Foto: Jonathan Borba

O universo como manifestação divina

O eco-teólogo Thomas Berry escreve sobre a necessidade de recuperar uma linguagem de maravilhamento com o mundo para podermos, finalmente, transformá-lo


Por
Revisão: Cristiane Schardosim Martins
Tradução: Gabriela de Abreu Silva

 Thomas Berry (1914 – 2009) foi um sacerdote católico, historiador cultural e eco-teólogo americano. Erudito em história ocidental e também um grande estudioso das culturas e religiões da Ásia, temas sobre os quais escreveu e lecionou, Berry ficou conhecido por buscar uma perspectiva mais ampla sobre a relação entre a humanidade e o planeta, unindo ecologia e diálogo entre as diversas tradições religiosas como forma de responder às crises ambientais e sociais dos nossos tempos. Entre suas obras mais conhecidas estão O sonho da terra (Vozes, 1991) e The Great Work: Our Way Into the Future (Harmony/Bell Tower, 1999, sem edição no Brasil). Esse texto é uma tradução do capítulo 11 de seu livro The Sacred Universe: Earth, Spirituality, and Religion in the Twenty-first Century, publicado em 2009 pela Columbia University Press. 


Este continente é o contexto imediato de nossas vidas. Falo primariamente sobre a América do Norte, não sobre o planeta ou sobre a natureza ou o mundo ou a criação. Talvez pudéssemos falar sobre o rio Mississippi, a região do Delta, o cipreste do pântano, os igarapés, a vida marinha que habita essa área, os carvalhos, os pinheiros. Nós também poderíamos falar sobre as maravilhas desta região do continente, tais como os pássaros que a habitam.

Os momentos maravilhosos de nossas vidas deveriam ser mais frequentes do que o são na civilização que criamos para nós mesmos. Os confortos de nossas vidas diminuíram a maravilha. Nós não apenas sentimos falta da dança da vida no planeta, mas também falhamos em ver esta dança no universo no qual nosso planeta Terra flutua – o sol, as estrelas do zodíaco, a galáxia da Via Láctea. As cerimônias religiosas de muitos povos do mundo estavam associadas aos vários fenômenos celestiais. Na China, a coordenação da gama inteira de atividades humanas era expressa de acordo com as configurações celestiais e a sequência das estações do ano. O período quando o calor retornava e tudo o que tinha entrado no reino da morte voltava à vida recebeu o nome de primavera. Primavera significa “irromper” – assim como rompemos ou explodimos em gargalhadas ou em choro quando nosso eu interior não pode mais ser contido.

O contexto cosmológico da vida ainda está conosco. A sequência dia-noite determina quando vivemos nossas vidas e realizamos aquelas funções necessárias para a sobrevivência. O plantio e a colheita ocorrem na estação apropriada. Quando escrevemos uma carta, indicamos o dia, o ano e o local onde isso está acontecendo. Nós estamos aqui agora porque o sol se moveu abaixo do horizonte e o mistério da noite nos envolveu. Este sempre foi o momento no qual os humanos se juntam ao redor da lareira e contam suas histórias. Este é o momento místico quando a Terra completou sua rotação em volta do sol. Neste momento de mudança cosmológica, pausamos para considerar os elementos básicos da existência. Reintegramo-nos com o universo ao nosso redor, o universo que até certo ponto foi distanciado durante o dia e agora tem que se reintegrar. Os seres vivos estão exaustos em sua energia física e precisam se restaurar. A maravilha da noite traz a quietude, a calma, a cura da febre do dia. 

