Entrevista com Lama Padma Samten
Nessa entrevista para o CORREIO em março desse ano, Lama Padma Samten compartilha sobre os riscos, possibilidades e descobertas que a prática da meditação pode proporcionar.
Lama Padma Samten é fundador do Centro de Estudos Budistas Bodisatva e faz agenda de retiros e cursos de meditação em Salvador
Quando o assunto é meditação, há muitos mitos e verdades. Exageros sobre as práticas, mentiras sobre os riscos e por aí vai. Fundador do Centro de Estudos Budistas Bodisatva (CEBB), organização que dirige a partir de Viamão (RS) e tem 52 sedes em todas as regiões do país, incluindo as de Salvador e do Recôncavo baiano, o Lama Padma Samten é um especialista no assunto e cumpre uma agenda de cursos na cidade que tem a ver com o assunto.
Uma das principais referências do budismo no Brasil, ele vai abordar temas como pacificação e cura a partir dos ensinamentos de Buda sobre a Roda da Vida, as conexões entre a meditação, o ambiente ao redor e a vida em sociedade e o aprofundamento da prática. Em entrevista ao CORREIO, ele fala sobre os riscos, as possibilidades e as descobertas que fez praticando a meditação. Confira o papo completo.
Quem é: Físico, com bacharelado e mestrado pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), onde ensinou a disciplina por 25 anos, Alfredo Aveline foi ordenado Lama em 1996. O título significa líder, sacerdote e professor. Em sua atividade acadêmica, Padma Samten dedicou-se especialmente ao exame da física quântica, teoria na qual encontrou afinidade com o pensamento budista. Após iniciar os estudos na área pelo zen budismo, interessou-se pelo budismo tibetano na mesma época em que esteve entre os organizadores da primeira visita do Dalai Lama ao Brasil, em 1989. Em 1993, tornou-se aluno do mestre tibetano Chagdud Tulku Rinpoche, responsável pela sua posterior ordenação como Lama. É autor de seis livros: A Joia dos Desejos, Meditando a Vida, O Lama e o Economista, Relações & Conflitos, Mandala do Lótus e A Roda da Vida.
CORREIO: Quero começar perguntando sobre sua agenda na Bahia: como será essa sua passagem por aqui e como funcionam os cursos que vai ministrar?
Lama Padma Samten (LPS): Venho aqui desde os anos 1990, já fizemos programações incríveis. A região toda nos tem muito carinho. A Bahia é uma joia do país inteiro, há uma expressão brilhante da inteligência nacional, da forma, da cultura brasileira. É a raiz de como nosso país surge. Já trouxe meus filhos para conhecer. É uma realidade muito diferente no sul e para nós é muito instigante, lindo, comovente estar por aqui.
A cultura budista, ao mesmo tempo, é muito antiga e muito moderna, no sentido de que os elementos que o budismo podem trazer são úteis para enriquecer nossas vidas aqui neste tempo. Neste final de semana, vamos falar sobre a roda da vida, que é uma concepção budista de como o mundo funciona. Aqui usamos a noção de roda da vida. No tempo dessa roda, temos sofrimentos, desafios, conflitos. Tudo isso está nesse ambientes de desafios que olhamos e buscamos soluções, formas de trazer benefícios das pessoas. É uma atividade que ocorre no sábado pela manhã e tarde, depois teremos, no período da noite, uma continuação com prática de medicação tibetana, com mantras.
Na segunda (6), temos um curso de meditação em 4 encontros, sempre à noite, às 19h, iniciando com meditação tibetana, e, às 20h, o curso de fato que vai até às 21h30. No primeiro dia, conversamos sobre relações e redes de relações que formamos no mundo, como a sociedade surge, como construir uma sociedade feliz e equilibrada e qual a visão profunda do budismo sobre esse desafio de construir uma sociedade benigna com a natureza e os seres.
No segundo dia, a meditação está em construção com a mente. O local, a sensação da experiência do mundo, nossa casa, família e como construímos isso de maneira favorável. A purificação do ambiente e dos elementos.
O terceiro dia, será um mergulho no mundo interno. Um ambiente de psicologia budista, examinando formação de identidades, emoções, criação de certezas até sobre coisas que muitas vezes não são verdadeiras. Aquilo que constrói as aparências que nós vemos. Nessa parte, trabalhamos bem as decisões que podemos ter, intuições e várias aflições mentais como depressão, múltiplas raivas, medos, como isso se reflete sobre os jovens, no nosso tempo.
No último dia, vamos desenvolver essa habilidade do budismo de trabalhar aquilo que é real dentro de nós, que não é uma construção mental, está presente. É a meditação do aprofundamento do mundo interno, com seu aspecto crítico de cada pessoa, que o mundo não perturba.
Também temos um programa no Recôncavo, em Santo Amaro, numa área rural, onde temos muito praticantes que decidiram morar para aproveitar um local mais silencioso e uma rotina mais tranquila para aprofundar a compreensão de nossa própria natureza, desenvolver trabalhos sociais, em benefício aos outros. Darei a benção ao templo construído lá, que terá como tema o aprofundamento e prática da visão e ação budista no mundo. Envolve aspectos sociais. Esse é o programa que estamos desenvolvendo.
CORREIO: Todo mundo pode meditar ou há restrições?
LPS: Quando você vai dirigir um automóvel, é bom ter cuidado. Todas as pessoas podem meditar porque a meditação é um princípio muito favorável. Todas as pessoas podem caminhar, andar de bicicleta. Numa caminhada, você pode cair num buraco. Com a mente, igual. Pode ter percalço.
