Nossa busca por felicidade é como uma receita de bolo que nunca dá certo, mas na qual seguimos insistindo
Na contagem regressiva para os ensinamentos com a Ven. Robina Courtin, que acontecerão de 20 a 28 de junho, a Bodisatva está publicando uma série de textos de sua autoria. Neste, Robina nos ajuda a investigar com mais profundidade o que entendemos como “felicidade” e porque parece que estamos sempre seguindo a receita errada para encontrá-la.
Parece ser bem fácil deduzir que o que motiva todos nós, e até mesmo os animais, é o desejo instintivo de ser feliz e não sofrer. É isso que está por trás de todas as nossas ações e de todas as escolhas que fazemos.
Não há nada de errado com isso! Mas deveríamos nos perguntar por que, mesmo que tentemos com todas as forças, a felicidade duradoura – a realização, o contentamento, a alegria – parece ser tão fugaz. Vamos supor que alguém tenha me dado uma receita de bolo, mas a receita não deu certo. Seria sensato que eu tentasse de novo, seguindo todos os procedimentos com cuidado. Mas, se depois de algumas tentativas, a receita continuasse a não dar certo, eu naturalmente questionaria a receita, em vez de insistir em fazer todos aqueles procedimentos novamente.
O Buda sugere que tenhamos a mesma inteligência em relação à felicidade. Qual normalmente é a nossa receita para isso? Basicamente ter coisas boas: uma boa casa, um bom emprego, bons relacionamentos, um bom ambiente. Esse é o princípio padrão na mente de todos nós. Ele parece totalmente lógico.
No entanto, basta olhar superficialmente a vida de vários de nós que têm todas essas coisas boas, e até os que têm um excesso delas, para percebermos que não estão felizes, realizados, alegres, nem satisfeitos. Ainda assim, continuamos a seguir a mesma receita, incansavelmente, e nem paramos para questionar.
A visão do Buda sobre isso é tão simples que chega a constranger. Mas, por estarmos tão viciados nessa receita fracassada nem mesmo queremos parar para ouvir. Ele diz essencialmente – e isso ele descobriu pelas suas próprias experiências – que é aquilo que se passa na nossa mente que traz a felicidade ou mesmo o sofrimento. As coisas externas – as pessoas, os acontecimentos – são apenas os catalisadores.
O fato é que sabemos disso; observamos isso várias vezes na nossa vida. Num dia, acordamos muito felizes e, mesmo que várias coisas deem errado, elas não nos afetam tanto. No outro, acordamos ansiosos, deprimidos, e até mesmo se o dia estiver lindo, se as pessoas forem gentis, se a comida estiver deliciosa, não ficamos felizes.
Isso deveria nos surpreender! Deveria comprovar que a nossa velha receita de felicidade não funciona.
Então, o que o Buda sugere? Basicamente uma mudança de mentalidade. Ser nosso próprio terapeuta, cavar bem fundo, desvelar as mais profundas hipóteses de carência, raiva, baixa autoestima, depressão etc. Na teoria não é complicado, mas por estarmos viciados demais nessas condições, esse é o trabalho mais difícil que poderemos fazer.
Durante anos, trabalhei com pessoas na prisão, na Austrália e principalmente nos Estados Unidos, incluindo pessoas condenadas à pena de morte. De um ponto de vista normal, pode parecer bizarro pensar em encontrar a felicidade nessas situações, mas vários dos meus amigos na prisão sem dúvida levam uma vida plena, com satisfação e benéfica.
Li a biografia de uma mulher na Flórida que, há trinta anos, foi presa junto com o marido por matar dois policiais. Na realidade, eram inocentes. Ele chegou a ser executado. Ela passou dezessete anos no corredor da morte, mas acabou sendo solta. Nós nem conseguimos imaginar o sofrimento, a dor, a tristeza, o sentimento de derrota. É tudo muito duro de suportar.
Mas ela era incrível e dizia: “Eu não podia mudar nada, mas não levaram a minha mente. Decidi: ‘Não sou prisioneira, sou monja. Não estou numa cela, estou numa caverna’.”
Vários daqueles meus amigos diziam que o fato de serem presos foi o sinal de alerta. Quando não se pode mudar literalmente o ambiente externo, quem é corajoso o suficiente percebe que é possível mudar a forma como vemos as coisas, ou seja, mudar a nossa mentalidade. Assim, de forma muito simples, conseguimos obter satisfação, felicidade e contentamento.
Em outras palavras: pensamos que a felicidade é aquilo que alcançamos quando o nosso apego consegue o que quer; o Buda diz que a felicidade é aquilo que alcançamos quando abandonamos o apego e outras neuroses.
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