Estamos situados no universo pelo nomear dos dias da semana e dos meses do ano. Essa orientação cosmológica é uma ligação de tempo para com os planetas e o sistema solar. Estes dias da semana são, portanto, diferentes qualitativamente, cada dia tendo sua própria mística ou poder espiritual associado a ele. A semana de sete dias foi inventada durante o período Babilônico e então adotada pelos Gregos e Romanos. Os dias foram designados desta maneira:

Domingo para o sol [1]

Segunda-feira para a lua [2]

Terça-feira para Marte: Tiu ou Tyr, deus Teutônico da guerra [3]

Quarta-feira para Mercúrio: Wodin [4]

Quinta-feira para Thor: Jove [5]

Sexta-feira para Vênus: Frigg, uma esposa de Odin [6]

Sábado para Saturno: Sabbath [7]

Os meses do ano também têm associações cosmológicas ou históricas: janeiro para Janus, o deus Romano identificado com portas e começos; Fevereiro é para Februa, uma festa Romana de purificação; Março, para Marte, o deus Romano da guerra; Abril, de uma referência Romana a Vênus; Maio, da deusa Romana Maia; Junho, de Juno, esposa de Júpiter, a rainha do céu e deusa da luz; Julho para Júlio César; Agosto de César Augusto. Os meses que fecham o ano são numerados: Setembro (sétimo), Outubro (oitavo), Novembro (nono) e Dezembro (décimo), já que o ano começava em Março.

A manhã é o início do dia. Ela é chamada de “nascer do sol”, pois ainda não mudamos nosso pensamento e nossa linguagem para refletir de maneira mais precisa a volta da Terra em direção ao sol, começando um novo ciclo dia-noite.  A manhã é o princípio, a energia, a vigília, o período de trabalho. A noite é o período de término e o aquietar da atividade, quando o mundo visível é penumbrado e as sombras caem sobre metade do planeta. É o momento em que os vaga-lumes aparecem e sinalizam com seus flashes momentâneos de luz. A noite também está associada a sonhos e à consciência aprofundada. Entretanto, criaturas noturnas emergem e mantêm as pulsações da vida continuando sem interrupção.

A história do mundo ocidental é a história de como os povos (cuja cultura foi moldada através da inspiração religiosa da Bíblia Hebraica, do Novo Testamento, do humanismo do mundo grego, do gênio político-jurídico dos romanos e um brilhante período medieval) ficaram tão fascinados com uma civilização secular, científica e industrial servindo às necessidades humanas limitadas, que estavam dispostos a devastar o planeta inteiro para os benefícios imediatos recebidos. O ataque deles à Terra tem sido tão violento nos tempos modernos, tanto às suas estruturas geológicas quanto às suas espécies vivas, que enfrentamos uma crise tremenda.

 Nós vemos esse ataque especialmente no continente norte-americano. Em apenas poucos séculos de ocupação, a Terra tornou-se extensamente arruinada em suas florestas, desolada em sua perda de espécies animais, diminuída na fertilidade de seu solo, tóxica em sua atmosfera, poluída em seus rios, diminuída na vida marinha que outrora florescia abundantemente ao redor de suas margens, e ameaçada por lixo radioativo sem meios de descarte.

Como isso tudo pode acontecer, permanece obscuro, embora pareça ter sido causado pela nossa explosão populacional, nosso poder tecnológico e nosso êxtase com a criação do mundo industrial. O que é especialmente difícil de explicar é que essa relação destrutiva com o planeta Terra se tornou tão institucionalizada, tão integrada na estrutura cultural e funcionamento do planeta, tão integral com seus princípios legais e tão enraizada na vida educacional do jardim de infância à universidade e educação profissional que se tornou uma cultura de tecnologia com pouca referência aos sistemas naturais. Esta nova situação é tão inerente às estruturas culturais que parece ser a consequência inevitável dos estabelecimentos religiosos, políticos, educacionais, éticos e econômicos dos povos ocidentais.

Estamos cientes das dificuldades que têm ocorrido nas relações humanas com a Terra. Mas estamos especialmente preocupados com o fato de que o relacionamento se tornou obsessivo, generalizado e resistente a remédios. Esta obsessão pode ser remontada a estes mesmos elementos orientadores. A situação foi aceita tão facilmente pelas instituições religiosas, que raramente algum protesto é ouvido dessas fontes. Além disso, as instituições jurídicas são partes tão integrantes do empreendimento comercial que faculdades de direito ensinam os princípios que permitem essas violações ao planeta. Que a história da civilização ocidental ainda seja ensinada como o caminho para a realização da personalidade humana, que o ser humano ainda presuma que, quanto maior a exploração do mundo natural, maior será a satisfação experimentada por sua população humana, que nestes primeiros anos do século XXI, o Congresso dos Estados Unidos tenha rejeitado até mesmo as menores realizações na direção de retificar esta situação – todas estas são causas para preocupação.

