A Bodisatva continua a série de entrevistas em diálogos inter-religiosos com o teólogo que moveu a discussão sobre como a prática cristã pode colaborar com a liberdade humana
Na década de 80, ele foi condenado a um ano de silêncio pelo ex-Santo Ofício por suas teses defendidas no livro Igreja: carisma e poder. É um dos iniciadores da Teologia da Libertação no Brasil, que defende a libertação dos oprimidos, dos pobres e dos injustiçados.
“O decisivo é que o fato da libertação real ocorra. Mas sempre haverá espíritos atentos que ouvirão o grito do oprimido e da Terra devastada e que se perguntarão: com aquilo que aprendemos de Jesus, dos Apóstolos e da doutrina cristã de tantos séculos, como podemos dar a nossa contribuição ao processo de libertação?”, fala Leonardo Boff na nossa seção de conversas na Bodisatva, onde nos propomos a abrir espaço para o diálogo inter-religioso.
Boff, conhecido como professor e conferencista no país e no exterior nas áreas de teologia, filosofia, ética, espiritualidade e ecologia, moveu, no Brasil, a discussão sobre como a prática cristã gerada pelo potencial espiritual herdado de Jesus pode colaborar, junto com outros grupos humanitários, para a libertação necessária.
Autor de cerca de sessenta livros, ele participa atualmente do grupo de reforma da ONU, especialmente dedicado à Declaração Universal do Bem Comum da Terra e da Humanidade.
Conversamos com ele sobre economia, compaixão e sabedoria.
O caminho mais factível para uma sustentabilidade que mereça este nome é seguir o biorregionalismo. Quer dizer, tomar a região como referência e ver como os bens e serviços ecológicos próprios da região podem atender as demandas da população, organizar pequenas cooperativas, incentivar a produção orgânica e integrar o lado cultural, os valores e tradições locais. Aí surge um sentimento de pertença e relações mais inclusivas.
A obsolescência programada é um recurso que o sistema imperante inventou para continuar a produzir e a vender e assim manter o sistema ativo. O decrescimento só tem sentido em sociedades que já alcançaram sua autonomia e não precisam mais organizar a infraestrutura já universalizada para todos. Nós, pobres, precisamos de desenvolvimento (mais escolas, infraestrutura, postos de trabalho, etc), os ricos lhes basta a prosperidade que se expressa realizando valores humanitários, de arte, de cuidado para com a natureza, cultivo de intercâmbios, solidariedade para com os que menos têm em outras regiões.
O medo pertence à vida, porque ela é sempre ameaçada por algum imprevisto. Superamos o medo incorporando-o para não depender dele e alimentamos a coragem de viver e de superar obstáculos.
O Papa Francisco e o Dalai Lama são homens do Espírito. Falam para o profundo humano ao falar do amor incondicional, de solidariedade e compaixão para com os que sofrem e de busca permanente da superação dos instintos de violência, cultivando uma cultura da paz. Ambos tornam real o mundo espiritual dentro de uma sociedade materializada e que perdeu o sentido da fraternidade universal e o fato de vivermos todos juntos na mesma Casa Comum que devemos cuidar e amar como cuidamos e amamos nossas mães.
O Papa faz a política do óbvio, política como a convivência pacífica entre todos e a capacidade de se solidarizar com os que vivem invisíveis e à margem. Ele fez uma opção pelos mais pobres como eixo orientador de tudo. A própria Igreja como um hospital de campanha que se coloca a serviço de todos, especialmente dos mais vulneráveis. Ele sempre viveu assim na Argentina. E levou esse modo de ser e de pensar para dentro das estruturas seculares e rígidas do Vaticano. Com isso, ele escandalizou a muitos, mas ganhou o reconhecimento universal. Ambos, Francisco e o Dalai Lama, são as figuras mais respeitáveis, seja no campo político, seja no campo religioso.
A compaixão é a virtude pessoal de Buda. É a capacidade de colocar-se no lugar do outro. Se ele está caído, ajudá-lo a levantar-se; se está triste, dizer-lhe palavras de consolo. Nunca permitir que quem sofre se sinta sozinho. Mas sempre estar do lado dele. O terrível do sofrimento não é o sofrimento, mas a solidão no sofrimento. A sabedoria vem da coerência na vida com tais atitudes.
Caminhamos com autonomia sendo autônomos. Quer dizer não seguir as modas, sejam filosóficas, sejam espirituais, sejam do consumo e do entretenimento. Seguir o chamado de seu coração. Se escutar o coração, nunca será defraudado.
Além da razão intelectual, importante para organizar as práticas da vida, precisamos resgatar e viver a razão cordial, a capacidade de sentir profundamente o outro e as mensagens que nos vem de todos os lados. No coração reside a ética, os valores que dão orientação na vida, o amor e a espiritualidade. Não basta conhecer, temos que sentir o outro, fazer do sofrimento da natureza o nosso próprio sofrimento e alimentar laços de inclusão de todos, sem excluir ninguém.
Vivemos uma única vez neste mundo. Por isso, importa viver com aqueles valores, projetos e sonhos que nos fazem mais humanos. Tornamo-nos mais humanos, quando amamos sem medo, nos solidarizamos com as causas que têm a ver com a justiça dos pobres e oferecemos o ombro a todos os que sentem necessidade de serem reforçados em suas dificuldades.
Viver a liberdade de espírito, a qual é o maior dom que podemos elaborar em nossa vida. A liberdade de espírito supera os superegos que nos limitam, os medos que nos freiam e nos abre o espaço para exercer nossa criatividade, nossa capacidade de nos relacionar com as mais diferentes pessoas e situações, sempre abertos a aprender, a se corrigir e a vida melhor e mais leve, para si e para os outros.
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3 Comentários
Gostei da entrevista. Parabéns a todos.
[…] teólogo Leonardo Boff, que escreveu o Prefácio do livro, acredita que Souza Lima está na linha dos grandes intérpretes […]
Adorei a entrevista!