“Fire Within” de Kazuaki Tanahashi

Ociosidade Criativa

Mil metas a serem cumpridas e constante falta de tempo? Neste segundo texto da série, Kaz Sensei explica como a ociosidade pode ser fundamental para se atingir uma vida mais plena


Por
Revisão: Tereza Raquel
Tradução: Jana Macedo

Nas vésperas da chegada de Kazuaki Tanahashi Sensei ao Brasil, a Bodisatva publicará três textos de sua autoria até o início de junho. Celebrando este encontro tão auspicioso organizado pelo Centro de Estudos Budistas Bodisatva (CEBB), faremos uma contagem regressiva especial: até a data de sua vinda, estaremos publicando um texto por semana do livro Painting Peace: Art in a Time of Global Crisis, no qual Kaz Sensei relata — através da prosa, da poesia, de cartas, dentre outros — histórias de uma vida dedicada à busca pela paz e pela justiça através da arte.

O primeiro texto, não por acaso, trata de sua profunda relação com os escritos do mestre Zen Dogen e da enorme influência que o fundador da escola Soto Zen produziu na sua vida e na sua arte. Com cerca de vinte anos, Kaz Sensei teve seu primeiro contato com os poemas e ensaios do mestre e, alguns anos depois, iniciou uma parceria com Soichi Nakamura para traduzi-los para o japonês moderno. Posteriormente, ao visitar o templo de Shunryu Suzuki nos Estados Unidos, Kaz inicia o processo de tradução de alguns destes textos para o inglês.

Kaz aterrissa em terras brasileiras no dia 1 de junho e permanece até o dia 25. Durante todo este período, ele oferecerá palestras, retiros e oficinas em diversas cidades. Confira a programação completa.

“A iluminação é descobrir o valor infinito de cada momento da sua vida e da vida dos outros seres, e permitir que tal realização permeie todas as nossas ações.”

—Kazuaki Tanahashi

Que este encontro beneficie a muitos!


A ideia geralmente tida sobre a ociosidade é contraproducente. Eu diria, no entanto, que em alguns casos, quanto mais ociosos formos, mais produtivos seremos.

Há tempos em que é bom ser lento e preguiçoso, especialmente quando existe muita pressão no nosso corpo e mente ao ponto de nosso coração sentir-se ameaçado. Na verdade, é imperativo desacelerar quando nosso corpo nos manda sinais de que o nível de stress está crítico.
No Japão, existe um ditado: “Longevidade é parte da arte”. Quanto mais saudáveis formos e vivermos, mais chance temos de criar e servir as pessoas.

Não é estranho sermos tão focados em nossas metas a ponto de não conseguirmos nos livrar do estado de ansiedade até conseguirmos o que queremos? Os passos para alcançar o objetivo permanecem parciais enquanto o objetivo não for alcançado, então uma necessidade de completude domina nossa vida.

No meu livro Brush Mind, aponto que: “Ser preguiçoso é um trabalho árduo, mas alguém tem de fazê-lo. Pessoas do mundo da industrialização constroem indústrias. Pessoas preguiçosas constroem civilizações”.

Eu tomo isso como um lembrete para mim mesmo que, junto com o resto do mundo, precisa desacelerar. Se gostássemos tanto de trabalhar a ponto de esquecermos de parar, nossa saúde ficaria comprometida. Aqueles que são naturalmente preguiçosos não precisam desse lembrete, mas os workaholics deveriam experimentar.

A caligrafia do Leste Asiático é a principal arte que pratico e ensino. A caligrafia ideográfica tem sido muito utilizada pelos chineses, vietnamitas, coreanos e japoneses. Alguns caligrafistas chineses são particularmente conhecidos pelas suas pinceladas meditativas que se assemelham aos movimentos suaves do Tai Chi, arte marcial tradicional chinesa. Você poderá achar útil seguir este tipo de prática artística.

Kaz Sensei

Quando você tentar mover lentamente o pincel pela primeira vez, poderá achar difícil manter o controle do movimento. Você poderá também sentir um certo conflito. Parte de você vai querer desacelerar. Por outro lado, você poderá experimentar um sentimento de urgência, de retornar ao seu modo usual de fazer as coisas rapidamente para terminar o desenho e tirá-lo do caminho.

No entanto, com tempo e prática, você poderá se acostumar ao ritmo mais relaxado, ficando atento a cada variação sutil do movimento do pincel e sua relação com seu corpo e mente. Você pode até começar a amar a prática e curtir cada pincelada. Cada linha, como cada movimento que a originou, carrega uma infinitude e completude de si mesma.

Nenhuma linha que você desenhe necessita ser perfeita. Pelo contrário, você deve continuar desenhando linhas desajeitadas. Com certeza, aos poucos, você vai aprimorar suas linhas, e seria ilusório achar que vai ficar experiente de repente. Assim, mesmo que a linha seja imperfeita ou não pareça bem, o ato de desenhar uma linha é completo. Independente da aparência do produto, nós nos tornamos livres do sofrimento de ter que realizar ou criar algo perfeito.

