Pílulas de empatia para cura do coração

Recomendamos o uso indiscriminado dessas histórias


Por
Revisão: Dirlene Ribeiro Martins
Edição: Elise Bozzetto

“O que posso fazer para aliviar dores e sofrimentos de tantas pessoas? E a primeira resposta que ouvi foi eco. Várias pessoas estavam se interrogando da mesma maneira. Então pensei: vamos nos juntar!” Carmem Zamora, do Instituto Caminho do Meio, se fez este questionamento em abril deste ano. Hoje, o Banco de Alimentos estruturado por uma rede de organizações parceiras distribui ingredientes como farinha, arroz, feijão, milho, frutas e verduras frescas sem agrotóxicos para população vulnerável no Rio Grande do Sul. Entre eles, a aldeia Mbyá, em Camaquã, grupos vulneráveis de transexuais e travestis e pessoas em situação de rua, em Porto Alegre. Conheça essa e outras histórias que inspiram e aquecem nossos corações.


 

Os ensinamentos clássicos budistas nos oferecem uma oportunidade de desenvolver uma visão de mundo por meio da qual é possível atuar com lucidez e operar a partir de inteligências coletivas e estruturas auto-organizadas. Lama Padma Samten afirma que o budismo nos traz a liberdade de ver a realidade como uma “faísca atmosférica, uma névoa”. 

 

Entenda que a realidade é muito mais ampla que as aparências e confie na lucidez dos mestres iluminados de todas as tradições. Compreenda os ensinamentos das Quatro Nobres Verdades apresentados pelo Buda. Entenda que a liberação do sofrimento é possível para quem tiver um coração amplo, mesmo que não compreenda os ensinamentos.

Lama Padma Samten https://www.acaoparamita.com.br/mettabhavana-para-todos-os-seres/

 

Praticar bodicita nos coloca mais próximos da mente lúcida. A empatia cultivada também vem sendo pesquisada por neurocientistas, como Roman Krznaric, da Universidade de Stanford. Em seu livro O Poder da Empatia, ele afirma que o ser humano é único por ser equipado de um cérebro para a conexão social. Após ter pesquisado o tema da empatia por doze anos, ele aponta que é necessário estabelecer um regime de prática de empatia na vida, baseada em simples exercícios, para que ela possa ser despertada. 

 

A pandemia se tornou esse gatilho de empatia pelo mundo, que trouxe mais do que motivos e oportunidades para pôr em prática o que sabemos que é necessário fazer. Diversas iniciativas surgiram em todo o mundo, e aqui reunimos algumas que despontaram pelo país. Pessoas comuns, com coração aberto na prática de bodicita, se organizaram e transformaram as realidades ao seu redor. 

 

Banco de Alimentos Caminho do Meio

 

Carmem Zamora, do CEBB Caminho do Meio, começou em março a pesquisar como funcionavam os bancos de alimentos e a importância de garantir a segurança alimentar das pessoas, tendo por base itens agroecológicos. Mesmo enfrentando diversas dificuldades para estruturar o Banco de Alimentos, contou com muita ajuda no caminho. Encontrou parceiros como a ONG Igualdade RS, representada por Bruna Torres e Simone Ávila, dedicada a proteger os direitos da população LGBTQIA. Outra ajuda veio do Projeto Zero Fome nas Ruas, conduzido pela Jannice Pacheco, além do Boca Orgânicos, dos parceiros Iara e Deivid. “Com base no ativismo de defesa dos povos originários, que sempre existiu na Aldeia CEBB, conseguimos atender a pedidos de lideranças indígenas como a cacique Julia, do povo Guarani de Maquiné, e nosso movimento não tem data para acabar. Funcionamos por sonhos coletivos e autogestão, o que significa que nossas vidas se complementam e que ninguém manda em ninguém. Dependemos unicamente da nossa compaixão para seguir adiante”, conta Carmem.

 

No Cerrado, uma ação voltada à comunidade

 

Em meados de abril, o movimento Ação Chapada Solidária surgiu em Alto Paraíso (GO). A pandemia trouxe diversos desafios para a região, principalmente pelo fato de ser um local voltado para o turismo, que foi reduzido com o fechamento dos estabelecimentos. Participantes da Sanga do Cebb Alto Paraíso organizaram-se em torno de uma rede de entidades, formada por diversas organizações e colaboradores voluntários da região, com o objetivo de enfrentar os impactos socioeconômicos. 

 

A mobilização inicial da rede bateu sua primeira meta de arrecadação em apenas quatro dias: por meio de uma campanha pela internet, foram levantados R$ 44 mil para a aquisição de 350 cestas básicas Até o momento, já arrecadaram cerca de R$ 260 mil em doações e adquiriram mais de 2 mil cestas solidárias de alimentos e materiais de higiene e limpeza, beneficiando mais de 7.800 pessoas. 

 

A iniciativa também apoia a economia local, incluindo nas cestas básicas produtos dos agricultores de alimentos orgânicos da região. A Ação Chapada Solidária é coordenada por dez instituições: o Instituto Caminho do Meio, a Rede Contra o Fogo, a Associação de Amigos do Parque da Chapada dos Veadeiros, a Associação Comunitária da Vila de São Jorge (Asjor), o Instituto Biorregional do Cerrado (IBC), o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), a Associação de Guias da Chapada dos Veadeiros (Servitur Ecoturismo), a Rede de Integração Verde (RIV), a Associação Veadeiros e o Instituto Ideal. 

