A luz dourada: os três Corpos do Buda

Com a aspiração de que mais pessoas possam se inspirar e se beneficiar com a vida do Buda, resgatamos em nosso acervo um trecho do precioso Budadarma.


Por
Revisão: Danilo Martelli
Edição: Bruna Crespo
Transcrição: Ormando M. Neto
Tradução: Marcelo Nicolodi

O Vesak, celebrado neste ano na lua cheia dos dias 18 e 19 de maio, é a data em que muitas sangas ao redor do mundo celebram o nascimento, a iluminação e o parinirvana do Buda. No budismo, esse dia é tão auspicioso que se diz que qualquer mérito gerado por ações virtuosas se potencializa, sendo multiplicado por cem mil vezes.

Tradicionalmente, inspirados na vida de Buda Sakyamuni, os praticantes fazem oferendas de lamparinas e preces, dedicam-se à prática de acumulação de virtude e à renúncia de atitudes não-virtuosas. Essencialmente, praticam a oferenda de lucidez e compaixão para benefício de todos os seres em todas as direções e tempos.

Com a aspiração de que mais pessoas possam se inspirar e se beneficiar com a vida do Buda, resgatamos em nosso Acervo, edição nº 25/2012, um trecho do precioso Budadarma – uma compilação de ensinamentos extraordinários oferecidos pelo Buda, extraídos diretamente dos Sutras em páli, chinês e sânscrito. Feliz Vesak a todos e todas!


Ao ouvir o Buda profetizar que morreria em três meses, o Bodisatva Ruciraketu lhe perguntou:

“Ó Honrado pelo Mundo, por que encurtar a duração de sua vida para 80 anos? Você nos ensinou duas formas de desfrutar a longevidade. Uma é não matar os seres vivos e a outra é sustentar a vida dos outros pela caridade. Você não prejudica qualquer ser vivo e sempre fez o bem para os outros. Por que, então, sua vida será tão curta?”

E o Buda respondeu aos que o rodeavam:

“Ó filhos de boa família, ouçam e ponderem, todos os budas são dotados de três tipos de corpo. Apenas alguém completamente realizado alcança a suprema iluminação. Quem for capaz de compreender isso será capaz de transcender a ilusão. Os três corpos do Tatagata são o Corpo da Transformação, o Corpo da Fruição e o Corpo do Darma.

O Corpo da Transformação é o corpo terreno, manifesto do Buda, nascido neste mundo para o bem da humanidade, engajado na busca e na realização da iluminação. O Buda no Corpo da Transformação se dedicou a ensinar, a adquirir o poder de conhecer as capacidades individuais das pessoas e de revelar a elas o seu corpo físico. O Tatagata que vocês viram com seus próprios olhos é o Corpo da Transformação, que pode variar de acordo com as percepções de cada indivíduo.

O Corpo da Fruição é o corpo de meios hábeis, que tem por objetivo evitar um ensinamento direto sobre a verdade absoluta; também tem o objetivo de eliminar da mente a sensação de prazer ou aversão gerada pelo apego dos seres a um corpo carnal. Este corpo surgiu do voto original e da intuição do Buda.

Por último, o Corpo do Darma é o próprio Darma, a essência dos Corpos do Buda, onde a verdade absoluta e a intuição de verdade ainda não são diferenciadas. Os dois primeiros corpos, Transformação e Fruição, são manifestações temporárias derivadas do Darmakaya (Corpo do Darma). Portanto, a doutrina budista completa está inclusa e é atribuída ao Corpo do Darma.

Além disso, o Buda conhece a verdade através do poder do voto original. Portanto, seu conhecimento transcendental não implica pensamento empírico, com propósito, mas mesmo assim conduz múltiplas atividades espontaneamente. O sol e a lua não têm objetivo específico. Seus raios e um espelho são igualmente destituídos de propósito. Porém, os três juntos produzem espontaneamente as imagens das coisas como elas são, como refletidas em um espelho. Aqui a verdade da imagem das coisas é comparada ao sol e à lua, a intuição da verdade é sua luz e o poder do voto é o espelho. Apesar de o Darmakaya não ter pensamentos intencionais, ele espontaneamente gera como imagens os Corpos da Fruição e da Transformação para o benefício das pessoas.

Assim como o espelho cria várias imagens ao refletir a luz, apesar de nada haver nele, os discípulos são guiados pela imagem do Buda produzida dentro do Darmakaya, que não possui forma alguma. Enquanto os Corpos da Fruição e da Transformação se manifestam de várias formas pelo poder do voto, o Darma transcende essas mudanças. Não há mudanças no estado transcendental.