Se a vida é ter um objetivo, assim que ele é alcançado, outro objetivo aparece. Na maior parte do tempo, nós ficamos ansiosos por cumprir objetivos. No entanto, se começarmos a aproveitar cada passo do caminho, ele se torna um objetivo. Assim, nós podemos melhorar bastante o estado de relaxamento e a profundidade da nossa vida.

Meditação é uma forma excelente de nos ajudar a aproveitar um ritmo mais lento e se ocupar menos. A prática de uma arte meditativa, como ioga, cerimônia do chá, artes marciais, pode nos trazer benefícios similares.

Ociosidade não significa fazer nada e sim fazer menos. Ela também pode significar ser efetivo. Como eu gosto de dizer: “Estou muito preguiçoso para ser inefetivo”.

Quando você tem um projeto grandioso ou quando há uma crise, você pode querer agir imediatamente. Mas, é possível que seja mais sábio escolher não fazer nada por um tempo e contemplar a melhor forma de lidar com a situação. Neste caso, praticar a ‘não-ação’ pode ser a melhor ação a ser tomada. A ‘não-ação’ contém infinitas possibilidades de ação.

O estudo do Aikido, desde minha juventude, por meio do seu fundador, Morihei Ueshiba, tem sido minha fundação para a prática da meditação ativa. Como já mencionei, ele sentava reto no chão de madeira do pequeno dojô e pedia que o empurrássemos com toda força. Ao invés de ser empurrado para o chão, ele relaxava, sorria e absorvia todos os empurrões.

Naquele momento, nos mostrava o poder do relaxamento físico e mental. Recentemente, passados cinquenta anos que tive essas aulas, entendi que ele estava demonstrando o segredo mais profundo das artes marciais: o poder de se manter imóvel.

No Aikido, alguns movimentos são espetaculares – jogando um oponente no ar sem qualquer toque, ou derrubando diversos oponentes com um movimento de virada. Nós, estudantes, estávamos testemunhando, dia após dia, aquelas manobras mágicas. Eu havia negligenciado o significado do mestre permanecer sentado imóvel no chão.

Ueshiba me ensinou o valor do movimento e da imobilidade. Movimento é toda ação que realizamos em nossas vidas. Imobilidade significa um completo aterramento. Não é a ausência de movimento, mas seu alicerce. Movimento e imobilidade – ocupação e ociosidade – são igualmente importantes. E, porque a maioria de nós somos ocupados o tempo todo e ignoramos a ociosidade, em determinados momentos, é muito benéfico cultivar a ociosidade.

“Life” de Kazuaki Tanahashi

Uma vez, convidaram-me para participar de uma conferência sobre paz. Um tempo antes da conferência começar, conheci a pessoa que me convidou e, após tratar dos preparativos, perguntei a ela: “Você está se divertindo?”. Ela disse: “Não, eu tenho tanta coisa para fazer. Não tenho tempo para aproveitar”. Eu apenas a observei.

Mais tarde, ela pensou sobre a nossa conversa e se deu conta de que não era bom o fato de não estar se divertindo com a organização de uma das principais realizações da sua vida. Então, ela e seu marido tiraram uma semana de férias para descansar em uma pequena ilha grega. Fiquei impressionado com a serenidade e graça com que conduziu a conferência.

Quando meus colegas e eu estávamos totalmente engajados no trabalho do Futuro sem Plutônio, eu dizia: “O que há de mais importante no nosso trabalho é quão bem cada um de nós está e o quanto estamos aproveitando nosso trabalho. Se ficarmos doentes, não poderemos trabalhar. Se não gostarmos do que fazemos, devemos fazer algo diferente”. Isto pode parecer um tanto autocentrado, mas, na verdade, é uma forma de tornar menos autocentrado, centrando-se em torno da ociosidade. O poder de fazer nada é incrível. Você pode pensar: ler, ver televisão ou fazer uma prática de meditação é não fazer nada. Na verdade, o fazer nada pode estar além dessas coisas.

Suponha que você está numa cabana nas montanhas e não faça nada a não ser beber água, comer, fazer exercícios, tomar notas. Você poderá ficar com receio de se entediar. Sim, você se entediará com certeza. Mas lembre-se: Tédio é uma ótima companhia para a ociosidade. Todos os pensamentos criativos e ações vieram de momentos de puro tédio.

Alguns de vocês podem ser tão preguiçosos e nem ir a uma cabana nas montanhas. Neste caso, tente praticar a ociosidade no aeroporto ou num trem. É garantido o sucesso, contanto que não perca o avião ou esqueça sua mala na estação de trem.

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4 Comentários

  1. Rafael Cavalheiro Espindola disse:

    Ótimo pensamento! Obrigado pelas observações. Estava precisando de um elnto quanto a este tema. Na sociedade moderna a impressão é que estamos sempre faltosos de alguma coisa.

  2. Shirley disse:

    Adorei o artigo e tem mto a haver comigo, e lido mto bem com esse meu jeito de levar a vida assim, hehehe… Só q esse é o meu olhar, os dos outros… lógico q não é, não me entendem…
    alguns poucos, hehehe… mas sou feliz assim!

  3. Fernanda Terra disse:

    Gostaria de ler o primeiro texto publicado. Como fazer?

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