O Sutra de Vimalakirti

O leigo que manifestou a sabedoria de um buda completamente iluminado


Por
Revisão: Cristiane Schardosim Martins
Edição: Carol Franchi
Entrevista por: Carol Franchi

Nos dias 06 e 07 de maio, Marcelo Nicolodi, tutor e aluno do Lama Padma Samten, conduzirá um estudo sobre o Sutra de Vimalakirti no CEBB Rio Preto. Esse Sutra, tão importante no budismo Mahayana, conta a história de um leigo, uma pessoa comum e mundana que manifesta a sabedoria de um buda completamente iluminado. A Bodisatva conversou com Marcelo para entender o contexto desse Sutra e a importância de sua contemplação nos dias de hoje.


O Sutra de Vimalakirti é um dos Sutras mais estudados na história do budismo, principalmente no chinês. Ele tem essa importância porque mostra um leigo que manifesta a sabedoria de um buda iluminado, diferente da maioria dos Sutras que abordam a iluminação de monges e monjas. E, na China, é dada grande importância a esse ideal do chefe de família, do pai e da mãe que praticavam o budismo em meio ao trabalho intenso que tinham que fazer.

O personagem deve ser considerado não apenas como uma figura histórica, mas como um modo de expressão do ensinamento. Quando lemos os Sutras Mahayana, nunca deveríamos pensar neles como histórias reais, com personagens reais que viveram em um ano específico. Eles são atemporais, são ensinamentos que servem para todos os éons e eras.

Vimalakirti foi um buda contemporâneo ao Buda Shakyamuni, completamente iluminado. Esse é um fato interessante, porque no Mahayana surge a ideia de múltiplos e infinitos budas simultâneos em todas as direções. No cânone Páli não há essa visão. O Mahayana introduz esse conceito mais amplo do buda como um fenômeno universal.

Acredita-se que o Sutra de Vimalakirti tenha surgido no século I depois de Cristo. Não é um dos Sutras mais antigos, mas também não é tardio. Ele aborda o Prajnaparamita e o terceiro giro da Roda do Darma¹, a noção de natureza de buda, os corpos do buda, as terras puras. Ele é muito completo.

Esse Sutra faz uma ponte para o veículo tântrico. Por isso os praticantes Vajrayana — o budismo tibetano — gostam tanto dele, porque o comportamento de Vimalakirti não é o de um bodisatva tradicional dos Sutras Mahayana, mas de um mestre de louca sabedoria, de um mestre tântrico. Ele interfere no comportamento de vários monges e bodisatvas e dá lições iradas no momento do acontecimento, ou seja, apontando toda a parcialidade que eles manifestam. Vimalakirti vem e corta de uma forma tântrica, com louca sabedoria mesmo.

O Sutra conta que o Buda diz “Vimalakirti está doente e quero que alguém vá lá apresentar os meus respeitos e perguntar como ele está”. A sanga começa a relatar por que não quer ir e não sente vontade de encontrá-lo, uma vez que integrantes passaram vergonha com Vimalakirti em situações anteriores e cada um começa a contar o que passou. O único que aceita vê-lo é Manjushri, o bodisatva da sabedoria, e o diálogo entre eles é Prajnaparamita puro.

Tem passagens hilárias, como quando há uma grande assembleia no quarto de Vimalakirti, com trinta e dois mil bodisatvas e milhares de ouvintes, e Shariputra questiona uma deusa celestial por estar em um corpo de mulher, que não seria adequado para a iluminação. Ele pergunta “quando é que você vai se manifestar em um corpo masculino para se iluminar?” e, subitamente, essa deusa de grande realização troca de corpo com ele. Isso é muito interessante no aspecto de mostrar não haver a menor diferença no potencial para a iluminação entre o sexo masculino e feminino. O budismo tem um pouco essa distorção por incompreensão, porque os Sutras são muito claros.

