Jetsunma Tenzin Palmo defende o empoderamento feminino dentro do budismo e afirma a possibilidade de um futuro mais igualitário neste século
Ela consegue ser direta e clara em qualquer assunto, dos mais simples aos mais sutis e delicados. Pousa os olhos azuis no interlocutor e dispara uma de suas expressões frequentes e que dizem muito sobre seu caráter: “Francamente”, “Honestamente” ou “Com toda sinceridade”. A partir daí, é melhor apertar rápido o botão “Record” ou tratar de anotar tudo, porque o que vem é puro ensinamento, e dos bons.
Jetsunma Tenzin Palmo nasceu na Inglaterra e, na juventude, teve determinação suficiente para mudar-se para a Índia e perseguir seu sonho de se aprofundar no darma. Em 1964, aos 20 anos, tornou-se uma das primeiras mulheres ocidentais a ingressar na sanga monástica do budismo tibetano. Nos primeiros anos de sua jornada foi guiada pelo mestre, o oitavo Khamtrul Rinpoche, da linhagem Drukpa, e viveu por 12 anos de prática intensa e retiros em uma caverna do vale de Lahaul, na Índia.
Em sua etapa de ação no mundo, Tenzin Palmo passou a viajar por vários países, transmitindo ensinamentos e levantando fundos para a criação de um monastério feminino. Seu sonho começou a tomar forma em 2001, com a construção de Dongyu Gatsal Ling, onde ela vive a maior parte do ano.
O empoderamento feminino dentro do budismo, tradição marcada pela discriminação contra praticantes mulheres, é uma das metas de Tenzin Palmo. A possibilidade de um futuro mais igualitário está sempre em seu radar: “Quando as monjas receberem mais educação, tiverem feito mais retiros e desenvolvido mais autoconfiança, elas terão um papel muito importante a desempenhar”, garante.
Tenzin Palmo: Honestamente e com sinceridade, seja homem ou mulher, todos nós temos que lidar com a nossa mente. A ganância, a agressividade e a ignorância estão todas muito disseminadas, seja entre mulheres ou homens. No entanto, eu acho que, de certa forma, as mulheres têm uma vantagem, porque antes de tudo, a prática budista não é meramente uma busca intelectual, embora as mulheres, é claro, sejam a natureza da sabedoria. Portanto, esse não é o problema. Mas também diz respeito a abrir o coração e desenvolver a bondade amorosa, a compaixão e empatia. E para isso, muitas mulheres se sentem em casa. Porque elas são naturalmente carinhosas, são mais abertas e estão em maior sintonia com suas emoções. Desse modo, desenvolver essas qualidades tão positivas é algo em que as mulheres não devem encontrar muita dificuldade. Às vezes, muitos homens (não todos, é claro) são carinhosos e compreensivos também, mas se sentem constrangidos com suas emoções. Por isso, tentam suprimi-las, porque não são viris; já as mulheres não se sentem assim. Elas sentem que amar e ter compaixão é natural. Isso já é uma enorme vantagem.
Além disso, como muitos professores de meditação têm mencionado, as mulheres são naturalmente sintonizadas com a intuição, elas se sentem bem mais à vontade, como as dakinis que voam no espaço — essa ideia de se sentir em casa na vasta expansão da mente. Enquanto muitos homens precisam ter seus pés plantados no chão e subir lentamente, a mulher está pronta para saltar do penhasco e sair voando. E novamente, esta é uma grande vantagem quando se trata de meditação, porque a mulher naturalmente não se sente tão ameaçada ao adentrar reinos que estão além do racional. No geral, eu acho que, quando se trata da prática, as mulheres estão em vantagem.
