O leigo que manifestou a sabedoria de um buda completamente iluminado
Nos dias 06 e 07 de maio, Marcelo Nicolodi, tutor e aluno do Lama Padma Samten, conduzirá um estudo sobre o Sutra de Vimalakirti no CEBB Rio Preto. Esse Sutra, tão importante no budismo Mahayana, conta a história de um leigo, uma pessoa comum e mundana que manifesta a sabedoria de um buda completamente iluminado. A Bodisatva conversou com Marcelo para entender o contexto desse Sutra e a importância de sua contemplação nos dias de hoje.
O Sutra de Vimalakirti é um dos Sutras mais estudados na história do budismo, principalmente no chinês. Ele tem essa importância porque mostra um leigo que manifesta a sabedoria de um buda iluminado, diferente da maioria dos Sutras que abordam a iluminação de monges e monjas. E, na China, é dada grande importância a esse ideal do chefe de família, do pai e da mãe que praticavam o budismo em meio ao trabalho intenso que tinham que fazer.
Vimalakirti foi um buda contemporâneo ao Buda Shakyamuni, completamente iluminado. Esse é um fato interessante, porque no Mahayana surge a ideia de múltiplos e infinitos budas simultâneos em todas as direções. No cânone Páli não há essa visão. O Mahayana introduz esse conceito mais amplo do buda como um fenômeno universal.
Acredita-se que o Sutra de Vimalakirti tenha surgido no século I depois de Cristo. Não é um dos Sutras mais antigos, mas também não é tardio. Ele aborda o Prajnaparamita e o terceiro giro da Roda do Darma¹, a noção de natureza de buda, os corpos do buda, as terras puras. Ele é muito completo.
Esse Sutra faz uma ponte para o veículo tântrico. Por isso os praticantes Vajrayana — o budismo tibetano — gostam tanto dele, porque o comportamento de Vimalakirti não é o de um bodisatva tradicional dos Sutras Mahayana, mas de um mestre de louca sabedoria, de um mestre tântrico. Ele interfere no comportamento de vários monges e bodisatvas e dá lições iradas no momento do acontecimento, ou seja, apontando toda a parcialidade que eles manifestam. Vimalakirti vem e corta de uma forma tântrica, com louca sabedoria mesmo.
O Sutra conta que o Buda diz “Vimalakirti está doente e quero que alguém vá lá apresentar os meus respeitos e perguntar como ele está”. A sanga começa a relatar por que não quer ir e não sente vontade de encontrá-lo, uma vez que integrantes passaram vergonha com Vimalakirti em situações anteriores e cada um começa a contar o que passou. O único que aceita vê-lo é Manjushri, o bodisatva da sabedoria, e o diálogo entre eles é Prajnaparamita puro.
Tem passagens hilárias, como quando há uma grande assembleia no quarto de Vimalakirti, com trinta e dois mil bodisatvas e milhares de ouvintes, e Shariputra questiona uma deusa celestial por estar em um corpo de mulher, que não seria adequado para a iluminação. Ele pergunta “quando é que você vai se manifestar em um corpo masculino para se iluminar?” e, subitamente, essa deusa de grande realização troca de corpo com ele. Isso é muito interessante no aspecto de mostrar não haver a menor diferença no potencial para a iluminação entre o sexo masculino e feminino. O budismo tem um pouco essa distorção por incompreensão, porque os Sutras são muito claros.
Durante todo o tempo, também se fala desse aspecto inconcebível da realidade: como podem caber tantos seres em um quarto? Pela lógica dualista não é possível. Mas aqueles que realizaram a vacuidade não têm mais qualquer fixação, tamanho, dimensão, espaço, tempo. É um Sutra que vai cortando todos os conceitos do samsara.
São vários os ensinamentos irados. Em uma passagem, Shariputra está sentado, meditando, e Vimalakirti aparece de repente e corta a meditação dele, dizendo “Shariputra, isso que você está fazendo não é a verdadeira meditação. A verdadeira meditação está além de estar meditando ou não estar meditando”.
Nem mesmo Maitreya escapou. Quando ele está dando ensinamentos no céu de Tushita, Vimalakirti aparece e fala, “Maitreya, você foi profetizado como sendo o próximo buda, então, o que é um buda? O buda realmente existe ou não existe? Você agora é ou não é?” Ele aperta todos os seres para verificar a realização deles da não dualidade.
Para Manjushri, ele diz “Manjushri, você vem sem vir e quando tiver ido nada se foi”. Vimalakirti vai interferindo assim, sempre levando os praticantes para a não dualidade, porque todos eles ainda estão praticando de alguma forma grosseira ou mais sutilmente dualista. Seus ensinamentos são como koans que quebram a nossa lógica conceitual.
Então, todo esse Sutra é um exercício lúdico de como tentar ver o Prajnaparamita em uma linguagem cheia de exemplos. Assim, ele apoia a compreensão do item cinco do Roteiro de 21 Itens, abordado pelo Lama Padma Samten, e nos auxilia a meditar sobre a vacuidade com exemplos de raciocínio e análise.
Vimalakirti também dá muitos exemplos de ação lúcida no mundo, que são as etapas finais desse roteiro. Ele está em todos os lugares: vai às casas de jogos, de prostituição, aos mercados, sempre com uma mente de ajudar os seres a se libertarem das suas prisões particulares. Ele também dá dicas e instruções sobre como agir com lucidez através dos meios hábeis. Como diz o Lama, o bodisatva, depois de realizar o Prajnaparamita e a presença, emana um corpo de elementos com as sabedorias e age em meio ao mundo.
Tem outros ensinamentos interessantes que se conectam ao que o Lama Samten ensina, como a purificação das terras búdicas. O Sutra aborda como a visão impura vê o mundo de forma problemática, cheio de dores, doenças e perigos, sendo isso o que o carma permite ver, enquanto um buda não vê nada disso, ele vê as aparências de forma pura.
Então, é um Sutra bem completo, lúdico, leve, divertido, acho que muita gente pode se beneficiar com esse ensinamento maravilhoso que se relaciona bem com o nosso tempo. É um texto para estudar a vida toda.
Para inscrever-se no curso que acontecerá presencialmente no CEBB Rio Preto e também online, pelo zoom, inscreva-se aqui.
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2 Comentários
Não há nada nisto tudo.
Moderação e julgamento mental.