De Chögyam Trungpa Rinpoche, recontado por Jack Niland em Novembro de 2007
Jack Niland conheceu Trungpa Rinpoche no verão de 1970 no Tail of the Tiger* em Barnet, Vermont. Mais tarde nesse mesmo ano, Rinpoche havia lido o livro O PEQUENO PRÍNCIPE, de Antoine St. Exupéry. Logo antes do Natal, Rinpoche reuniu um grupo na sala-de-estar do Tail of the Tiger por volta das quatro horas da tarde, e contou uma história que, disse ele, continha todo o vajrayana.
Era uma vez um pequeno menino que era uma criança arco-íris. Ele vivia em um vasto deserto e não sabia de onde veio, nem qual era o seu nome. Ele estava completamente só e nunca havia encontrado mais ninguém. Ele era totalmente feliz e amava o nascer do sol, o pôr do sol, a lua e as estrelas.
Um dia, ele estava cavando casualmente na areia e encontrou uma pedra sólida, com um formato de tijolo. Ele a recolheu, colocou sobre a areia e então cavou mais um pouco. Ele continuou a encontrar mais e mais tijolos, então começou a empilhá-los. Ele construiu um castelo gigantesco, pelo qual ficou completamente fascinado. Ele se sentou, olhando para seu castelo até que o sol se pusesse e a lua se elevasse no céu. Porém, enquanto passava sobre o gigantesco castelo, a lua ficou presa e o tempo repentinamente parou.
O pequeno menino se desesperou e pensou que nunca mais veria o sol nascer novamente. Ele percebeu que teria que entrar no castelo para libertar a lua. Ele caminhou até o portão da frente, voltado para o Leste. Diante dele havia dois guardas de aparência feroz, carregando grandes sabres. O pequeno menino dirigiu-se a eles: “Tenho que chegar ao topo do castelo para libertar a lua.” Os guardas ficaram furiosos e disseram “Não! Isso simplesmente não é permitido.” Então o pequeno menino simplesmente sentou-se, pacificamente, e observou por um longo tempo. Finalmente, alguém tocou um apito e os guardas foram embora, marchando. No pequeno intervalo, antes que os próximos guardas chegassem ao portão, o pequeno menino esgueirou-se para dentro do portão do Leste. Ele havia encontrado um pequeno intervalo na raiva!
Então, o pequeno menino dirigiu-se ao portão do Sul. Lá havia um grande e assustador general, com botas de arco-íris e uma aparência autoritária. Ele gritava ordens em todas as direções. O pequeno menino disse: “Tenho que chegar ao topo do castelo para libertar a lua.” O general vociferou: “Não! Você deve obedecer minhas ordens”, e seguiu gritando ordens continuamente: “Atenção! Marche! Alto!” O pequeno menino ouviu por algum tempo, e então olhou o general diretamente nos olhos e disse: “NÃO!” O general, surpreso, ficou paralisado. Ninguém nunca havia dito não a ele. Sua bravata desintegrou-se e ele fugiu, humilhado. O pequeno menino entrou pelo portão do Sul. Em seguida, o pequeno menino chegou ao portão do Oeste. Havia um belo príncipe e uma bela princesa sentados juntos, admirando um ao outro. As paredes eram vermelhas, adornadas com flores e espelhos, e lustres pendiam do teto. O pequeno menino disse: “Tenho que chegar ao topo do castelo para libertar a lua.” O casal da realeza respondeu: “Não, não, não. Você não pode nos deixar. É tão bonito aqui. Nós vamos a uma festa e não sabemos o que vestir.” Eles prosseguiram, muito solenemente, perguntando sobre suas roupas, adornos, maquiagem e tudo mais. O pequeno menino pensou: “Eles são tão sérios. Uma festa deveria ser divertida. Eu me pergunto se alguma vez eles já deram risada ou ouviram uma boa piada.” [Ele então perguntou a eles: “Por que o leão não come o palhaço?”]** O casal parou e refletiu sobre a questão por um longo minuto, sem se mover. O pequeno menino respondeu, [“Porque os palhaços têm um gosto engraçado.”] Parecendo confusos, eles olharam um para o outro, e então caíram na gargalhada. De fato, eles nunca tinham ouvido uma piada. Enquanto rolavam de tanto rir, o pequeno menino passou discretamente por eles e entrou pelo portão do Oeste.