Apesar disso, diz-se que o Tatagata é impermanente e não permanece no nirvana. Por quê? Os dois primeiros corpos são provisórios e surgem frequentemente neste mundo, mas eles não têm forma permanente e assim, naturalmente, entram no estado do nirvana. Por outro lado, não se pode dizer que o Darmakaya permanece no nirvana para sempre, porque não se pode dizer que este terceiro corpo compreende as duas características, ou seja, os dois corpos que surgem ao longo da história e aquele que o transcende. Em resumo, o Darmakaya é tríplice e ao mesmo tempo um só. É uno porém tríplice. Manifesta-se através da mudança, porém é imutável. Não se transforma, porém manifesta-se na mudança.

Quem não conhece as três formas de existência não pode ver os três Corpos do Buda. Os três são as formas da existência imaginária, da existência dependente e da existência perfeita.

A natureza imaginária das coisas se refere ao fato de a consciência da pessoa comum estar sempre presa devido a suas própria inclinações, como o homem que imagina uma cobra ao olhar para uma corda e se amedronta.

A natureza dependente das coisas se refere à realidade ensinada pelo Buda de que todas as coisas surgem devido a múltiplas causas e condições e, portanto, é uma configuração temporária, apenas útil para compreender que a corda é uma forma temporária da substância do cipó.

A natureza perfeita das coisas aponta para a verdade de que, apesar de as coisas serem de uma natureza transitória e imaginária, sua verdadeira base formativa e causal deve ser entendida como inseparável de sua forma empírica de manifestação, e assim a verdade absoluta é intuída no mundo transitório.

O Corpo da Transformação é um meio hábil para instruir as pessoas que estão presas nas formas imaginárias.

O Corpo da Fruição é o Buda visto por aqueles que intuem a natureza dependente das coisas.

O Darmakaya é o Buda conhecido apenas pela pessoa iluminada que mergulha completamente na natureza do Darma e que intui o absoluto dentro das formas temporárias do mundo.

Três tipos de consciência humana tornam difícil para uma pessoa comum enxergar os três Corpos do Buda.

O primeiro tipo responde aos eventos externos e consiste de seis formas de consciência, que são a visual, a auditiva, a olfativa, a gustativa, a tátil e a mental. Esse tipo percebe as coisas externas e é atraído por elas, o que resulta em delusão.

O segundo é a consciência do “eu”, que depende da terceira consciência e subjaz a todas as paixões.

O terceiro é a consciência que constitui a base última subjacente à operação conceitual anterior.

Quem vê a realidade como ela é, e assim aniquila todas as delusões, é capaz de ver o Corpo da Transformação.

Além disso, ao aniquilar as fontes das paixões, será capaz de ver o Corpo da Fruição.

E por último, ao praticar o caminho mais elevado, aniquilando o agente fundamental da consciência, será capaz de ver o Darmakaya.

Todos os budas compartilham as mesmas atividades no Corpo da Transformação, a mesma intenção no Corpo da Fruição e a mesma essência no Darmakaya.

O Corpo da Transformação é manifestado de acordo com as várias inclinações das pessoas e é, portanto, definido como múltiplo.

O Corpo da Fruição se manifesta em uma única forma em resposta à intenção única dos discípulos e é, portanto, definido como único.

O Darmakaya corporifica o estado que transcende todas as formas, não pode ser entendido através das formas e é, portanto, definido como não sendo um ou dois.

O Corpo da Transformação surge com base no Corpo da Fruição, e este surge com base no Darmakaya, que é a existência absoluta, não requer qualquer base e não depende de nada.

Esses três Corpos do Buda podem ser vistos como permanentes e como impermanentes.

O Corpo da Transformação sempre transmite os ensinamentos da verdade, nunca exaure seus meios hábeis apropriados às várias condições e é, portanto, definido como permanente. Entretanto, por não ser o corpo fundamental e nem manifestar uma função superior, ele é definido como impermanente.

O Corpo de Fruição nunca deixou de ensinar o Darma, é acessível apenas aos budas, sua função não irá se exaurir enquanto a humanidade continuar existindo e, portanto, é definido como permanente. Porém, ele não é o corpo absoluto, não se manifesta em todas as coisas e, portanto, é definido como impermanente.

O Darmakaya, obviamente não transitório e sem forma, é na verdade o corpo absoluto, fundamental, comparável ao espaço e, portanto, é definido apenas como permanente.

Não há intuição perfeita separada da intuição de um objeto particular.
Não há um objeto universal separado de objetos particulares.
Os fenômenos, suas naturezas e a intuição que os revela não são a mesma coisa nem diferentes.
O Darmakaya consiste na intuição pura livre de paixões e da pura quiescência e é, portanto, puro e livre das paixões.