Durante todo o tempo, também se fala desse aspecto inconcebível da realidade: como podem caber tantos seres em um quarto? Pela lógica dualista não é possível. Mas aqueles que realizaram a vacuidade não têm mais qualquer fixação, tamanho, dimensão, espaço, tempo. É um Sutra que vai cortando todos os conceitos do samsara.

São vários os ensinamentos irados. Em uma passagem, Shariputra está sentado, meditando, e Vimalakirti aparece de repente e corta a meditação dele, dizendo “Shariputra, isso que você está fazendo não é a verdadeira meditação. A verdadeira meditação está além de estar meditando ou não estar meditando”.

Nem mesmo Maitreya escapou. Quando ele está dando ensinamentos no céu de Tushita, Vimalakirti aparece e fala, “Maitreya, você foi profetizado como sendo o próximo buda, então, o que é um buda? O buda realmente existe ou não existe? Você agora é ou não é?” Ele aperta todos os seres para verificar a realização deles da não dualidade.

Para Manjushri, ele diz “Manjushri, você vem sem vir e quando tiver ido nada se foi”. Vimalakirti vai interferindo assim, sempre levando os praticantes para a não dualidade, porque todos eles ainda estão praticando de alguma forma grosseira ou mais sutilmente dualista. Seus ensinamentos são como koans que quebram a nossa lógica conceitual.

Então, todo esse Sutra é um exercício lúdico de como tentar ver o Prajnaparamita em uma linguagem cheia de exemplos. Assim, ele apoia a compreensão do item cinco do Roteiro de 21 Itens, abordado pelo Lama Padma Samten, e nos auxilia a meditar sobre a vacuidade com exemplos de raciocínio e análise.

Vimalakirti também dá muitos exemplos de ação lúcida no mundo, que são as etapas finais desse roteiro. Ele está em todos os lugares: vai às casas de jogos, de prostituição, aos mercados, sempre com uma mente de ajudar os seres a se libertarem das suas prisões particulares. Ele também dá dicas e instruções sobre como agir com lucidez através dos meios hábeis. Como diz o Lama, o bodisatva, depois de realizar o Prajnaparamita e a presença, emana um corpo de elementos com as sabedorias e age em meio ao mundo.

O Sutra também é famoso por uma frase citada em muitos textos tibetanos, “meios hábeis sem sabedoria é prisão, escravidão; sabedoria sem meios hábeis também é prisão, escravidão”, fazendo uma alusão ao caminho do ouvinte que enfatiza mais a sabedoria no sentido de gerar uma compreensão da vacuidade do eu; e só os meios hábeis compassivos, sem a sabedoria da vacuidade, são samsáricos, dualistas.

Tem outros ensinamentos interessantes que se conectam ao que o Lama Samten ensina, como a purificação das terras búdicas. O Sutra aborda como a visão impura vê o mundo de forma problemática, cheio de dores, doenças e perigos, sendo isso o que o carma permite ver, enquanto um buda não vê nada disso, ele vê as aparências de forma pura.

Então, é um Sutra bem completo, lúdico, leve, divertido, acho que muita gente pode se beneficiar com esse ensinamento maravilhoso que se relaciona bem com o nosso tempo. É um texto para estudar a vida toda.

Para inscrever-se no curso que acontecerá presencialmente no CEBB Rio Preto e também online, pelo zoom, inscreva-se aqui.

Créditos de imagem: www.metmuseum.org
¹De acordo com o autor, o primeiro Giro da Roda do Darma é o conjunto de ensinamentos sobre a causalidade e que também mostra não haver identidades fixas pessoais, mas ainda há uma certa solidez no samsara. O segundo Giro são os Sutras do Prajnaparamita, que apresentam a vacuidade completa de todos os fenômenos, sem exceção. E o terceiro, são os Sutras sobre a natureza de Buda, as terras puras e as qualidades e sabedorias que o Buda manifesta.

 

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2 Comentários

  1. Não há nada nisto tudo.

  2. Moderação e julgamento mental.

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