O altruísmo como fio de Ariadne em prol de uma economia mais humana
O monge budista, fotógrafo e autor Matthieu Ricard reflete sobre o que é a verdadeira prosperidade e qual a sua relação com o altruísmo
O monge budista, fotógrafo e autor Matthieu Ricard reflete sobre o que é a verdadeira prosperidade e qual a sua relação com o altruísmo
Nossa época se depara com múltiplos desafios: conciliar os imperativos da economia, da busca pela felicidade e do respeito ao meio ambiente. Tais imperativos correspondem a três escalas de tempo: de curto, médio e longo prazo, aos quais se sobrepõem três tipos de interesses diferentes – os nossos, os dos seres próximos e os de todos os outros seres.
A economia e as finanças estão evoluindo a um ritmo cada vez mais rápido. A bolsa dispara e cai de um dia para o outro e a crise do COVID-19 consiste, atualmente, em mais uma ilustração infeliz desse fenômeno. Ninguém quer investir em títulos financeiros reembolsáveis apenas ao final de cinquenta anos! Os que vivem confortavelmente hesitam em reduzir seu modo de vida em favor dos menos favorecidos e das gerações futuras, enquanto os necessitados aspiram, legitimamente, tanto a uma prosperidade maior como a participar de uma sociedade de consumo que estimula aquisições supérfluas.
No cerne da maioria dos problemas encontra-se o egoísmo: o distanciamento crescente entre ricos e pobres, a atitude de “cada um por si”, sempre crescente, e a indiferença em relação às gerações futuras. As rápidas mudanças ocorridas desde 1950 definiram uma nova era para o planeta, o Antropoceno, literalmente a era dos humanos. Pela primeira vez na história do mundo as atividades humanas modificam profundamente (e, atualmente, deterioram) a totalidade do sistema que mantém a vida na terra.
O altruísmo seria o fio de Ariadne que permitiria ligarmos naturalmente as três escalas de tempo – de curto, médio e longo prazo –, harmonizando suas exigências.
Se cada um de nós aprofundasse seu altruísmo – isto é, se tivéssemos mais consideração pelo bem-estar das outras pessoas –, os investidores, por exemplo, não praticariam especulações selvagens cujo único objetivo é receber dividendos maiores no final do ano. Não especulariam sobre recursos alimentícios, sementes, água e outros recursos vitais à sobrevivência das populações mais carentes. Se tivessem mais consideração pela qualidade de vida dos que convivem conosco, os responsáveis pela tomada de decisões e outros agentes sociais zelariam pelas condições de trabalho, vida familiar e social, e muitos outros aspectos da existência. Eles se questionariam a respeito da desigualdade cada vez maior.
Segundo a Oxfam, em 2016 o patrimônio acumulado por 1% das pessoas mais ricas do mundo ultrapassou o das outras 99%¹. Em 2017, 82% das riquezas mundiais foram para os cofres desses 1% mais ricos, enquanto que metade da humanidade não recebeu nada². Os responsáveis pela tomada de decisões poderiam abrir os olhos sobre o destino da sociedade que os beneficia, e sobre a qual construíram suas fortunas.
Se tivéssemos mais consideração pelos outros, iríamos agir no sentido de remediar a injustiça, a discriminação e a miséria. Reconsideraríamos o modo como tratamos as espécies animais, reduzindo-as a instrumentos de nosso domínio cego, que as transforma em produtos de consumo.
Enfim, se mostrássemos mais consideração pelas próximas gerações, não sacrificaríamos cegamente o mundo em prol de nossos interesses efêmeros, legando aos que virão depois de nós apenas um planeta poluído e depauperado. Pelo contrário, nos esforçaríamos em promover uma economia solidária, fazendo valer a confiança recíproca e valorizando os interesses alheios.
Mudanças importantes nas mentalidades no seio das sociedades humanas fortaleceriam as necessárias transformações em favor da emergência de uma nova economia e de novos modos de vida e consumo, mais solidários e mais responsáveis no que diz respeito ao planeta e aos seres que nele convivem. Seríamos capazes de encarar a possibilidade de uma economia diferente, defendida atualmente por numerosos economistas modernos³; uma economia que repousa em três eixos da verdadeira prosperidade: a natureza, cuja integridade devemos preservar, as atividades humanas que devem prosperar, e os meios financeiros que permitem garantir nossa sobrevivência e necessidades materiais razoáveis⁴.
O texto original de Matthieu Ricard, em francês, está disponível aqui.
Se você tem interesse em conhecer mais sobre Matthieu Ricard, recomendamos a leitura de seu livro A Revolução do Altruísmo, publicado em português pela Editora Palas Athena.
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