Também é motivo de reflexão que escolas de administração ainda fomentem a exploração mais larga dos sistemas naturais do planeta. O fato de que biólogos ainda estejam promovendo a perturbação dos sistemas de vida naturais através da engenharia genética, na convicção de que podem remediar as desordens das atuais formas de vida no planeta é perturbador. O fato de os direitos dos modos naturais de ser não serem reconhecidos pelos estabelecimentos humanos numa escala global é outro motivo para preocupação.

Os cientistas estão em contato imediato com os fenômenos do mundo natural. Os astrônomos observam as estrelas de modo a aprender suas medidas físicas para o benefício dos humanos. Eles se parabenizam por serem capazes de traçar tantos fenômenos naturais por meio de seus telescópios, mas entram em uma comunhão tão limitada que, frequentemente, perdem a possibilidade de um relacionamento dinâmico.

Thomas Berry (1914-2009). Foto: Lou Niznik

A analogia é a chave para toda a comunhão humana com o não-humano, seja o mundo divino ou natural. O divino tem modos de falar que não são os mesmos dos humanos. Assim também ocorre com os fenômenos naturais que têm maneiras de falar que não são a linguagem humana. O esforço para reduzir toda a sabedoria a uma linguagem unívoca é um erro ou falha primária dos nossos tempos. Pensar que os vários fenômenos naturais, como as estrelas, não falam conosco, é romper com os sistemas naturais. Da mesma forma, pensar que o divino não fala conosco também é um erro. Nos  tempos ancestrais, esta quebra ou separação entre a linguagem humana e a linguagem dos outros fenômenos naturais não era evidente. Este sentido de linguagem humana/não humana retorna ao fato de que o divino se comunica conosco, essencialmente, através das linguagens do mundo natural. Não ouvir o mundo natural é não ouvir o divino. Parte da dificuldade de não ouvir a linguagem do mundo natural é que limitamos nossa compreensão do discurso às pessoas, não à própria natureza. As pessoas falam; a natureza não, exceto aos poetas. Uma “pessoa” é definida como um ser humano vivo em oposição a um animal não humano ou a uma coisa inanimada. Um senso de personalidade como um modo distinto de ser é identificado com um modo humano de consciência e com o uso da linguagem para se comunicar. 

A linguagem humana surgiu, contudo, não apenas como meio de sintonia entre as pessoas, mas também entre os humanos e o mundo natural. A crença de que o discurso significativo é uma propriedade puramente humana era inteiramente estranha às comunidades orais que primeiro desenvolveram nossas várias maneiras de falar. Ao manter tal crença hoje, podemos muito bem estar inibindo a função básica da linguagem. Ao negar que os pássaros e os outros animais têm suas próprias maneiras de comunicação, ao insistir que o rio não tem voz real e que o próprio solo é mudo, nós sufocamos nossa experiência direta. Nós nos isolamos dos significados profundos em muitas de nossas palavras, amputando nossa própria linguagem daquilo que a apoia e sustenta. Então, ficamos imaginando o motivo pelo qual frequentemente somos incapazes de nos comunicar até mesmo entre nós. Precisamos de poetas e artistas para restaurar esta linguagem esquecida.

Ecologicamente, não são fundamentalmente nossas declarações verbais que são “verdadeiras” ou “falsas”, mas sim o tipo de relações que sustentamos com o resto da natureza. Uma comunidade humana que vive em uma relação mutuamente benéfica com a Terra ao redor é uma comunidade, poderíamos dizer, que vive em verdade. As formas de falar comuns a essa comunidade – as reivindicações e crenças que permitem que tal reciprocidade se perpetue – são, neste importante sentido, verdadeiras. Elas estão de acordo com a relação correta entre essas pessoas e seu mundo. Enquanto isso, afirmações e crenças que encorajam a violência contra as terras – modos de falar que permitem o dano ou a ruína do campo de seres circundantes – podem ser descritas como falsas, porque encorajam uma relação insustentável com a Terra que os cerca. Uma civilização que implacavelmente destrói a terra viva que habita não está bem familiarizada com aquela terra, não importa quantos supostos fatos ela tenha acumulado a respeito de suas propriedades calculáveis.

