Crédito: Tasha Kamrowski

O que fazer diante da emergência ambiental?

Neste texto, o monge Emersom Konchog aborda como movimentos coletivos são capazes de pressionar e trazer as mudanças urgentes necessárias para a Terra.



O que praticantes de um caminho espiritual podem fazer em relação à atual emergência climática e ecológica? Basicamente o mesmo que qualquer pessoa preocupada com a questão. Mas o engajamento pode ser um pouco mais fácil e natural para quem tem um compromisso com valores altruístas como compaixão e solidariedade.

Para todos nós no geral, como há pouco tempo e os métodos convencionais falharam em trazer mudanças efetivas, a melhor — e talvez última — chance que temos é nos organizarmos coletivamente e pressionar os governos e empresas por mudanças. Isso é o que tem surtido efeito em países onde a informação está melhor distribuída, como na Europa e EUA.

Se não fizermos isso, outras opções seriam: adotar hábitos sustentáveis como redução do consumo e estimular outros a fazerem o mesmo; fazer doações para ONGs e assinar petições ambientais; votar em políticos ‘verdes’; divulgar conteúdo ecológico, por exemplo nas redes sociais; tentar ser mais compassivo e atento; tornar-se vegano.

O elemento comum nessas abordagens é a incerteza se o número necessário de pessoas para uma mudança efetiva vai colaborar ou não. Não estou criticando essas iniciativas, que são ótimas. Eu mesmo pratico todas. Mas isso em si tem pouca chance de reverter a catástrofe que se anuncia, pois é improvável uma disseminação massiva no curto prazo. 

Estamos esperando a boa vontade dos governos, empresas e pessoas, para que não destruam o ambiente onde vivemos desde os primórdios do movimento ecológico. E apesar de pequenas vitórias, no geral, a situação só piora. 

Já no caso de uma política governamental, por exemplo, que proíba a emissão de gases do aquecimento e o ecocídio, há muito menos incerteza: é lei e pronto. Com pressão suficiente da sociedade, essas mudanças são possíveis, e já estão acontecendo em outras partes do mundo, devido aos movimentos que estão cobrando isso ativamente.

É essa abordagem que vou apresentar neste texto, com argumentos sobre porque não há mais tempo para um foco principal em abordagens convencionais como mudanças de hábitos.

É essa a proposta também dos novos movimentos climáticos — como Rebelião ou Extinção (XR, ou Extinction Rebellion) e Greve pelo Clima, nos quais ajudo — que se engajam em ação direta não violenta como a maneira mais eficaz de trazer as mudanças urgentes necessárias. Esses movimentos surgiram justamente devido à frustração com a ineficácia das abordagens convencionais, e têm tido sucesso em trazer mudanças rápidas. 

Por exemplo, devido em grande parte a esse tipo de mobilização, a União Europeia decretou emergência climática, atendendo essa demanda tanto do XR quanto da Greve pelo Clima. E na Inglaterra, o governo também concordou com outras duas exigências: medidas ambientais urgentes e a criação de uma assembleia cidadã para a deliberação dessas medidas (mais sobre isso adiante). 

No entanto, uma mobilização muito maior é necessária para que a transformação se espalhe pelo globo, especialmente no Brasil, onde esse tipo de abordagem ainda engatinha.

 

Espiritualidade engajada

 

Para praticantes espirituais, esse tipo de engajamento pode ser muito mais fácil. Primeiro porque provavelmente já pertencemos a alguma comunidade. Então reunir pessoas interessadas em algum espaço é algo muito simples.

Segundo, a motivação de ajudar os outros já existe. Essa é uma das principais barreiras para o ativismo em geral: acreditar que vale a pena se envolver em alguma ação de transformação coletiva. Então basta atuar de fato conforme nossos compromissos.

Terceiro, porque o aspecto interno e compassivo da transformação, em tese, já está sendo trabalhado. Sem isso, o engajamento pode acabar sendo algo estéril: ficamos agindo por uma mudança que não existe em nós mesmos. Além disso, lidar com a frustração e esgotamento emocional constantes do ativismo, sem uma prática interna de compaixão é uma tarefa quase impossível.