Tenzin Palmo: Para ser perfeitamente honesta, essa é provavelmente a razão pela qual o Buda criou uma Sanga (monástica), para que todos aqueles que realmente desejassem praticar tivessem a possibilidade de apenas praticar, sem se distraírem com os afazeres domésticos. É difícil, porque eu encontrei muitos jovens cujos pais eram bastante envolvidos com o Darma, e essas crianças cresceram com um grande ressentimento, elas sentiam que seus pais amavam mais o Darma do que a elas. Se houvesse uma oportunidade de entrar em retiro, eles preferiam fazer o retiro e deixar os filhos com outra pessoa do que levar as crianças para a praia ou o que seja. Todos os pais envolvidos com o Darma se sentem puxados em ambas as direções: de um lado, é clara que eles amam seus filhos e querem estar com eles, por outro lado, também querem se dedicar mais ao próprio crescimento espiritual. Então, há essa divisão, e eu acho que as pessoas precisam assumir compromissos em ambos os lados.
A vantagem de ter uma família é que muitos princípios do Darma, como bondade amorosa, compaixão, paciência e assim por diante, podem se tornar rarefeitos quando se está em retiro, pois é muito fácil se sentir preenchido com esses princípios e com todas aquelas boas qualidades, e você se acostuma com esse brilho. Mas quando volta à realidade de sua vida diária com a família e os filhos, é que você realmente descobre o quanto isso de fato é real. E haveria lugar melhor para praticar essas qualidades do que com aqueles que são mais próximos, mais queridos e que dependem de você? Aí é que você realmente sabe se é paciente e amoroso. Não é mesmo?
Eu acho que para os pais, em primeiro lugar, eles precisam reconhecer que os filhos são a sua prática do Darma. É isso. Neste momento, estas são as qualidades que você vai aprender: aprender a ser menos imersa em si mesma, mais voltada para os outros, mais paciente, mais compreensiva e ao mesmo tempo, usando sua sabedoria, quando ser mais rigorosa, quando ser mais suave. Ou seja, é preciso muita sabedoria para educar um filho. E aprender como permanecer centrada no meio de toda a agitação de cuidar de uma família e como se relacionar com ela com inteligência e também com amor. Então, essa será sua prática principal.
Depois, quando surgirem oportunidades de fazer alguns retiro, tudo bem! Mas sem negligenciar os filhos, porque para as crianças é muito duro sentir, como eu comentei, que os pais amam o Darma mais do que a elas. Embora em certos círculos budistas isso seja considerado uma virtude, tendo em vista a forma como o próprio Buda agiu, eu acho que há falta de compaixão. Se você tem filhos, eles são de sua responsabilidade. Sua prioridade deve ser educá-los. E é claro que as crianças aprendem muito mais com o seu exemplo, não apenas com suas palavras. Então, que tal colocar aquilo que você acredita em prática?
Tenzin Palmo: Seja o que for, se é o que você tem que fazer, faça disso a sua prática. Em vez de sentir ressentida e pensar: “Ah! Minha família, meus pais estão me afastando da minha prática”, reconheça, “Não, esta é a minha prática. Este é um momento e uma oportunidade maravilhosos de desenvolver tais qualidades, especialmente as do coração, que são tão essenciais no caminho espiritual”. Não é apenas a meditação. Se considerarmos os seis paramitas, há muitas qualidades que em si não têm nada a ver com a meditação e nem mesmo com retiros. Para praticar a generosidade, a ética, a paciência, você precisa de outras pessoas.
Tenzin Palmo: Bem, basta pegar um livro sobre lojong (treinamento da mente). Eu acho que é muito importante na nossa vida reconhecer que, para crescer interiormente, precisamos ter alguns desafios. Reconhecer que quando tudo está indo bem, quando tudo é muito suave e fácil, obviamente é fácil ficar calma, amorosa e estável. Isso é adorável, mas o verdadeiro teste para a nossa compreensão interior dessas qualidades é quando somos confrontados com a adversidade, dificuldades e problemas. É nesse momento que descobrimos que porção do Darma nós realmente conseguimos trazer para o nosso coração, que não ficou apenas preso em nossa cabeça.
