Dzogchen Ponlop Rinpoche explora as três qualidades básicas da meditação em repouso
O caminho do Darma nada mais é do que trabalhar com sua própria mente. No budismo, uma das nossas ferramentas mais poderosas para trabalhar com a mente é a meditação. A meditação é sobre ver quem você é, ver a sua mente, através da qual você pode descobrir a natureza da sua mente.
Há muitas maneiras de meditar, muitas diferentes práticas e técnicas de meditação, mas aqui eu gostaria de me concentrar nas três qualidades da meditação sentada ou em repouso ensinada no budismo Vajrayana. Essas três qualidades são:
A primeira delas é a não distração. Não distração é, na verdade, o que significa a própria meditação: estar não distraído em relação a esta experiência atual. Estar distraído é a fonte de muitos dos nossos problemas. É difícil realizar qualquer coisa se não estamos focados no que estamos fazendo. Por exemplo, quando nos distraímos da nossa conversa, podemos ter muitos problemas com nossos amigos ou pessoas queridas.
Mas também, do ponto de vista dos ensinamentos budistas, quando nossa mente está distraída, esse é o momento em que geralmente caímos em algum tipo de erro, hábito negativo, ou somos facilmente perturbados por pensamentos e emoções difíceis. Se estamos distraídos, é fácil não perceber quando surgem emoções fortes como raiva, ciúme, ressentimento e assim por diante. Podemos não notar que estamos experimentando essas emoções até o ponto em que elas se tornam tão intensas, que nos resta pouquíssimo espaço para trabalhar com elas. Mas se, devido à não distração, notamos isso mais cedo, quando elas ainda estão ganhando força, por assim dizer, temos muito mais opções de como trabalhar habilidosamente com elas. Então, a não distração é uma qualidade muito útil.
Não distração não é exatamente o mesmo que focar e concentrar. Da perspectiva do budismo Vajrayana, não precisamos fazer muito esforço para concentrar nossa mente. Focar e concentrar não é o ponto chave, é apenas a ferramenta. É apenas uma ferramenta para a não distração.
Mesmo quando dizemos “concentre na respiração”, isto significa que a respiração é um ponto de referência. Um ponto de referência para quê? É um ponto de referência para a não distração. Nós precisamos de um ponto de referência para a não distração, algo que nos mantenha conscientes do que está acontecendo no presente.
No começo, nós usamos a respiração porque a respiração está sempre acontecendo agora. Por isso, ela é um ponto de referência muito útil para a não distração. Nós não podemos olhar para a respiração passada, ela já se foi. Não podemos olhar para a respiração futura, ela não está aqui. Quando olhamos para a experiência presente de respirar, da respiração, nós estamos aqui, agora, repousando sem distração no presente. Quando focamos na respiração, temos essa qualidade da não distração. É importante lembrar disso. Concentrar-se na respiração é simplesmente uma ferramenta para não se distrair do presente, nada mais.
Nós podemos pensar que na meditação temos muito a fazer. É por isso que às vezes dizemos que estamos “fazendo” meditação. Na verdade, não há nada a fazer. Apenas sente-se. A própria afirmação “eu vou fazer meditação” é problemática. É como dizer: “vou fazer descanso”. Isso não faz sentido. Você não diz isso, não é? Você diz: “eu vou descansar”. Não existe “fazer” descanso. Não existe tal coisa. É apenas “descansar”. Essa é a segunda qualidade; isso é não meditação. Não há que fazer nada, porque a instrução é simplesmente para nós repousarmos. Chama-se meditação em repouso. Se você está fazendo algo para repousar, você não está repousando. Se você está “fazendo” meditação, você não está meditando.
Isto significa: não tente ser alguém. Não pense que quando você se senta em meditação, está se tornando uma pessoa totalmente diferente, uma pessoa “espiritual” ou “Buda”. Não se trata de sentar e se tornar uma versão melhor de si mesmo, e então se levantar da almofada e virar seu gêmeo maligno. Essa não é a nossa prática.
Não fabricação significa que quando você está meditando, você é a mesma pessoa, e quando você sai dessa meditação, você é a mesma pessoa. Não fabrique, não coloque uma máscara e não se esconda de si mesmo. Temos que relaxar e sermos nós mesmos. Você não precisa se tornar religioso ou espiritual. A meditação não se trata de se tornar uma pessoa religiosa, espiritual ou “melhor”. É sobre descobrir quem você é. A meditação é sobre descobrirmos a nós mesmos, quem somos, quem realmente somos, não quem pensamos que somos. Na linguagem budista, dizemos que meditação é sobre descobrir a verdadeira natureza da nossa mente.