A meditação tem diferentes estados meditativos. A gente pode começar imaginando que ela é uma prática em que a mente fica consciente de si mesma e a partir disso conseguimos dirigir melhor nossa própria mente. Na ausência de um controle sobre a própria mente, ela pode desperdiçar muito o seu tempo, fazer coisas inadequadas. Disciplinar a mente é muito favorável e nesse sentido é muito bom poder meditar. Todos nós temos uma experiência, quando surge uma dificuldade, de modo geral, ficamos mais atentos, mais espertos. Jovens com dificuldades na escola, podem ter mais organização.
Quando estamos em silêncio, sentados retos, conseguimos ficar mais equilibrados e é mais fácil de equilibrar a mente. Respiramos de modo regular porque a respiração tem conexão com as emoções. Uma respiração afobada, afeta as emoções. Respirar calmo e longo é uma prática que, já em si, disciplina a mente. Surgindo o impulso em nós a gente se alteraria, gesticularia. Na meditação, não fazemos isso. Mantendo corpo e respiração no lugar, disciplinamos a mente. Aquilo que nos arrastaria de um lado pro outro não nos arrasta mais porque criamos uma capacidade da não obedecer impulsos.
Nessa parte, todos estamos indo muito bem, não temos problema, estamos ganhando uma liberdade. Não é necessário a pessoa evadir completamente a mente, não. Equilibramos o corpo e aqueles pensamentos percebemos que são como perturbações mentais.
CORREIO: Mas existem restrições?
LPS: Há pessoas que ficam paradas pensando que estão meditando, mas estão arrastadas por fantasias criadas pela mente. Num contexto de muita aflição, a pessoa tem imaginações agressivas, ligadas ao medo, então, não seria propriamente uma meditação, seria alguém à deriva dentro de imagens que muitas vezes são negativas e isso produz impacto sobre suas vidas. Em vez de se livrar, ela alimenta estados mentais particulares que são prisões, processos compulsivos que a pessoa vive, produzindo mais problema do que liberdade. Nesses casos, precisamos ter mais cuidado, trabalhar com alguns mantras, que são cantados mesmo, fazendo com que a pessoa encontre um estado real de paz e discipline sua mente.
CORREIO: A meditação pode trazer malefícios para quem pratica?
LPS: A meditação enquanto destino mental não traz nenhum malefício, mas a nossa mente cria todas as guerras, as aflições e adversidades. Sectarismos, divisões, inimigos. Isso é o que causa a mente indisciplinada, caótica, que é capaz de conduzir nações a grandes sofrimentos, as pessoas a opções muito definitivas e isso é um problema. A meditação mesmo é oposta a isso, nos torna conscientes de nossas loucuras, raivas, aflições
CORREIO: Como deve ser o ambiente para a pessoa meditar?
LPS: Isso vai depender da habilidade da pessoa. Quem tem muita sensibilidade e reage muito ao ambiente, achamos melhor o ambiente silencioso, calmo, equilibrado, mais próximo do perfeito. Para quem tem mais experiência, há mais habilidades e o desafio não é mais manter a mente equilibrada, amorosa e lúcida num ambiente. É manter isso no meio dos desafios do próprio cotidiano. Nesse sentido, não precisa mais um foco no ambiente, é a busca de fazer isso ao longo do dia, de manter a mente sóbria, sabendo que várias das situações mentais sofridas não são confiáveis.
CORREIO: É verdade que, para a pessoa meditar, é preciso esvaziar completamente a mente? E é possível fazer esse esvaziamento? De que maneira?
LPS: Essa é uma boa pergunta. O que acontece é que, quando vamos desenvolver essa disciplina na mente, desenvolvemos, também, especialmente, a não-resposta aos impulsos que vão surgir. Desenvolvemos uma habilidade de observar os impulsos que nos cercam, reconhecendo que não são eles a própria mente. É uma construção que surge dentro da mente. De modo progressivo, como vamos nos mantendo no estado de meditação, os conteúdos da mente surgem. A sabedoria interna começa a surgir observando a mente vazia, que já está presente em nós.
Simplificamos dizendo que vamos a um estado sem ondas na mente, mas descrição ideal não é dizer que vamos esvaziar, mas que vamos para outra dimensão.
CORREIO: Quanto tempo é necessário para uma rotina de meditação que considera adequada? E quantas vezes por dia ou semana são necessárias para meditação?
LPS: Antes de dormir, acho que a pessoa deveria ler um texto espiritual, depois deveria ficar silenciosa na sua forma, com o corpo ereto, respirando calmo e fazer uma pergunta importante para si mesmo, que surge desse silêncio. Depois a pessoa dorme. No meio da noite, ela busca a resposta para as perguntas que ela fez. É bom a pessoa meditar acordada, aprofundar a sabedoria na leitura, no fazer da pergunta e também no ambiente da noite.
Quando acordar, deveria retomar esse ou outro texto espiritual e começar o dia com uma leitura, que pode ser 10 minutos, 15, meia hora em silêncio atento, para cultivar a liberdade em relação ao que surge. Assim, a pessoa evolui muito rápido. Ela transforma a noite numa prática espiritual, e o dia também.
Também pode ser interessante ver um vídeo ou gravação de ensinamentos que temos disponíveis no nosso site. Acredito que isso leva a vida a uma mudança muito sensível. Quem quiser aprofundar pode buscar um centro de budismo para se recolher por uma semana, seis anos, três anos, um dia, dois dias.
Os ensinamentos do Lama Padma Samten foram gravados e é possível acessá-los aqui:
Retiro: Pacificação e Cura na Roda da Vida | CEBB Salvador, BA
Puja e Palestra: Relações, Redes e Sociedade | CEBB Salvador, BA
Curso de Meditação em 4 encontros”, CEBB Salvador, BA
Retiro: “A Prática das Quatro Confianças para permanecer firme no Caminho da Liberação!”, CEBB Recôncavo, BA
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