Costumo comparar isto a quando você vai a uma academia. Você vai a uma academia para ser desafiado pelos aparelhos; se for muito fácil, você não desenvolverá os seus músculos. Se quiser ganhar músculos, você terá que levantar mais peso; terá que subir em uma daquelas bicicletas e pedalar. Você tem que colocar muito esforço nisso tudo e sofrer uma certa quantidade de dor para se tornar forte. Se não for desafiado, seus músculos ficarão flácidos. Da mesma forma, para ganhar músculos espirituais, às vezes nós também precisamos ser desafiados, e ter a habilidade de tomar tudo o que acontecer conosco e utilizar no caminho. Porque é absolutamente essencial que nós não descartemos coisa alguma, incluindo problemas de saúde, ou circunstâncias adversas, pessoas difíceis e assim por diante. Podemos fazer uso de tudo isso para fortalecer o nosso caminho espiritual. Assim, se alguma forma, ainda que não tenhamos que sair por aí à procura de problemas — nós apenas nos sentamos e eles vêm — quando eles de fato vêm, em vez de nos ressentirmos, devemos reconhecer que é uma oportunidade para crescer.
Tenzin Palmo: Bem, esse é o grande problema. O Buda disse que a raiz do sofrimento é o apego, ele não disse que é raiva e ódio. Porque o apego é muito mais insidioso. As pessoas no caminho espiritual sempre querem superar a raiva, porque a raiva não faz com que você se sinta bem, ao passo que a ganância e o apego, se ao menos por algum tempo forem satisfeitos, parecem ser um caminho de satisfação. Muito poucas pessoas estão sinceramente interessadas em abrir mão do apego.
A palavra renúncia é, no vocabulário da maioria das pessoas, “oh, eu tenho que deixar alguma coisa ir embora”. Aprender a abrir mão é realmente a essência do caminho budista, mas, na verdade, as pessoas não querem entender que isso não significa que você não pode ter relações próximas, ou que você tem que abrir mão de toda a sua família e tudo mais. Não é isso. Significa que, internamente, quando você está com pessoas que você ama, assim como com pessoas com as quais você não se importa, você tem esse bem querer e amor por elas, mas sem apego, e sem esperar que elas sejam a fonte de sua felicidade, do seu contentamento e da sua satisfação. Sem isso, os relacionamentos se tornam muito mais simples, porque você pode amar as pessoas, mas sem estar se agarrando a elas, esperando que elas irão preencher alguma coisa ou que, se partirem, será o seu fim.
Alguém disse que é como segurar um pequeno pássaro — você deve segurá-lo com muito cuidado, porque se segurá-lo com muita força, é o fim do passarinho. Você segura com muito cuidado, muito docemente, mas não o aperta, fechando a mão em punho, porque acabará destruindo aquilo que é precioso. E todo o caminho budista, em uma certa medida, é aprender a deixar ir, em muitos e muitos níveis. Isso é muito importante, porque nossa sociedade de consumo é toda voltada a obter mais e mais e mais. E quanto mais você consegue, mais se agarra, mais seguro, mais feliz e mais satisfeito você será. E claro, isso é exatamente o que o buda disse ser a causa de dukkha (insatisfatoriedade) e não a causa de sua felicidade. E é verdade. Você pode ver o desespero nas pessoas e na forma como elas estão vivendo hoje em dia, sem reconhecer que, o tempo todo, a habilidade de soltar e tornar as coisas mais abertas e expansivas é o caminho – não se agarrar com mais e mais força.
Tenzin Palmo: Sim, é claro! Conheço várias pessoas que, de fato, tiveram experiências muito profundas sobre a natureza da mente sentados em um ônibus ou simplesmente caminhando pela rua ou em qualquer tipo de circunstância. Eles não estavam esperando por isso, nem mesmo eram budistas naquela época e, possivelmente por causa de vidas passadas e familiaridade, essa realização simplesmente aconteceu. Ao passo que outras pessoas passam anos e anos em retiro, como eu, e não chegam a lugar nenhum. Não se pode prever quando isso vai acontecer. As nuvens simplesmente se desfazem e pronto. A razão pela qual o retiro é útil, sobretudo, é que obter um vislumbre da natureza da mente é apenas o começo, não é o fim. Com esses vislumbres você sabe: “Ah! Lá está! Certo!”. Mas pelo resto da vida, o desafio é como se familiarizar com essa experiência e estabilizá-la. Por isso, muitas vezes, é muito útil ter períodos de prática intensa. O importante de fato não é a duração do retiro, mas sim o quanto o praticante está completamente imerso naquilo que se está fazendo e também, se possível, receber orientação extra.
