Foto: Luca Ambrosi / Unsplash

Ande devagar

Lama Samten convida-nos a andar devagar e a nos alinharmos com o movimento do universo


Por
Revisão: Bruna Crespo
Edição: Bruna Crespo e Lia Beltrão

Na passagem para o Ano Novo, em diversos lugares, culturas e tradições do mundo há o convite para desacelerarmos um pouco e contemplarmos nossas vidas. Inspiradas neste conselho do Lama Padma Samten “ande devagar” —, nos unimos a esse momento coletivo, encerrando o ciclo de 2019 com esta publicação.

Durante o mês de janeiro, nós, da equipe da Revista Bodisatva, faremos um período de pausa nas publicações de textos novos no site e nas outras redes sociais. Isso significa também abrirmos espaço para sentar em roda e sonhar juntas os próximos movimentos. Nos encontramos ao longo de 2020, com coragem para andar devagar, mais amor e mais cuidado em cada passo!

 

Andar devagar, porque o andar rápido já faz parte da perturbação anterior. Eu acho um pouco perturbadora esta sugestão: ande devagar. Mas poderíamos dizer assim: ande devagar porque esse é o modo pelo qual você vai andar mais rápido. Para você andar muito rápido, ande devagar; porque se você andar muito rápido, vai andar devagar. Você andando devagar, andará rápido; mas andando rápido, você andará devagar. Este é o ponto.

Quando nós nos movimentamos, o universo inteiro se reposiciona.

Vamos supor que vocês vão pregar um botão poucas pessoas ainda sabem como pregar botão. Se andarmos muito rápido, vamos fazer tudo errado. Para fazer direito, vamos precisar de atenção, fazer devagar. Não tem outro jeito.

Aqui o aspecto devagar diz respeito ao fato de que, quando nós nos movimentamos, o universo inteiro se reposiciona. Nós precisamos dar um tempo para o universo se reposicionar. E, se nos movermos muito rápido, não há tempo para tudo se reposicionar, e surge o atrito que trava o movimento. Esse atrito pode criar eventos que nós vamos ter que resolver. Então o melhor é andar devagar, oferecendo tempo e espaço para o universo se reposicionar.

Uma forma de andar que vocês também podem testar é andar sem andar. Este é um método muito rápido de andar, apesar de paradoxal. Este andar sem andar é assim: não fazemos nenhum movimento, mas nos posicionamos no nível de paisagem de tal maneira que tudo ande, pois o universo, se vocês olharem, não tem um instante sequer em que ele esteja parado. E ele anda por força própria. Nós não precisamos empurrar o universo.

Se vocês simplesmente se posicionarem, quando tudo se mover para a posição, vocês simplesmente se movem. Se não andar, vocês continuam parados. Só assim vocês já andam. Esta é uma forma muito hábil: vocês definem a paisagem e só se movem quando tudo se mover naquela direção.

Quando o movimento ocorre, vocês se movem; quando ele para, vocês consolidam, refazem os votos. Quando ele se move de novo, vocês se movem; quando ele para, você para de novo. Por comparação, o surfista. Vocês não precisam que o papai compre para vocês uma fábrica de ondas… Não precisa porque a onda vem. Então, você aguarda. Você está lá, só precisa estar na posição correta. Depois que as ondas passarem, antes de vir a outra série, você está lá, se prepara. E quando ela vem, você vai junto.

Não é preciso nenhum controle nisso. Mas se quiser fazer um esforço, você precisa se posicionar melhor. E o melhor movimento não é contra o universo, mas sim junto dele. O movimento é todo sutil, ele não tem nada no sentido grosseiro. Está certo que podemos também fazer o movimento grosseiro, mas precisaríamos ter muito cuidado nele, para que este movimento mais pesado não vá atrapalhar, não vá quebrar o ritmo natural do funcionamento do universo.

Por exemplo, nós nos ocupamos tanto que, quando o Dalai Lama vem para cá um grande tsunami! temos que cumprir e fazer várias coisas, não podemos nem assisti-lo. Nós ficamos demasiado ocupados com o nosso “movimentozinho” de transformar o universo, e não aproveitamos o movimento tal como ele vem. Isso é uma devastação que nós fazemos o tempo todo. Se vocês olharem, o universo está cheio de ondas favoráveis quebrando e se movimentando, coisas até grandes, mas nós não podemos, porque nós estamos fazendo a nossa revolução do universo. E isso pode ser um problema.

Então, fica aqui esta recomendação geral: “ande devagar”, que tem esse sentido todo.

Este ensinamento foi oferecido em São Paulo (SP), em 2006, no último dia de um retiro de 10 dias conduzido pelo Lama Samten, às vésperas da chegada de S.S. o Dalai Lama ao Brasil.

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5 Comentários

  1. Maria Célia De Santi disse:

    Maravilhoso como tudo o que nosso querido Lama Padma expressa. Interessante é que de um mês para cá eu tenho me sentido lenta. Fiquei preocupada, considerei que viria uma pequena depressão, mas não, fui observando e senti a ansiedade costumeira se dissipando porque eu havia, agora entendo, parado.

  2. LUCIANA VILAVERDE SCHMITT disse:

    O principal ponto de reflexão para mim neste maravilhoso ensinamento e saber se colocar no lugar (sutil) correto para aguardar esse movimento. Como construir essa paisagem mental que o Lama fala? Penso que deve ser a motivação correta. Seria ótimo contar com seus comentários a respeito disso.
    Gratidão imensa por nos oferecer este precioso ensinamento!

  3. Marcelo Prado disse:

    Texto maravilhoso!! Devagar e com lucidez. Mas, salvo engano, a primeira visita de SS Dalai Lama ao Brasil foi em 1992 e não em 2006.

  4. Eron Brum disse:

    Andar devagar é um ensinamento precioso para quem tem pressa. Há algum tempo li para não ter pressa por que o tempo corre sozinho e fiquei refletindo nessa aparente contradição.E no budismo aprendi qua andar devagar faz com que nossa viagem pela vida seja mais serena e sem desencontros. Entendi que a serenidade está conectado com o domínio da mente. E, recorrendo a um pensamento antigo: “Devagar e sempre”.

  5. maria fernanda disse:

    “…ando devagar, porque já tive pressa e levo esse sorriso porque já chorei demais…”

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