Então, para praticantes espirituais, como já há meio caminho andado, ações efetivas são apenas uma questão de arregaçar as mangas e pôr a mão na massa. Por exemplo, juntar-se a um movimento, ou reunir interessados e criar um grupo local de ação direta (no final do texto, há referências nessa área).

No entanto, não há respostas fixas para a pergunta “o que posso fazer?”. Cada contexto é diferente, e qualquer iniciativa é válida. O que vou sugerir a seguir são recomendações genéricas do ponto de vista da urgência por ação, em que cada semana conta, e dessa abordagem mais direta dos novos movimentos ambientais. 

 

Informar-se

 

Sem conhecimento, não há ação. Então talvez a primeira coisa a ser feita é informar-se sobre a gravidade da situação, já que quem não está alarmado, provavelmente não conhece o nível da catástrofe, ou então, por algum motivo, não acredita nisso. 

Temos poucos anos (provavelmente menos de dez) para tentarmos garantir um futuro mais ou menos habitável para as gerações futuras. E há a possibilidade real de que já tenhamos passado de certos pontos sem volta, alterando o clima de tal modo que grandes desastres socioambientais são inevitáveis — mas mitigar e reduzir danos sempre é possível.

Sem uma mudança radical, provavelmente já em 2050 as sociedades estarão sofrendo dificuldades imensas. Pode parecer longe, mas é lá que nossos filhos e netos estarão tentando viver. Falamos em “salvar o planeta, a natureza, a humanidade”, mas isso é só figura de linguagem. 

O planeta vai continuar aí, assim como a vida, que sobreviveu e se adaptou após cinco extinções em massa na Terra. E nós? Mesmo nos piores cenários, provavelmente ainda haverá humanos — apesar de haver estudos que projetam uma chance de 19% de extinção humana antes de 2100

A questão é: como estaremos sobrevivendo? O que está em risco são as condições de vida adequadas para as gerações futuras e, claro, as milhões de espécies de vida sendo extintas num ritmo como não se via há dezenas de milhões de anos, durante a última grande extinção.

Assim, não há como praticarmos compaixão sem incluir os seres do futuro em nosso círculo. No budismo, a compaixão não é um sentimento, mas uma força ativa de amor e cuidado. Como disse o professor budista e também ativista do Extinction Rebellion, David Loy, durante uma conversa recente com Lama Samten, “prática, prática, todo mundo sempre fala de prática, o que realmente gostaria de saber é quando ocorrerá a atuação”. 

 

Silêncio climático da mídia

 

Se você se sente cético diante dessas previsões mais apocalípticas, pensando que “não pode ser tão grave assim, afinal ninguém está falando disso”, essa é uma reação completamente natural. É como a maioria das pessoas reage. E isso acontece principalmente por um motivo: o “silêncio climático” da mídia, que propaga um silêncio ainda maior sobre essa questão em toda sociedade.

Na verdade, muita gente está falando sobre isso sim, incluindo os mais renomados intelectuais e cientistas, como os selecionados para os painéis da Organização das Nações Unidas. Mas, sem uma cobertura responsável da mídia, o debate não chega ao público em geral. 

Basicamente, nossas conversas giram em torno dos assuntos do noticiário. Quando ouvimos falar algo que não está na mídia, a primeira reação é o ceticismo — e isso sem nem falar no novo fenômeno das realidades paralelas nas mídias sociais, em que tudo que vai contra determinada opinião é tratado como conspiração ou fake news.

Esse silêncio climático, especialmente em países como o Brasil, também é extremamente prejudicial pois acaba alimentando teorias conspiratórias. É difícil de entender, mas há realmente muitas pessoas que acreditam que aquecimento global é uma boato, ou uma conspiração para enriquecer empresas verdes.

Em países onde a emergência climática já é um assunto na boca do povo, como na Europa, não há espaço para esse negacionismo conspiratório, justamente porque ele soa tão lunático quanto de fato é, diante dos fatos. Já aqui, sem a devida informação, ainda há amplo espaço para essas teorias do tipo terraplanismo.

Então, infelizmente, para se informar sobre isso no Brasil por enquanto não podemos contar com o noticiário, com algumas exceções. No final deste texto, há diversas referências para quem quiser saber mais sobre esta emergência, incluindo casos isolados de boa cobertura da mídia. À seguir, vou resumir os principais fatos sobre a emergência em que nos encontramos, baseados nos dados científicos citados nessas referências.

