Relato publicado no primeiro número da Bodisatva, sobre uma história contada pelo professor Ryo Imamura
O texto abaixo é uma relíquia. Trata-se de um relato de Celso Marques, monge na tradição Zen que acompanhou de perto o nascimento e primeiros anos da Revista Bodisatva, sobre uma história contada a ele pelo professor Ryo Imamura. Este texto compõe a Bodisatva de número 1. Em 2020, celebramos os 30 anos de existência da revista, que foi fundada na primavera de 1990 pelo Lama Padma Samten (na época, Alfredo Aveline) e José Eishin Fonseca. De lá para cá, ela foi crescendo em alcance e quantidade de mãos que a sustentam e foi registrando o florescimento e estabelecimento do budismo em solo brasileiro.
Neste mês de outubro, tivemos um encontro histórico entre a atual equipe focalizadora da revista e seus fundadores, além de Celso Marques, amigo próximo e colaborador ao longo de todo este tempo. Foi comovente e inspirador. Nossos olhos e os olhos daqueles que a deram nascimento se encontraram diante de um sonho que segue vivo, incandescente, dando frutos. Junto conosco estava uma rede muito mais ampla de leitoras(es), colaboradoras(es), doadoras(es), revisoras(es), diagramadoras(es), tradutoras(es) e inúmeros outros profissionais que são quem sustenta, a nível grosseiro e sutil, o sonho coletivo da Bodisatva. Agradecemos a todos e todas, de coração! E compartilhamos este relato de Celso Marques, publicado no primeiro número da Bodisatva a ganhar corpo, que surgiu entre as recordações do encontro.
Quando eu estava no estado de Washington visitando o Evergreen State College, em outubro de 1989, encontrei na casa de Carolyn Dobbs o professor Ryo Imamura, formado em psicologia e matemática. Ryo contou uma história deliciosa que reflete o drama de identidade que viveu como sucessor de uma linhagem familiar de 18 gerações de sacerdotes shin budistas.
Ele não tinha vontade de ser um sacerdote. Seu pai, uma espécie de bispo na diocese de Havaí, não o forçou a nada. Hoje ele é religioso. Mas, sem dúvida, durante uma certa época, a tradição da família foi um problema e um conflito para ele.
Uma vez, ainda adolescente, Ryo saiu da cama às 4 da madrugada e foi acordar seu pai. Quando este abriu os olhos, Ryo disse:
— Pai, eu vou ser monge!
O pai dele, meio sonolento, respondeu:
— Não. Você não pode ser monge porque você não é uma boa lata de lixo.
— Mas por que é que não sou uma boa lata de lixo? O que é que quer dizer isso?
— Amanhã você pergunta à sua mãe que ela explica. Agora me deixe dormir que estou com muito sono, respondeu o pai.
No dia seguinte, Ryo perguntou à sua mãe:
— Mãe, ontem de noite o pai disse que eu não podia ser um monge porque eu não era uma boa lata de lixo. O que é que ele quis dizer com isso?
— É… Se você está perguntando e não entende mesmo, é porque não pode ser um monge, respondeu a mãe.
Achei muito linda essa história, sobretudo a despreocupação do pai com o filho. A chave do enigma parece ser o seguinte: uma boa lata de lixo aceita tudo, recebe tudo, não escolhe e não reclama. Ela pode ficar velha, feia e estragada, mas continua cumprindo o seu papel. Todas as latas de lixo são Buda.
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4 Comentários
tão simples
tão bom
tão
Este é um desafio para poucos!!! Penso que sòmente um grande desapego pode permitir tal aceitação!!!
Realmente necessita desapego. MUITO BOM!!
Se busco reconhecimento nos comentários será q realmente entendi o texto?