela, é preciso ter coragem para olhar para o colapso que está em marcha e entender que o sistema econômico atual é incapaz de reduzir a emissão de gases de efeito estufa e fazer uma mudança social baseada em valores morais e justos. “Esta visão gera racismo, pobreza, individualismo. A grande virada é mais uma visão interna que nos ajudará a sobreviver ao colapso e continuar o caminho. O TQR pode nos inspirar e gerar confiança. Precisamos olhar para a transição de uma vida sustentada pela vida [e não pelo dinheiro], mas vamos enfrentar muitas dificuldades e sofrimentos”, assegura Macy. 

 

Juntas e compartilhando

Este encontro extraordinário reuniu mulheres como Dekila Chungyalpa; Christiana Figueres; Jane Fonda; Sensei Wendy Johnson; Sensei Kritee Kanko, PhD; Stephanie Kaza, PhD; Diana Liverman, PhD;; Heather McTeer Toney, JD, entre outras. A professora budista Joan Halifax frisou que todas as mulheres em reunião compartilharam a amizade e suas qualidades morais. 

Foto com as painelistas e apoiadoras do encontro online Ação Lúcida (Awakened Action)

“Nós sustentamos as costas umas das outras, sem nenhum tipo de competição. Eu escolhi não desviar o olhar do sofrimento, cabendo permanecer no círculo e olhar para a verdade do sofrimento e para as grandes possibilidades de transformação do sofrimento em sabedoria”, afirmou sabiamente Joan Halifax, encerrando a maratona de um dia inteiro de encontros citando os “Os quatro votos do Bodisatva”: 

As criaturas são inumeráveis,  eu faço votos de libertá-las / As delusões são inesgotáveis, eu faço votos de transformá-las / a realidade é ilimitada, eu faço votos de percebê-la / o caminho do despertar é insuperável, eu faço votos de corporificá-lo.


Se você quiser acessar as gravações dos encontros, com tradução de Jeanne Pilli para o português, registre-se na página do Ação Lúcida. Nenhuma taxa de registro é requerida, mas nossos amigos do Upaya Zen Center agradecem imensamente as doações! 

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