 

O desastre

 

O fato de que a ação humana vem causando aquecimento global já há quase um século é consenso entre 97% dos climatologistas do planeta. Estamos sentindo os efeitos disso em todos países, principalmente em lugares como Oriente Médio, África central e Bangladesh, que já estão em estado de calamidade pública, devido a inundações, calor mortal, desertificação e suas graves consequências — fome, migrações em massa e conflitos civis. 

Esses desastres são consequência de um aumento na temperatura média global de 1,1°C. Caso as emissões de gases do efeito estufa não sejam cortadas em 45% em dez anos, e zeradas até 2050, haverá um aumento entre 2° a 3°C. Pode parecer pouco, mas como média global isso significa aumentos de temperatura de até 10ºC em muitas cidades. Por exemplo, no Brasil já temos picos de temperatura 5°C acima dos registros de 20 anos atrás.

A concentração excessiva de CO2 na atmosfera, que junto com outros gases causa o aquecimento, foi a responsável por cinco extinções em massa na história da Terra. Há consenso entre especialistas em extinção de que já entramos na 6ª grande extinção. A perda definitiva da biodiversidade é um fenômeno ligado não somente à crise climática, mas também ao desmatamento, caça e pesca. É por isso que se fala em emergência não apenas climática, mas também ecológica.

A longo prazo, as consequências dessa crise ameaçam a civilização humana como a conhecemos. Sem uma mudança radical, as sociedades daqui há 50 anos não vão ser muito diferentes dos cenários distópicos que vemos nos filmes de ficção científica. Entre os efeitos estão:

  • novas epidemias e pandemias (quando vírus, bactérias e animais-vetores migram para cidades após perderem seu habitat. Vale lembrar que a Covid-19 é resultado do desequilíbrio ecológico); 
  • guerras civis devido à seca, falta de comida e água e migrações em massa (como o caso recente da Síria, que explodiu em conflito após uma seca sem precedentes);
  • áreas costeiras permanentemente inundadas e seu enorme custo financeiro; 
  • clima extremo sem precedentes (tempestades, furacões, incêndios…); 
  • crise econômica e convulsão social; 
  • ascensão do autoritarismo nesses momentos de vulnerabilidade (cada vez mais comum no mundo todo); 
  • efeitos-bola-de-neve, quando pontos críticos de aquecimento são atingidos e as mudanças começam a se retroalimentar em um padrão fora de controle.

Na verdade, a quantidade de gases do aquecimento (não apenas como fruto da queima de combustíveis, mas também da criação de animais para abate e da monocultura extensiva) que soltamos já atingiu um ponto sem volta: mesmo se parássemos completamente de emiti-los hoje, o planeta continuaria aquecendo por décadas, já que o CO2 se acumula e permanece na atmosfera por muito tempo.

A ONU vem divulgando ultimatos cada vez mais alarmantes sobre as consequências dessa crise. Por exemplo, recentemente o secretário-geral António Guterres pediu para que todos os países decretem emergência climática.

O colapso socioambiental da civilização humana está se desdobrando bem na nossa frente. É a história do século. Não é incrível que isso não esteja nas capas dos jornais? Que pouca gente esteja falando sobre isso?

 

Silêncio e negacionismo

 

Como extinção em massa e mudanças climáticas são processos que se desdobram lentamente, não há muito apelo noticioso. É mais ou menos a mesma lógica do comentário “hoje está tão frio, cadê o aquecimento global que estão falando?”. Essas  mudanças não vêm da noite para o dia. No entanto, aparecem de maneira óbvia quando, por exemplo, comparamos as temperaturas extremas de hoje com as de 20 anos atrás.

Outro exemplo: quem tem mais de 30 anos já deve ter reparado como praticamente não vemos mais sapos e rãs. 70% das espécies de anfíbios foram extintas nas últimas décadas.

Além do desinteresse da mídia em consequências de longo prazo, há o falso questionamento sobre a ciência que comprova a mão humana nas mudanças climáticas. A mídia acaba comprando essa desinformação e a repassa para o público. 