Precisamos estabelecer uma conexão entre o divino, o natural e o humano. Cada um destes três tem sua própria linguagem. Precisamos entender que o locus do encontro do humano e do divino está no mundo natural. A voz do mundo natural é a ressonância da voz divina. Aqui o humano entra na ordem divina, uma vez que o divino em si mesmo não é diretamente acessível à inteligência ou à compreensão humana. O humano em sua própria estrutura e funcionamento também é uma manifestação divina. Mas uma ativação interna do divino não é possível pelos humanos sozinhos. Nós precisamos do mundo exterior para ativar o mundo interior do humano.

Já disse muitas vezes que a maravilha e a beleza do mundo natural é a única maneira pela qual podemos nos salvar. Agora mesmo estamos perdendo nosso mundo de significado em virtude da destruição do mundo natural no qual o divino fala conosco. Quanto mais estivermos absorvidos dentro de nossos próprios egos, menos competentes nos tornamos em nossos padrões de comunicação com o mundo exterior. Na mesma proporção, mais nos atrofiamos em nosso mundo interior.

A proibição bíblica contra a comunicação com falsos deuses tornou-se uma forma de dissolver nossos relacionamentos com os poderes do mundo não humano ao nosso redor. Ela diminuiu nossa capacidade de entrar naquele mundo, onde o divino é manifestado de maneiras tão significativas.

Em qualquer lugar da Terra, despertamos para nós mesmos em meio a um cenário memorável, seja nas exuberantes florestas da Amazônia, no Monte Kilimanjaro na África, nas selvas da Indonésia ou nas margens do Lago Baikal na Sibéria. Em Nova Orleans, onde o grande vale central do continente norte-americano se transforma na sua região de delta, lá estão o rio, os igarapés, o fluxo do ar quente, a variedade da vegetação, o vento em nossos rostos, a visão e a audição e a sensação do calor do dia e do friozinho da noite, tudo isto nos trazendo para dentro de uma intimidade com o mundo exterior.

A única maneira de falar sobre o universo é falar dos imediatismos sobre nós. Embora nosso entorno seja íntimo, parecemos estar constantemente nos defendendo dele. Falamos em conquistar o mundo natural. Nos grandes centros urbanos de nosso mundo moderno, não iniciamos as crianças nos mistérios da biorregião no seu entorno; em vez disso, as colocamos em uma sala de aula e insistimos que se tornem alfabetizadas, para ler o que os humanos escreveram. Falamos da tradição ocidental, das tradições religiosas, das tradições culturais, das tradições políticas, das tradições científicas. As tradições humanas são tudo.

Muito embora dependamos do aprendizado tradicional para qualquer interpretação integral da experiência, também precisamos do imediatismo da experiência. A dificuldade está em estar alienado da experiência primordial. Ter a interpretação sem a experiência é a dificuldade atual. Estamos alienados do imediatismo com a comunidade natural circundante à qual nós pertencemos e que está constantemente se comunicando conosco. Porque vivemos em um ambiente feito pelo homem, o desafio é como manter este imediatismo com o mundo natural e estabelecer uma sabedoria tradicional que aprofunde nossa compreensão da experiência.

A religião tem sua origem aqui no profundo mistério do que vemos, ouvimos, tocamos, saboreamos e apreciamos. Quanto mais uma pessoa pensa no número infinito de atividades inter-relacionadas ocorrendo em todo o mundo natural, mais misterioso tudo se torna – quanto mais significado uma pessoa encontra no desabrochar dos lírios em maio, mais impressionada uma pessoa poderia ficar ao simplesmente observar um pequeno trecho de pradaria. Enquanto, às vezes, ansiamos pela experiência avassaladora das montanhas ocidentais, a imensidão ou o poder dos oceanos, ou mesmo a magnificência severa do campo desértico, também podemos nos deleitar com o pequeno riacho que flui sob os galhos pendentes de salgueiro ou a visão do céu ao pôr do sol.