Tenzin Palmo: Eu acho que, mais uma vez, falando sobre o assunto e, talvez, dando aos nossos entes queridos livros que lidam com a morte, talvez não os livros budistas, mas existem alguns bons livros, que trazem estudos mais científicos sobre a morte e experiências de quase morte e assim por diante. Apenas para ajudá-los a compreender que a morte não é uma coisa violenta como as pessoas pensam que é, mas que é perfeitamente natural. Eu acho que a coisa mais importante para as pessoas é reconhecer que a morte é um processo muito natural, que todo mundo morre e que tudo vai morrer. Não sabemos quando, mas o Buda disse, “a única coisa certa é a morte”, e se não apreciarmos isso, perderemos a oportunidade. Assim, hoje em dia existem alguns livros e artigos muito bons sobre a morte, que não se baseiam em nenhum ponto de vista espiritual ou religiosos em particular, lidando apenas com a experiência das pessoas que estão no processo de morte e como isso é para elas. E eu acho que é muito importante que as pessoas leiam esses relatos, para que possam perder o medo. E também para que não fiquem chocadas quando alguém morrer, como se nunca ninguém tivesse morrido antes. O Buda estava bastante certo quando disse: “Se houvesse apenas uma contemplação que você deveria fazer na vida, essa seria a contemplação da morte”. Não para nos tornar mórbidos, como você sabe, mas para que saibamos, “certo, todos nós vamos morrer e não sabemos quando, mas ainda não estou morto; então, nesse meio tempo, vamos aproveitar ao máximo a nossa oportunidade enquanto ainda estamos aqui”. É muito interessante! Para coisas como sexo, por exemplo, as pessoas são totalmente desinibidas, mas quando se trata de algo natural e normal — as pessoas chegando e partindo — como você diz, é tabu.
Acho que as pessoas deveriam ver isso com mais leveza, não levar tudo tão a sério. Esse é o ponto, reconhecer que a morte não é essa coisa terrível que está nos espreitando; na verdade, pode ser uma grande libertação do espírito.
É uma grande oportunidade para as pessoas, até mesmo aquelas que não têm interesse por religião, abrir a mente para uma outra realidade. E especialmente para as gravemente doentes, que sabem que têm apenas mais um certo tempo de vida, se questionarem sobre o que é realmente importante. Porque se você souber que tem pouco tempo de vida, irá se questionar sobre o que de fato é importante; e normalmente descobre que aquilo que achava muito importante é, na verdade, irrelevante. E coisas sobre as quais você nem pensava são as que realmente importam.
Sei de uma pessoa que trabalhava com portadores de câncer, em tratamento domiciliar. Ela oferecia cuidados paliativos para pessoas que estavam prestes a partir,, dentro de algumas semanas ou menos. Ela disse que era extraordinário assistir a transformação pela qual elas passavam. Ela fazia certas perguntas, e uma delas era qual é o seu maior arrependimento? E ela disse que quase todos os pacientes respondiam que se arrependiam por ter investido tanta energia e tempo naquilo que não era importante, como autopromoção, dinheiro e status, e tão pouco tempo para o que realmente importava — sua família e sua vida espiritual. E o maior arrependimento era que agora tinham pouco tempo e perceberam que suas vidas haviam sido desperdiçadas. Se pudessem, fariam tudo diferente. Se tivessem percebido isso antes de estar à beira da morte, teria sido mais útil.