 

A rede conta ainda com a participação de diversas outras entidades parceiras e colaboradores voluntários, além da Secretaria Municipal da Rede de Proteção Social da Prefeitura Municipal de Alto Paraíso. São quase 30 toneladas de alimentos e itens de higiene, cujo apoio na distribuição depende da articulação com poderes públicos locais, uma vez que são os assistentes sociais e profissionais de saúde do CRAS que conhecem de perto a população e seus problemas. A Polícia Militar e empresários locais também têm cooperado ativamente em toda a logística.

 

Outra iniciativa da rede foi a entrega de material de leitura para crianças e jovens a partir da doação de livros infanto-juvenis. A inspiração veio do Aniversário Solidário da Sarinha, que celebrou seus 5 anos arrecadando livros e materiais de desenho, entre outros itens, para serem distribuídos às famílias com crianças. Estima-se que mais de 100

crianças serão beneficiadas com os kits de leitura e desenho. O Instituto Caminho do Meio (ICMAP) também começou uma campanha de arrecadação de material escolar e leitura nas cidades de Goiânia, Brasília e Alto Paraíso.

 

A Ação também garantiu mais de 300 cestas solidárias para mais de 40 mulheres gestantes, no puerpério ou em período de amamentação participantes do Projeto Meninas de Luz/Semente Amarela do ICMAP. Além disso, a Chapada Solidária foi convidada pela Prefeitura para integrar o Comitê de Emergência que define cenários de riscos no contexto da pandemia na cidade, quando puderam indicar prioridades de atuação da Câmara Temática de Saúde para contenção da onda de contágio na região. 

 

Escola Caminho do Meio: Castelinho de braços abertos

 

Conhecido como “Seu Valter”, o professor de marcenaria ficou sem poder exercer suas atividades durante a quarentena e sentiu necessidade de fazer alguma coisa que envolvesse outras pessoas. Assim, surgiu a ideia de produzir brinquedos de madeira para oferecer aos moradores do Castelinho (Jardim Castelo), em Viamão – RS, Vila Augusta, às crianças do CEBB, dentre outros. A ideia era inicialmente envolver os jovens que trabalhavam com ele na marcenaria e que não haviam arrumado outra atividade. Porém, logo sentiu que iriam faltar pernas para fazer os kit e chamou outras pessoas da vizinhança que poderiam ajudar na montagem de pequenos brinquedos. 

 

Várias pessoas manifestaram interesse em ajudar: professores, pais e mães, vizinhos. Assim, Seu Valter e este coletivo começaram a produzir kits de brinquedos. Ele passava as orientações por vídeo de como montar os brinquedos e distribuía o kits de peças para montagem, onde dividia por pessoas ou grupos de voluntários. Depois de prontos, os brinquedos voltavam para sua casa e seguiam para a oficina.

 

Para seu Valter, a experiência foi como se sentir útil por ser capaz de produzir e servir de ponte para que outros pudessem estar envolvidos também. Ele viu florescer nas pessoas a alegria de voltar a se sentir produtivo de alguma forma, pois algumas perderam ou foram afastadas de suas funções laborais, bem como a satisfação  de fazer algo pelo e para o outro, sem se preocupar em ter algo em troca.

 

Alessandra, da Escola Caminho do Meio, que participou da iniciativa, conta que quando soube da ideia, mobilizou o grupo de educadoras da Escola e algumas pessoas que estavam em casa, por conta da pandemia. Logo, estava formado o grupo de mulheres inclusive moradoras do CEBB e algumas adolescentes e crianças que já tinham algum conhecimento das oficinas de marcenaria do Seu. Valter. 

 

Ela conta que a ideia a tocou em todos os sentidos, pois havia, no Seu Valter, a preocupação com o acesso excessivo às tecnologias pelas crianças no tempo livre durante a pandemia, e pela intensidade de informações às quais estas crianças estavam sendo expostas. Assim, comenta que “os brinquedos vieram como janelas para o lúdico, a criatividade e a liberdade de movimentos e interação. Se tinha a intenção de ajudar as crianças com o que sabe fazer de melhor, acabou atingindo a todos os envolvidos de muitas formas, uma terapia em grupo. Todos nos  sentimos vivos novamente de alguma forma. E de uma maneira tão linda que foi fazer algo pelo outro!”.

 

Seu Valter e Alessandra permanecem assim, conectados e com desejo de que o  projeto ainda possa atingir mais voluntários e produzir brinquedos a cada vez mais crianças de outras localidades.

 

Esta matéria seguirá em próximas edições trazendo mais “doses” de empatia para encher nossos corações. 

 

Nossa capacidade para empatia é nossa fonte mais preciosa de todas as qualidades, o que em tibetano é chamado de  ‘nying-je’. Nying-je quer dizer amor, afeição, gentileza, amorosidade, ternura, generosidade e cordialidade. Mais importante ainda, nying-je significa um sentimento de conexão com os outros e reflete sua origem na empatia”

Dalai Lama

 

“Our capacity for empathy is the source of that most precious of all qualities, which in Tibetan we call nying-je. Nying-je connotes love, affection, kindness, gentleness, generosity of spirit and warm-heartedness. But most importantly, nying-je denotes a feeling of connection with others and reflects its origins in empathy.” 

https://www.freepressjournal.in/cmcm/his-holiness-the-dalai-lama-speaks-about-compassion 

 

Referências:

Roman Krznaric,  O Poder da Empatia, 2020

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