“Quando nos abrimos para as possibilidades, as coisas acontecem”

Monge Koho Mello, tradutor do livro Instruções ao Cozinheiro, fez a abertura do evento de lançamento e compartilhou com a sanga sua experiência no Zen Peacemakers


Por
Revisão: Carol Franchi
Edição: Carol Franchi
Transcrição: Rosana Folz

Na último sábado, dia 25 de fevereiro de 2023, aconteceu o lançamento do livro Instruções ao Cozinheiro, de Bernie Glassman e Rick Fields, no CEBB Caminho do Meio. O evento contou com a participação de Lama Padma Samten,  e do Monge Koho Mello, tradutor do livro, Roshi Eve Myonen Marko e Ovídio Copstein Waldemar, que vieram da Suíça para participar presencialmente. Em seu discurso de abertura, Monge Koho falou sobre a alegria pela publicação do livro e também sobre a atuação no Zen Peacemakers pelo mundo.


“É uma enorme alegria ver a manifestação de uma aspiração de muitos anos (segurando o livro). Eu faço aqui justiça em termos de gratidão à pessoa do Ovídio, meu amigo, meu professor, fui aluno do Instituto da Família, e ele foi quem me apresentou o Zen Peacemakers lá pelos anos 2000. Desde então, fiquei muito impressionado com esta possibilidade de honestamente atender a uma aspiração do meu coração-mente, que foi o que hoje aconteceu. 

Creio que quando nos abrimos para as possibilidades, as coisas acontecem.

Quando cheguei aqui, tive uma aula de ensinamento da compaixão: visitamos a Dionísia, foi incrível! O que ela disse foi uma aula do Darma. Nós chegamos, nos abrimos para as possibilidades e o Darma se manifestou. 

Aqui no templo, fazer uma prática que não é da minha escola… mas, como o Lama já me ensinou muitas vezes, o Buda é um só. Então, qual é a diferença entre as escolas? No Zen, a minha companheira que também é monja, foi aluna do Lama [Padma Samten] e praticou muitos anos no budismo tibetano, qualificava a nossa prática como um pouco “zen-graça”, porque é branco e preto, aquele pretinho básico nas roupas. Mas procuramos compensar isso, de certa forma, com este encantamento pela realidade como ela é. Então os dias se tornam bastante intensos. 

Quando  fui apresentado através do Ovídio ao Zen Peacemakers, descobri essa manifestação daquilo que Bernie Glassman qualificava como: entender o mundo como meu zendo¹ e todos os seres como a minha sanga. Isso como expressão é muito bonito, mas me conheço como uma pessoa que precisa de experiências. Então, através do Zen Peacemakers, comecei a ter esse tipo de experiência que não apenas valida a minha prática dentro do zendo, como também a amplia para ver em cada praticante realmente a manifestação da mente iluminada, da mente desperta. 

Por força das circunstâncias, me transferi para a Suíça em 2008, logo após a minha ordenação, e lá tive condições de praticar algumas dessas formas não convencionais que o Zen Peacemakers tem. Fiz meu primeiro retiro de rua em Zurique, na cidade onde moro, depois em outras cidades, até que conseguimos manifestar, pela primeira vez na América Latina, um retiro de rua em São Paulo, com a pessoa que se tornou meu professor e que me deu a transmissão para esta forma de prática, além de autorização para liderá-la. Fizemos mais um [retiro] em São Paulo e outro no Rio, e também em várias cidades da Europa. 

Um ano depois, participei de uma experiência que também o Ovídio havia me recomendado pela sua experiência: em 2010  participei do meu primeiro retiro nos campos de Auschwitz-Birkenau. Desde então, tenho ido [para lá] sempre que possível, quase todos os anos, até que fui convidado pelos coordenadores espirituais, digamos assim, para ser um oficiante budista. E tenho sido, tenho exercido esse papel com muita alegria de ser oficiante budista no retiro de cinco dias que fazemos em campos de Auschwitz-Birkenau. É um retiro inter-religioso e é maravilhoso fazer práticas com três ou quatro outras tradições. No último dia, fazemos uma prática única, juntos. 

Nessa caminhada, fui me engajando sem nunca deixar de manter minha prática convencional. Fui ao Japão em 2019, tenho um professor vinculado ao soto-shu no Japão, Teikei Roshi. Atualmente ele é um professor no norte da Holanda. Eu, como que caminho com duas pernas, gosto muito da pintura japonesa. Como o Lama falou, pratico aikido há muitos anos, shiatsu também… e o Zen é como a manifestação, a síntese de tudo isso. 