Esse negacionismo é orquestrado pelas empresas que se beneficiam das emissões de gases do aquecimento (e da devastação natural também). Elas financiam governos e os poucos cientistas que negam a responsabilidade humana, afirmando que o aquecimento que sentimos hoje é “algo natural”. Assim, eles acabam ganhando na mídia um espaço desproporcional em relação à minúscula fatia que representam entre a comunidade científica.

Fica a impressão de que não há consenso científico, exatamente da mesma maneira como a indústria do cigarro orquestrou por décadas a falsa controvérsia de que não haveria ligação comprovada entre cigarro e câncer (inclusive, profissionais da desinformação que trabalharam para os fabricantes de cigarro também trabalharam na campanha que semeia dúvidas sobre as causas do aquecimento global).

Felizmente, esse tipo negacionismo já está sumindo um pouco da mídia (mas não do discurso político e da realidade paralela das mídias sociais), dando lugar agora à negação sobre a gravidade da crise, que se expressa mais ou menos assim: “Isso é alarmismo. A situação não é tão grave. Podemos resolver isso com desenvolvimento sustentável, consumo consciente e plantando árvores”.

Ligar o alarme quando nossa casa está pegando fogo jamais seria chamado de “alarmismo”. E é exatamente isso que está acontecendo. 

O silêncio climático é particularmente maior em países como o Brasil. Em comparação com Europa e EUA, é impressionante a ausência no noticiário sobre essa ameaça ao nosso futuro. E quando desastres ambientais como desmatamento e ondas de calor são noticiados, isso aparece como se fossem fenômenos sem causa humana, cujas graves consequências e possíveis soluções nem são mencionadas.

Já a jovem ativista sueca Greta Thunberg é apreciada mais como uma celebridade excêntrica, ou prodígio, do que pela mensagem que traz.

 

Mudanças de hábitos

 

Diante do pouco tempo que (não) temos, tentar lidar com essa crise através de iniciativas como reciclagem, campanhas sobre consumo consciente, horta orgânica etc não vai fazer diferença, apesar de serem hábitos essenciais.

Movimentos ambientais mais recentes como 350.org e Rebelião ou Extinção estão há anos tentando demonstrar que focar em mudanças de hábitos individuais não apenas é ineficaz diante da emergência em nos encontramos, como também é contra-produtivo, pois desvia a atenção sobre as mudanças necessárias: políticas públicas como corte obrigatório de emissões e fim do desmatamento e quaisquer atividades que contribuam para as mudanças climáticas e extinção de espécies. 

Focar em mudanças de hábitos favorece, na verdade, as corporações e governos responsáveis, empurrando a responsabilidade para o consumidor (ela existe, mas é pequena em comparação com o que políticas públicas fazem).

Novas medidas governamentais surgem quando a sociedade se organiza e pressiona, como os protestos climáticos na Europa têm demonstrado. Já o foco em mudanças individuais só poderia funcionar se tivéssemos tempo de sobra. 

Uma cena no dia seguinte à devastação causada pelo furacão Sandy em Nova York, em 2012, ilustra bem esse ponto.

Havia na região costeira um centro comunitário que era referência em práticas sustentáveis: horta orgânica, reciclagem exemplar, consumo consciente, uso eficiente de energia… Quando o furacão arrasou a cidade, esse centro foi reduzido a uma pilha disforme de areia, deixando seus membros sem saber o que pensar, afinal não estavam fazendo tudo certo? Diante da devastação de um clima completamente alterado, não há ‘hábitos ecológicos’ que resistam.

Eventos climáticos extremos como esses furacões e tempestades estão se multiplicando tanto em número e intensidade a cada ano. No Brasil, um dos motivos porque não sofremos com isso é o efeito de regulação do clima proporcionado pela Amazônia. No ritmo atual de devastação das florestas, até quando teremos essa proteção natural, que também impede a formação de um deserto no centro-oeste e sudeste?

 

Aja em grupo

 

Tudo isso tem provocado, pela primeira vez na história, uma revolta global contra esse ciclo de autodestruição em que nos fechamos. Esses movimentos são fortes nos países onde há maior consciência sobre a emergência climática, mas em menor escala já se espalharam por todo o planeta, já que essa crise também atravessa todas as fronteiras.