Tenzin Palmo: Não temos muita escolha! (risos)
Tenzin Palmo: Sim. A menos que o mestre do sexo masculino seja extremamente iluminado em suas atitudes, não apenas na sua realização, mas em suas atitudes. Porque muitos mestres, especialmente no budismo, foram criados em uma sociedade masculina, em monastérios, muitas vezes foram tomados de suas mães quando eram bem jovens — o que eles sabem sobre mulheres? Francamente, eles não sabem nada. E se eles se basearem em seus textos para dar orientação às mulheres… Elas geralmente são vistas como o próprio mal, prontas para tentá-los, ou como uma espécie de objeto sexual a ser utilizado em suas práticas. Eles têm pouca compreensão sobre o fato de que as mulheres são a outra metade da raça humana e que têm tanta importância quanto os homens. Qual é o problema? Esse preconceito de gênero que atravessa todo o budismo, até mesmo os seres iluminados, apesar do discurso sobre vacuidade e ausência de identidade, e sobre a natureza búdica estar além da diferença de gênero e não veem nenhum problema nisso. Então, muitas vezes as mulheres sofrem por terem mestres do sexo masculino. Alguns são mais abertos, provavelmente os casados, mais propensos a apreciar o fato de que as mulheres também são seres humanos. Então, sim, há problemas.
O que estamos tentando agora, neste novo século que chega? Haverá mais mestras chegando, uma vez que as mulheres estão recebendo mais educação, praticando mais e reconhecendo suas próprias qualidades interiores. Deveríamos superar essa questão de gênero; enquanto isso, os homens diriam que nunca raciocinam em termos de homens e mulheres.
Todas as religiões sofrem com a falta de voz feminina. Todos os textos são escritos por homens e, naturalmente, do ponto de vista masculino; a maioria escrita por homens para outros homens, e as mulheres precisam de alguma forma se insinuar dentro disso. Muitas vezes a linguagem também é misógina e inquestionável. E pode ser difícil porque há essa atitude não explícita e que não é desafiada de que as mulheres são muito boas e muito gentis, mas que de alguma forma lhes falta alguma coisa que teriam se tivessem um renascimento como homem. E quando você tenta descobrir o que é que falta, ninguém consegue definir. Mas há essa atitude básica inquestionável. Talvez menos no Ocidente, provavelmente, porque todos os centros de qualquer lama estão repletos de mulheres; se elas fossem retiradas de lá, haveria um lama em seu trono falando em uma sala vazia, sem ninguém para fazer-lhe uma xícara de chá, já que quem cuida desses centros são quase sempre mulheres. Portanto, os homens aqui precisam ser muito cuidadosos, especialmente aqueles que foram criados em um monastério, e em uma sociedade em que as mulheres são subservientes. Por exemplo, na Índia, na comunidade e nos conventos tibetanos, se você perguntar a qualquer pessoa qual é o principal problema nos conventos, elas sempre dirão que é a falta de autoestima e de confiança das monjas, porque elas foram criadas em uma sociedade em que seu próprio idioma as coloca em uma posição inferior – a palavra tibetana para a mulher é “nascimento inferior”. Então, para começo de conversa, já está dito que você é inferior. Por isso é muito difícil para essas garotas, nessa sociedade, acreditarem em si mesmas e em seu potencial. E por mais que seus lamas digam a elas “agora, meninas, vocês podem receber educação e não há nada que vocês não possam alcançar em um corpo feminino”, elas ainda são discriminadas: nos templos, é comum serem colocadas na parte dos fundos, os monges ficam sempre na frente, por vezes, os leigos ficam na frente das monjas, porque elas são apenas mulheres, ainda que sejam agora altamente educadas e façam retiros e assim por diante. São sempre consideradas como tendo menos valor do que os homens. Então é bem difícil. E é claro que todos os lamas, toda a linhagem são todos do sexo masculino.
No nosso convento, quando começamos nosso templo, eu disse ao artista: “Olha, este é um templo de monjas, e eu estou muito cansada de ir a templos de monjas onde todas as representações da iluminação são homens. Então eu quero mulheres aqui”. E o artista levou isso muito a sério, pegou um livro sobre budas em forma feminina, e pintou o maior número de representantes do sexo feminino que podia. Por isso há uma energia muito feminina no templo, não é? Existem alguns homens, é claro, como Milarepa, por exemplo, mas ele está rodeado por suas discípulas. Mesmo que a figura principal seja do sexo masculino, ele está cercado por muitas mulheres. Na tradição tibetana, a maioria das lamas mulheres não dão ensinamentos; a única que dá é Khandro Rinpoche e ela, é claro, é maravilhosa, mas seu pai era Mindrolling; se seu pai não fosse Mindrolling, acho que nunca teríamos ouvido falar dela. Os tibetanos não a chamam de Khandro Rinpoche; eles a chamam de Mindrolling srasmo (pronunciamos cêmo), filha de Mindrolling.