Nos ensinamentos Vajrayana, nós falamos sobre a natureza da mente ser a Natureza Búdica. Nós falamos sobre a natureza da nossa mente estar desperta agora, agora mesmo, neste exato momento. Nós não precisamos criar a natureza da nossa mente ou melhorá-la de qualquer forma. A natureza da mente sempre foi desperta, só precisamos descobrir ou redescobrir isso.
Mas, se você quiser ver essa natureza, essa mente naturalmente desperta, você tem que ver sua mente primeiro. Antes que você possa descobrir a natureza de uma coisa, você precisa encontrar a coisa em si.
Nós dizemos que queremos ver a natureza da mente, e estamos realmente concentrados em encontrá-la, mas, ao mesmo tempo, ainda não conhecemos nossa mente. Isto é um problema. Primeiro, temos que descobrir o que é essa mente, e então poderemos descobrir sua natureza. Por essa razão, a não fabricação desempenha um papel muito importante em nossa prática.
No espaço de não distração relaxada, precisamos dar uma boa olhada na nossa mente, sem qualquer fabricação, falsificação ou fingimento. Assim, nós vemos o que quer que vejamos. Uma vez que vejamos a nossa mente, podemos começar a procurar a natureza dessa mente.
Dentro dessa meditação em repouso – com as três qualidades de não distração, não meditação e não fabricação – nós podemos experimentar pensamentos. Pensamentos estão surgindo e surgindo para nós, continuamente.
Os pensamentos em si não são um problema, mas geralmente ficamos sob a influência desses pensamentos e eles nos dominam totalmente. Tornamo-nos seguidores muito leais dos nossos pensamentos. Perseguimos pensamentos do passado, do futuro e do presente. E, assim, na meditação, se experimentarmos ser dominados pelos pensamentos, precisamos voltar à não distração. A técnica básica que aprendemos é: “reconheça o pensamento”. Diga “pensamento” e deixe ir. Volte para a respiração. Ou volte para a não distração. É simples assim.
Essas são três qualidades ou três métodos do Vajrayana para a meditação em repouso. Mas todos os métodos têm a possibilidade de levar à realização da natureza da mente. Não pense: “Oh, eu preciso terminar isso primeiro, depois isso, depois aquilo, e então, boom, terei a realização”. Não acontece dessa maneira. E nunca é ensinado nos ensinamentos Mahamudra ou Dzogchen que é assim que alcançamos. A realização pode acontecer a qualquer momento. Ver a natureza da mente pode acontecer a qualquer momento. Qualquer método pode nos levar a isso. O ponto chave aqui é quão genuinamente e quão bem nós realmente aplicamos esses métodos.
Aqui está uma meditação simples que você pode tentar em casa:
1. Com uma motivação positiva e sincera, sente-se confortavelmente com a coluna bem apoiada e permita que seu corpo relaxe.
2. Traga a sua atenção para a respiração, seu ponto de referência para a não distração.
3. Com a respiração como seu apoio, relaxe sua mente na experiência do agora.
4. Se surgirem pensamentos, apenas observe-os sem persegui-los ou tentar impedi-los. Os pensamentos em si não são um problema.
5. Se você for dominado pelos pensamentos ou se distrair com eles, você pode rotulá-los “pensando” e, então, voltar a focar levemente em sua respiração, voltar a repousar na não distração.
6. Relaxando sem distração no momento presente, simplesmente seja como você é, onde você está. Lembre-se de que não há necessidade de fazer nada, de fabricar nada, de mascarar sua experiência em algo mais “espiritual”, ou de tentar melhorá-la ou piorá-la. Não afaste a sua experiência nem se fixe nela. Relaxe e mantenha-se presente.
Os ensinamentos apresentados neste artigo foram originalmente oferecidos por Dzogchen Ponlop Rinpoche a uma plateia aberta, em Montreal, em 2015.
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4 Comentários
Muito bom!!!
Excelente !! Muito elucidativo , profundo, simples e totalmente objetivo . Obrigado.
Esclarecedor e motivador!🙏🏽
Profundo e inspirador, nos leva a refletir a própria existência.
Maravilhoso!