São mobilizações como a Greve pelo Clima, de Greta Thunberg, Rebelião ou Extinção (Extinction Rebellion, ou XR), 350.org, Sunrise e vários outros movimentos climáticos e ecológicos similares. No Brasil, há também iniciativas brasileiras como Liberte o Futuro e os diversos coletivos interseccionais, que abraçam a causa ambiental sem se restringir  a isso, da mesma forma como os movimentos ambientais também já integraram as causas racial e contra a desigualdade.

Ao se juntar a algum grupo ou movimento, fica muito mais simples se engajar em ação direta de pressão ao governo e corporações. A maioria desses movimentos tem caráter descentralizado e viral: se em sua cidade não houver um grupo local, é fácil criar um. 

Por exemplo, no XR (Rebelião ou Extinção) funciona assim: quem quer que aja pelas três demandas e dez princípios do movimento, pode atuar em nome do XR, sem precisar pedir autorização para ninguém. Após os membros serem treinados nesses fundamentos e diretrizes, é só começar a implementá-los localmente.

A expansão desse tipo de movimento é crucial para a causa particularmente no Brasil, já que ainda não contamos com a mobilização massiva e auto-organizada dos movimentos no Norte Global.

Sobre como se envolver em algum movimento climático, o climatologista da NASA, Peter Kalmus, que também integra o coletivo End Climate Silence, escreveu um texto bastante útil

 

Amazônia e emissões

 

No Brasil, além da pauta global das mudanças climáticas, uma questão central é a preservação dos biomas e dos povos indígenas. Isso porque o desmatamento da Amazônia e do Cerrado respondem por 44% das emissões de gases do efeito estufa, segundo dados do Observatório do Clima de 2019. Como a agropecuária responde por 28% das emissões, 72% da contribuição do Brasil para o aquecimento global vem do desmatamento e do agronegócio.

Há um discurso político e empresarial que enfatiza o fato de que o Brasil possui uma matriz energética limpa, devido à predominância das hidrelétricas na geração de energia. No entanto, a destruição ambiental causada por essas usinas está muito longe de ser algo insignificante. E uma matriz supostamente limpa acaba não fazendo muita diferença já que o Brasil é o 5º país que mais emite gases do aquecimento.

Com a atual situação política brasileira, ativistas podem imaginar que não há como um governo negacionista desse nível fazer algo positivo em relação ao meio ambiente, sendo então inútil fazermos exigências ambiciosas. No entanto, mobilizações atraem atenção e disseminam a mensagem. Como governar abertamente contra a sociedade é algo que mesmo os governos mais autoritários tentam evitar, protestos que chamam a atenção sempre ajudam os movimentos. Além disso, as demandas não precisam necessariamente focar na administração federal.

Por exemplo, no XR e na Greve pelo Clima uma demanda central é que os governos municipais também decretem emergência climática. Com base nessa medida simbólica, se abre um debate público mais intenso e urgente pelas medidas necessárias, aumentando a cobertura da mídia e, consequentemente, o engajamento da sociedade nessa questão. Inclusive, no Brasil, já há uma cidade que decretou espontaneamente emergência climática: Recife.

Além das mudanças climáticas, há vários outras graves consequências da extinção da biodiversidade, como falta d’água, desertificação, genocídio indígena e quilombola, e racismo ambiental (mais sobre isso adiante). Assim, as ações dos movimentos climáticos no Brasil também unem a agenda global com as questões mais locais como as causas indígena, racial e de inclusão social.

 

Curto prazo

 

Entre as demandas de curto prazo desses movimentos, além do reconhecimento de emergência climática pelo governo e pela mídia, estão também a questão da justiça climática e do racismo ambiental.

Em um nível local, isso se refere ao fato de que as pessoas que mais sofrem com desastres ligados a mudanças climáticas estão nas comunidades excluídas, por exemplo em áreas de risco, ou indígenas e quilombolas.

Em um nível global, as nações que mais estão sofrendo não contribuíram quase nada para o problema. Historicamente, cinco países ricos (Estados Unidos, Canadá, Europa, Austrália e Japão) são responsáveis por 92% das mudanças climáticas/aquecimento global. Países na América Latina, África e Oriente Médio — os que mais sofrem com isso — respondem por apenas 8% dos gases do efeito estufa (dados são citados pelo antropólogo econômico Jason Hickel, em “Less is More”).