Tenzin Palmo: Elas estão caminhando, estão caminhando! Recebem funções para desempenhar, por vezes, além de do que estariam fazendo normalmente, e ficam muito mais confiantes. Os leigos estão começando a notá-las um pouco mais, convidando-as, às vezes para realizar rituais no lugar dos monges. Recentemente, algumas monjas de Ladakh vieram me contar, muito felizes, que um grupo de leigos de Ladakh solicitou que elas ensinem o Darma para eles, quando voltarem para Ladakh. Disseram que quando os lamas dão ensinamentos, não compreendem; a linguagem é muito difícil, e acham que se as monjas derem ensinamentos, poderão torná-los mais simples. Além disso, eles também poderiam fazer perguntas. Para mim isso foi muito agradável, e as monjas também ficaram muito felizes e interessadas.
Então, eu acho que no futuro, quando as monjas receberem mais educação, tiverem feito mais retiros e desenvolvido mais autoconfiança, terão um papel muito importante a desempenhar. Os leigos precisam saber o que é o Darma hoje em dia. Há uma grande ameaça de que o budismo acabe morrendo nessas regiões, porque as crianças vão para a escola, onde os professores são em sua maioria hindus, e não costumam mais ir aos templos para fazerem oferendas. Realmente, os leigos são muito ignorantes com respeito ao Darma. Se algo não for feito rapidamente, a próxima geração não terá mais nenhum interesse. À medida que os jovens vão para o colégio, para a faculdade e se mudam, a devoção à sanga se perde; os monges detêm um conhecimento bastante esotérico, que não é relevante para vida diária de todas as pessoas, e se torna cada vez mais irrelevante. No entanto, as monjas são mais acessíveis e podem desempenhar um papel muito necessário; as pessoas podem falar com elas e elas podem também ser mais treinadas em aconselhamento e ajudar as pessoas com seus problemas, porque os lamas não conseguem fazer isso.
Tenzin Palmo: Acho que o que precisamos não é mais, mas melhor. Sua Santidade o Dalai Lama dia que há muitos monges. O que nós precisamos é de pessoas que se tornem monges ou monjas por uma convicção real, estudem e pratiquem, para que se tornem exemplares genuínos da sanga; e não de mais pessoas que entrem nesse caminho só por ser uma vida mais fácil do que lutar do lado de fora. O que precisamos é de monges e monjas realmente genuínos, que realmente exemplifiquem o fato de que uma vida de simplicidade e abnegação, até certo ponto, pode trazer grande alegria e contentamento interior. O que as pessoas precisam ver é que ter mais e mais não leva a lugar algum, mas levar uma vida de pureza, contentamento e renúncia pode realmente trazer grande alegria interior. Apenas para lembrar às pessoas: não significa que todo mundo tem que se tornar monge ou monja, mas lembrar de que a ênfase em acumulação, sexo, beleza e todas essas coisas não é a única forma de viver, que há outra maneira e que é possível. Uma sanga de monges e monjas realmente dedicados seria muito mais inspirador para todos que apenas milhares e milhares de monges onde apenas dez por cento são sinceros e o resto está apenas por ali. Portanto, no futuro, definitivamente, a sanga vai se tornar cada vez mais essencial, como um exemplo de vida no darma bem vivida.
Texto publicado originalmente na edição impressa nº 28 da Revista Bodisatva — Laços de Família: Budismo nas relações mais íntimas —, que você encontra em nossa loja virtual! Para ler mais textos do acervo clique aqui.
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1 Comentário
Gratidão por essa linda materia.
Pratco Raja yoga e me identifico muito com o budismo.