Há três anos fui convidado a me integrar mais, após um tempo de pausa depois do falecimento do Bernie. A Eve Marko Roshi decidiu retomar a estrutura da Ordem Zen Peacemakers, que é um núcleo menor de praticantes. O Zen Peacemakers International é uma instituição, uma organização que tem 3.000 membros em todo mundo. Já a Ordem Zen Peacemaker tem em torno de 150 pessoas que decidem se comprometer por um voto, um voto de manifestar na sociedade a sua prática espiritual de qualquer tradição ou de nenhuma, desde que haja este voto de beneficiar todos os seres, e esse grupo foi constituído. Nos reunimos por quase um ano para avaliar como continuar, depois de um professor tão qualificado, tão carismático quanto o Bernie Glassman Roshi ter falecido. Esse grupo se constituiu e, em um determinado ponto, Eve Marko Roshi me convidou para ser, com ela, o co-diretor espiritual da Ordem Zen Peacemaker. É uma estrutura horizontal, existe um conselho, no caso cinco cuidadores das famílias budas, assim chamamos na Ordem. Assim temos feito, já estamos na segunda turma. É uma formação de dois anos para qualquer pessoa que queira, de qualquer tradição, se comprometer com um voto pelo benefício de todos os seres, usando o Darma como referência básica. É algo muito desafiador, mas ao mesmo tempo, muito gratificante.

Para concluir, chegou o ponto de termos essa aspiração que hoje começa a se realizar. Na segunda-feira vamos para Salvador ser acolhidos pelos CEBBs da Bahia, especialmente pelo CEBB Recôncavo. Nossa amiga Ana Ricl, e toda a equipe de lá, que apoiará a Ordem Zen Peacemaker no primeiro retiro de encontro internacional de seus membros, mas também de plena presença em uma situação de profunda dor. Este retiro já tem título, o processo já está em andamento: “Escravidão e liberdade no Brasil”. Vamos visitar os quilombos da região do Recôncavo Baiano,  onde ocorreram muitas mortes de pessoas, de escravos e seus descendentes, e vamos visitar também – quando digo visitar é praticar, realmente integramos aquela experiência – uma iniciativa social em Salvador que tem uma escola, e depois um pouco da história da cultura afro-brasileira. No último dia, teremos um grande encontro, olhando para o que aconteceu nesses últimos anos na Ordem Zen Peacemaker e o que aspiramos para o futuro. 

Esse é o principal motivo da vinda de Eve Marko Roshi ao Brasil. Ela gentilmente esteva ontem no CEBB Porto Alegre, hoje está aqui e amanhã vamos ao Via Zen. Lá, ela partilhará um pouco de seu livro e de Wendy Egyoku Roshi, “O Zen da pessoa comum”, assim foi traduzido para o português. Quando a perguntamos ontem – o Ovídio estava nos acolhendo gentilmente em sua casa – se queria ir a este encontro, pois havia chegado de viagem há muito pouco tempo, ela disse “Koho, eu vim aqui para estar disponível”. Acho que isso é um grande ensinamento.

O Zen Peacemakers tem três princípios básicos. O primeiro é não saber. No fundo, não sabemos de nada e, esse estado de abertura para tudo que acontece, no meu entender, é a manifestação do que há pouco recitamos: a sabedoria pura no surgir de cada fenômeno. Mas é preciso ter olhos para ver.

Quando, há pouco, recebi de meu professor um relato de que o Roshi – que foi professor dele, do Bernie e de  Coen Roshi – [certa vez] foi indagado pela pessoa que o entrevistou: o que o senhor pensa que vai sobrar, o que ficará de sua existência após a sua passagem? Ele estava bem velhinho, bem doente, e disse: “os meus votos”. Só isso. Acho que é isso.

No fundo, o budismo socialmente engajado se trata de falar menos e viver mais os nossos votos, quaisquer que sejam eles. E isso é a fonte do meu contentamento de estar aqui porque, seguramente, há mais de vinte anos, vejo isso acontecer aqui de uma forma muito honesta, simples, autêntica e bem humorada, porque o contentamento é sinal de realização espiritual, na minha opinião.

Hoje, quando perguntamos para a Dionísia “como você construiu essa sua casa, a nova Casa da Sopa?”. Ela disse que não tinha ideia. E me lembro que quando o templo [do CEBB Caminho do Meio] estava ainda com chão mesmo (sem piso), só na terra, um dia perguntamos para o Lama “como o senhor levantou esse templo?”. Ele disse: “não sei”. 

Os milagres acontecem assim. Eles vão continuar acontecendo e acho que isso é o poder dos votos. Eles não são garantia de nada, mas dizem, para mim, que pelo menos já tenho o suficiente em termos de ética, em termos de manifestação de tudo o que acho que traz sentido para a minha vida.  
E nisso encontro o vínculo com o fundador da escola que pratico, a Soto Zen, quando o mestre Dogen entra e fala da importância da prática constante. Prática constante é manifestar a mente iluminada a cada momento, porque não existe diferença entre prática e realização.

Esse é o meu voto, essa é a minha alegria. É por isso que estou aqui. Muito grato pelo convite, pela acolhida, como sempre, e saio daqui nutrido, como sempre também. Muito grato! 

Leiam o livro! Muito importante. 

Para saber sobre o Zen Peacemakers, clique aqui.

1 O zendo é uma sala usada somente para sentar
Créditos das imagens: José Paiva
Apoiadores

2 Comentários

  1. Maíra Fernandes de Melo disse:

    Nossa, esse retiro na Bahia vai ser ESPETACULAR. Já tem mais ou menos uma previsão de período, pra gente ir se programando? Obrigada!!

    • Carol Franchi disse:

      Ainda não sabemos, Maíra, mas vamos comunicar quando tivermos novidades. Realmente será muito precioso!

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