Logo o pequeno menino chegou ao portão do Norte. Havia um grande armazém, repleto de bens de todos os tipos. Ministros vestidos com longos mantos e chapéus pontudos corriam de um lado para o outro com livros de contabilidade e canetas, tomando nota de tudo. Eles gritavam, um para o outro, “Você contabilizou isso?” e “Você contabilizou aquilo?” O pequeno menino disse: “Eu tenho que chegar ao topo do castelo para libertar a lua.” Os ministros retrucaram, “Não nos perturbe. Estamos ocupados demais. Temos que contabilizar tudo e apresentar nossos resultados ao Rei.” O pequeno menino viu como eles estavam acelerados, e disse: “Você contabilizou isso? Será que você não deixou aquilo passar na sua contagem? E isso? E aquilo?” Muito irritados, os ministros entraram num turbilhão de atividade ainda mais frenética. Distraídos, eles não perceberam o pequeno corpo esgueirando-se pelo portão do Norte.
Agora, o pequeno menino chegou à sala do trono, no centro do castelo. Sentado no trono estava um majestoso rei, que o cumprimentou: “Bem-vindo, meu súdito. É muito bom que você tenha vindo me visitar. Como um um súdito leal, você deve curvar-se diante de mim, e permanecer aqui para me servir.” Agindo como se estivesse prestes a curvar-se, o pequeno menino olhou cuidadosamente para toda a sala, e viu que havia alguém atrás do trono. O pequeno menino parou e disse ao rei: “Não, é você quem deve se curvar — ao conselheiro espiritual que está atrás de você.” Envergonhado, o rei admitiu, “Sim, você está certo. Eu devo me curvar a ele.” Enquanto o rei se curvava diante de seu conselheiro espiritual, que era o verdadeiro poder por trás do trono, o pequeno menino correu, contornando o trono, e ficou frente a frente com o conselheiro espiritual.
O conselheiro espiritual era alto e imponente, e proclamou: “Eu estou no comando de tudo, e faço tudo acontecer.”
O pequeno menino disse. “Eu tenho que chegar ao topo do castelo para libertar a lua.”
“Não. Como eu disse, sou eu que faço tudo aqui.”, respondeu o conselheiro espiritual.
O pequeno menino exclamou: “Eu sei de uma coisa que você não é capaz de fazer.”
“Vá em frente e me diga. Não há nada que eu não possa fazer.”, vangloriou-se o conselheiro espiritual.
“Primeiro, nós temos que ir até o topo do castelo”, disse o pequeno menino. Eles subiram até o topo da torre em silêncio.
Uma vez que chegaram ao terraço no topo do castelo, o conselheiro espiritual demandou: “Muito bem, qual é o meu desafio?”
“Primeiro fique em pé sobre o muro”, disse o pequeno menino, gentilmente. Ele observou enquanto o conselheiro espiritual escalou o muro e ficou em pé, com grande confiança, sobre a beirada. Então o pequeno menino gritou, repentinamente: “Eu aposto que você não consegue saltar!” Sem pensar por nem um instante sequer, o conselheiro espiritual saltou no espaço e caiu, desaparecendo de vista.
Instantaneamente, o castelo desapareceu, a lua foi liberta, e o pequeno menino caiu sobre a terra. Ele sentou-se no chão como se nada tivesse acontecido. Ao final da noite, ele assistiu, com grande deleite, o sol levantar-se no Leste.
Traduzido por Pedro Lemme e revisado por Henrique Lemes em outubro de 2021.
Texto original: https://www.chronicleproject.com/castle-of-ego/
Créditos de imagem: DALL.E
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