 Tais experiências estavam mais disponíveis antes de entrarmos no modo de vida industrial, com, por exemplo, nossas luzes elétricas, que não nos permitem experimentar a noite nas profundezas de seu mistério ou o céu estrelado em qualquer contexto reflexivo. Em tempos ancestrais, o universo, como manifestação de alguma grandeza primordial, era reconhecido como o último referencial em qualquer compreensão humana do mundo magnífico e temível que nos cerca. Todo ser alcançou sua identidade completa através de seu alinhamento com o próprio universo.

Os povos indígenas do continente norte-americano situavam todas as atividades formais em relação às seis direções do universo, aos quatro pontos cardeais combinados com os céus acima e a Terra abaixo. Só assim qualquer atividade humana poderia ser inteiramente validada.

Geralmente eu falo sobre uma intimidade completamente maravilhada com o planeta Terra, com o sol, a lua, as estrelas e, finalmente, com o universo inteiro. Aqui estou eu focando na nossa presença no continente norte-americano. Na maior parte, nós que residimos neste continente viemos de outras partes do planeta, da Europa, África e Ásia.

Como humanos, funcionamos diferentemente de outras espécies vivas, que são determinadas em seus padrões de vida e em sua associação entre si e com outras espécies e têm muito menos daquele desenvolvimento psíquico que identificamos como consciência humana. O código genético das espécies não humanas estabelece seus padrões internos de consciência, suas capacidades para adquirir seu alimento, seus padrões de acasalamento, suas estruturas sociais e seus métodos de comunicação. Algumas espécies têm processos de aculturação extensos que constituem um comportamento aprendido: os ursos precisam ser ensinados quanto à sua capacidade de pesca e os insetos tais como as abelhas que executam processos notáveis para produzir mel.

O que temos aprendido durante estas últimas décadas a respeito dos insights especiais, das habilidades funcionais e dos modos de consciência de várias espécies animais é excepcional. Falo especialmente do trabalho de Jane Goodall entre os primatas, particularmente os chimpanzés. Através do trabalho dela e de outras pessoas, estamos descobrindo que o poder da comunicação recíproca no mundo animal é muito maior do que pensávamos previamente.

Os estudos científicos do universo têm nos dado informações impressionantes sobre a estrutura e o surgimento do universo. Embora saibamos cada vez mais sobre o universo e seus processos evolucionários, temos menos intimidade com ele. Nós não celebramos o universo. Ele perdeu suas dimensões místicas para nós.

Vivemos em um mundo menos significativo do que aqueles que nos precederam – certamente menos significativo do que outras civilizações que tiveram muito menos informações sobre o universo. Realmente, uma das declarações mais impactantes sobre o universo é a reflexão de Steven Weinberg na conclusão de seu livro Os Primeiros Três Minutos: Uma Visão Moderna da Origem do Universo. Lá ele nos conta que, quanto mais sabemos sobre o universo, mais sem sentido ele parece ser.

Quão diferente é isso do poeta William Blake (1757-1827), que perguntou: O que você vê quando olha para a paisagem? Você simplesmente vê o sol nascendo ou vê o impulso flamejante do profundo mistério do universo?

Lembro-me de participar de um Fórum Global em Oxford em 1988, no qual cerca de duzentos cientistas, pensadores religiosos e representantes políticos se reuniram para discutir o futuro do planeta e sua relação com a comunidade humana. Atrás do pódio dos palestrantes havia uma reprodução ampliada da fotografia do planeta Terra como visto do espaço – um globo azul e branco navegando na escuridão majestosamente.