Então as pessoas e sociedades mais vulneráveis precisam ter prioridade nas medidas de mitigação e reparação de injustiças.

 

Longo prazo

 

Já entre as medidas de longo prazo que precisamos exigir, está a transição do sistema econômico para modelos mais humanos e compassivos, como decrescimento ou economia donut.

Isso porque por mais que cortemos emissões e façamos a transição para energia renovável, o sistema extrativista que busca um lucro infinito sobre a natureza escassa continuará o mesmo, sendo assim uma questão de tempo para que as crises socioambientais voltem a explodir.

Outra mudança estrutural que é abordada em movimentos ambientais mais holísticos como XR ou Trabalho que Reconecta (TQR) é a mudança interior, de visão de mundo, substituindo a atual visão de supremacia em relação a outras espécies animais e vegetais, pela visão de uma interdependência compassiva, que abraça e cuida de toda a vida, nos reconhecendo como uma parte dessa teia, e não como donos.

Esse é um exemplo claro de como a visão budista especificamente pode transformar o ativismo, não estando limitada ao contexto budista. Joanna Macy, a idealizadora do TQR, demonstra de modo brilhante em seu trabalho como essa filosofia enriquece o ativismo ambiental.

 

Reforma política

 

Além da reforma econômica, uma medida de longo prazo essencial é consertar nossas democracias. A atual crise pode ser muito útil já que expõe a falência completa de nossos sistemas coletivos e individuais, nos empurrando para um colapso sistêmico inevitável. Assim, fica óbvio que não há como haver vida em equilíbrio natural sem uma mudança completa dos sistemas.

No movimento XR especificamente, não há ênfase em quais deveriam ser as mudanças de longo prazo para resolver essa crise existencial. No lugar disso, propomos a criação de assembleias cidadãs para que a própria sociedade discuta e decida o que é melhor para nós, em vez de deixar essas decisões na mão de políticos comprometidos e empresários.

Tal sistema de democracia direta está na origem da própria democracia, há 2.500 anos, e vem sendo redescoberto como uma ótima ferramenta para lidarmos com problemas aparentemente insolúveis pela política partidária, que costuma terminar atada por interesses que não são os da sociedade. Escrevi sobre assembleias cidadãs neste artigo.

Como mencionei no artigo anterior, visões de mundo como a do budismo ou das culturas de povos nativos, em que nos reconhecemos como uma vida maior, que se entrelaça em todas as direções, podem exercer um papel fundamental neste momento em que ou mudamos ou perecemos. E as pessoas que já cultivam tal visão, ou uma compaixão universal, podem exercer um papel-chave nessa possível transição.

Para encerrar ainda nessa direção otimista, segue um refrão favorito de música pop, das inglesas do Big Moon, na canção Your Light:

“Então talvez este seja o fim, porque não parece uma parada,

Mas toda geração provavelmente imaginou ser a última.

Mas em dias como estes, eu esqueço da minha escuridão,

E me lembro da tua luz,

Me lembro da tua luz…”

 

Referências

 

Vídeos curtos

Livros e páginas

Documentários

Movimentos

 


Emersom Karma Konchog é monge budista brasileiro e ex-jornalista. Entre 2013 e 2020, estudou língua tibetana e filosofia budista na Índia e Nepal, e completou o tradicional retiro de três anos Karma Kagyu nos EUA. Além do Darma e da propagação secular de valores humanos, ajuda na causa ambiental. Escreve também a newsletter Circular. Emersom é convidado da Bodisatva para escrever uma série de textos que chamamos de Teia da Vida explorando onde prática espiritual e ativismo ecológico se encontram.

Apoiadores

1 Comentário

  1. Muito valioso e esclarecedor artigo! Seria muito importante que outros artigos focassem no tema educação e como a escola pode contribuir para engajar a juventude nessa necessidade de mudança de paradigma. O que as escolas Caminho do Meio em Viamão e Vila Verde em Alto Paraíso, ou outras escolas que tem uma visão espiritual ou filosófica podem contribuir como modelo de mudança na educação das próximas gerações? Fica a sugestão!

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