Além disso, o Darmakaya não pode ser descrito como existente ou inexistente, único ou não, mensurável ou incomensurável, luz ou escuridão. O Darmakaya está além da cognição humana. Sua base causal, esfera objetiva, faculdade cognitiva e função estão além do conhecimento humano. Quem compreender o significado disso tudo estará destinado a alcançar o estado de não-retrocesso no caminho para a iluminação, a se tornar um buda e atingir a mente do diamante, a mente dos budas, o verdadeiro Darma.

Além do mais, o Darmakaya é chamado de permanente, essência absoluta, bem-aventurança com relação aos estados meditativos e puro com relação à intuição. Assim, ele é imutável, independente, pacífico e puro.

A partir da meditação no Darmakaya surge a compaixão.

A partir da intuição do Darmakaya brotam todos os poderes.

A meditação e a intuição atribuídas ao Darmakaya transcendem todas as formas e não são aprisionadas por qualquer forma.

Assim, não carregam qualquer pensamento intencional em particular sobre o que deve ser feito.
Visto que não pode ser determinado como permanente ou como impermanente, ele é chamado de Caminho do Meio e transcende o ciclo de nascimentos e mortes. Ele é, de fato, a morada dos budas e bodisatvas.

A morada dos budas, onde negatividades, sofrimento e forma foram todos purificados, é chamada de absoluto. Ela é como ouro refinado que não possui manchas, porque a natureza do ouro não possui manchas. O ouro já é puro mesmo na pepita. Ele não é criado de outra forma pelos processos de refinamento, nem sua pureza é perdida quando está na pepita. O Darmakaya também é assim, pois ele é essencialmente puro.

Mesmo quando surge em meio às máculas e se manifesta nos Corpos da Fruição e da Transformação, não se pode dizer que o Darmakaya perde sua pureza essencial. Por isso se diz que o estado de todos os budas é puro.

Tomando outra analogia: alguém sonha que está atravessando a nado um grande rio e finalmente alcança a outra margem, mas quando acorda do sonho não encontra nem o rio nem a sua margem. Da mesma forma, quando alguém destrói as paixões não encontra mais o fluxo de nascimentos e mortes nem as margens da iluminação e da delusão. Apesar disso, o despertar do sonho não esvazia a presença da mente, e a exaustão das delusões não significa o esvaziamento da iluminação.

A pureza da mente, como a do espaço vazio, permanece depois de tudo ter sido esvaziado e é a própria iluminação. Por isso se diz que a morada dos budas é pura.

O Darmakaya supera os obstáculos criados pelas paixões, manifestando-se no Corpo da Fruição, e também supera os obstáculos criados pelas ações, manifestando-se no Corpo da Transformação. Além disso, supera os obstáculos que impedem a intuição, manifestando-se como o próprio Darmakaya. Isso é comparável ao céu que mostra o relâmpago, e ao relâmpago que gera luz.

Além do mais, o Darmakaya se manifesta em sua forma essencialmente pura. O Corpo da Fruição se manifesta quando a intuição é purificada, e o Corpo da Transformação se manifesta quando a concentração é purificada.

Os três Corpos do Buda são igualmente puros devido à realidade tal como ela é. A realidade dos fenômenos é encontrada em um único sabor universal; ela está livre do apego causado por todas as paixões e é a fundação absoluta de todos os fenômenos. Da mesma forma, os três Corpos do Buda, que são idênticos a essa fundação absoluta, são vistos como um e não são diferentes.

Se um leigo ou uma leiga mantiver a firme crença de que o Buda é o seu grande professor, compreenderá completamente que não há diferenças essenciais entre os três Corpos do Buda. Assim, quaisquer pensamentos errôneos que possam surgir em relação aos fenômenos serão totalmente eliminados. Ele ou ela compreenderá que não há dualidade nas formas nem qualquer diferenciação na realidade. Assim, não será afetado(a) pelas paixões e será capaz de praticar o caminho genuinamente.

A verdade das coisas como elas são, e a intuição dessa verdade, são igualmente puras e levam à remoção dos obstáculos e à percepção espontânea da realidade como ela é. Isso é chamado de intuição suprema da talidade, forma da realidade suprema, forma correta de ver as coisas ou forma verdadeira de enxergar o Buda.”

Ao ouvir esses ensinamentos as pessoas se maravilharam, e surgiu em suas mentes o pensamento de buscar o Darmakaya, que é eterno, e sua tristeza e dúvidas em relação à passagem do Buda foram dissipadas.


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3 Comentários

  1. Ormando disse:

    Um ensinamento para ser lido 108 vezes ^.^

  2. Rodrigo disse:

    Texto muito difícil de ser compreendido.

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