No entanto, um dos membros mais proeminentes do simpósio observou para mim, com uma certa preocupação, que este não era o planeta Terra significativo de maneira alguma. Isso foi tudo o que ele disse. Fiquei um tanto intrigado no início com o que ele possivelmente poderia ter querido dizer. Então me ocorreu que era o próprio esplendor físico da Terra, conforme apresentado, que de alguma forma ele achou inadequado. Ela não apresentou a alma do planeta. Não mostrou as gramíneas, flores ou prados do planeta; não mostrou desertos, florestas tropicais, rios, lagos ou vegetação. Não havia árvores, pássaros voando ou borboletas e nenhum animal se movendo sobre as planícies ou através das florestas. Em vez disso, era um mármore colorido pendurado no céu, uma pequena esfera igual à que costumávamos usar para brincar nos jogos da infância. Esta foto mostrava a Terra de uma forma tão fascinante que distraía dos aspectos mais particulares do planeta e, portanto, das implicações adicionais da natureza e estrutura e funcionamento do próprio universo.

É verdadeiramente surpreendente que tenhamos um entendimento tão amplo do funcionamento do universo, que conheçamos a Terra e seus biossistemas e os mistérios da codificação genética, que possamos manipular a Terra e os organismos biológicos tão extensivamente, que possamos lidar com a eletrônica e a microengenharia no nível atômico, e que possamos criar programas de comunicação tão incríveis. No entanto, em tudo isto há algo que nos escapa. Há algo completamente fora de proporção, já que nosso conhecimento não levou a uma expansão de nosso sentimento emocional, nossa apreciação estética ou nosso senso do sagrado. Nem aumentou nosso maravilhamento.

Aprendemos tanto sobre Deus por meio de nossas escrituras e tradições teológicas e religiosas que, de alguma forma, perdemos nosso senso de maravilhamento. Parecia que tínhamos o controle de Deus. Deus ficou reduzido às nossas ideias de Deus, e a fé em Deus tornou-se um compromisso estéril de nossa parte.

Algumas exceções são, é claro, os livros de Fyodor Dostoyevsky (1821-1881), os poetas românticos e a poesia de T. S. Eliot (1888-1965). Há um sentido do sagrado em relação ao universo nos escritores naturalistas, especialmente em John Muir (1838-1914) e Henry David Thoreau (1817-1862), e com muitos escritores da natureza no presente. Rachel Carson (1907-1964) nos despertou para uma noção do mistério das coisas em seu livro A Sense of Wonder (nt: Um Sentido de Deslumbramento, em tradução livre). Embora seja verdade que a música de Beethoven, Bach, Mozart, Handel, Haydn e Bruckner carregava intensa expressão religiosa, esta música estava dissociada da vida religiosa formal da sociedade. Ela foi, em grande parte, relegada às salas de concertos, ao invés da capela.

Maravilhamento é aquilo que desperta reverência, espanto, surpresa ou admiração: um assombro, um sentimento de glória. A glória é descrita por São Tomás como clara notizia cum laude: conhecimento claro com louvor; expressar forte aprovação ou admiração por; aplaudir, enaltecer, elogiar; exaltar. Este é o grande desafio do ser humano no momento – recuperar a linguagem de maravilhamento e de louvor. Então, podemos dar expressão à profunda reciprocidade e conexão no coração do universo. Desta forma, podemos enfrentar o desafio imenso de restaurar nosso mundo.

 


[1] NT: “Sunday”, do inglês “Sun”: Sol e “Day”: Dia.

[2] NT: “Monday”, do inglês “Moon”: Lua e “Day”: Dia.

[3] NT: “Tuesday”, do inglês “Tues”: de Tiu e “Day”: Dia.

[4] NT: “Wednesday”, do inglês “Wednes”: de Wodin e “Day”: Dia.

[5] NT: “Thursday”, do inglês “Thurs”: de Thor e “Day”: Dia.

[6] NT: “Friday”, do inglês “Fri”: de Frigg e “Day”: Dia.

[7] NT: “Saturday”, do inglês “Satur”: Saturno e “Day”: Dia.

 

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2 Comentários

  1. Helan A. Cardozo disse:

    Sensacional! Gostaria de conhecer melhor as obras do Thomas Berry, especialmente aquelas relacionadas à ecologia. Saberiam informar onde posso conseguir?

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