Façam a Revolução da Compaixão

Dalai Lama pede aos jovens que sejam a geração das soluções e se rebelem pela paz


Por
Revisão: Daniela Reis
Edição: Polliana Zocche
Tradução: Cláudia Laux

Em abril de 2017, quatro jovens youtubers franceses foram apresentados ao mundo da compaixão por aquele que é considerado uma manifestação desta qualidade, Sua Santidade o 14º Dalai Lama. Em uma conversa que mudaria suas vidas, o Dalai Lama abordou-os com um apelo: que eles sejam a geração das soluções, que eles se rebelem pela paz e façam a Revolução da Compaixão. Esse encontro estimulou a professora espiritual e escritora Sofia Stril-Rever a escrever, junto com Sua Santidade, o livro Façam a Revolução: o apelo do Dalai-Lama aos jovens do século XXI, da editora Alaúde, leitura indicada pelo Lama Padma Samten durante um ensinamento recente.

No texto a seguir, os(as) leitores(as) da Bodisatva podem apreciar os excertos do Manifesto da Responsabilidade Universal publicados nesse livro, bem como os Onze Compromissos de Vida, que os autores sugerem como leitura complementar a esse documento. Que possamos, assim como esse grande mestre, manifestar a maior compaixão, livre e desimpedida, e dar nascimento a uma realidade fraterna e amorosa com todos os seres nas dez direções.


Manifesto da Responsabilidade Universal¹

A Revolução da Compaixão, para ser posta em prática, exige de nós três conscientizações e onze compromissos de vida, apresentados no Manifesto da Responsabilidade Universal.

Primeira conscientização: Paz interior e realidade compartilhada da vida

Nasci nesta Terra, sou filho(a) da vida, dentro do cosmos. Meus códigos genéticos captam as mensagens do universo. Estou ligado(a) a todos os seres vivos na realidade compartilhada da vida. O bem-estar deles depende do equilíbrio dos ecossistemas, os quais por sua vez dependem da paz no coração dos homens e do espírito de justiça nas sociedades humanas, em que ninguém deve ser abandonado nem destroçado pela fome, pela pobreza e pela miséria. Num espírito de equanimidade, livre de parcialidade, de apego e de raiva, ajudo a manter e a restabelecer a harmonia da vida. Viver a paz e a cura interior em cada um de meus gestos, visando ao bem de toda a existência, humana e não humana, é um grande convite para estar vivo, na alegria do amor universal que é a vida.

Segunda conscientização: Nossa humanidade interior

Nasci nesta Terra, sou filho(a) da vida, no seio da humanidade, minha família. Somente o altruísmo me motiva a agir pelo bem de todos os viventes, assumindo minha responsabilidade universal. Paz interior, amor e compaixão não apenas expressam um ideal nobre, mas também constituem uma solução pragmática dentro da nova realidade, garantindo o interesse geral ao combater o abandono do vínculo social e a extinção das solidariedades. A necessidade de cooperar me leva a reconhecer que a base mais segura para um desenvolvimento sustentável do mundo está em minha prática individual e compartilhada da paz interior, do amor e da compaixão. Assim, recupero a esperança e a confiança no destino compartilhado da humanidade.

Terceira conscientização: Satyagraha, a força da verdade

Nasci nesta Terra, sou filho(a) da vida, no seio da grande paz natural. Na era da internet e da globalização, quando me sinto manipulado(a) e instrumentalizado(a) pela cultura tecnoeconômica, conscientizo-me de que preciso incorporar uma sabedoria da responsabilidade universal, que, baseada na força da verdade e do amor, o Mahatma Gandhi denomina “Satyagraha”. Satyagraha é a minha arma para combater a injustiça sem violência. Pois, se a verdade flui através de mim para se expressar, sou invencível. Ao viver Satyagraha no dia a dia, eu me torno, por meio de outros e com outros, artesã(o) da paz, da justiça e da verdade. Cidadã(o) do mundo, assumo um novo vínculo cívico de responsabilidade universal. Assim, um dia, as gerações futuras verão surgir o mundo ao qual aspiro, mas que talvez eu nunca veja. Dentro do possível, portanto, esforço-me para construir constantemente, num espírito de paz e de amor, a nova realidade de uma Terra fraternal.

Onze Compromissos de Vida

Determinado a viver plenamente as três tomadas de consciência, integro-as em um código de conduta coerente, guiando meus pensamentos, palavras e ações. Certamente a atitude ética tomada por mim não constitui uma solução direta para os imensos problemas do mundo, porém representa uma dinâmica positiva baseada na força de visões compartilhadas e na vontade de trabalhar em sinergia com todos aqueles que se mobilizam em nome da humanidade.

Reconheço os fundamentos e a necessidade dos direitos da pessoa humana, dos não humanos e do meio ambiente, tal como definido e adotado pelas Nações Unidas e outras organizações internacionais. No entanto, por si mesmos tais direitos não bastam para criar condições de paz e de reconciliação para o mundo, se não forem animados por valores de minha humanidade interior. Por esta razão, o Manifesto da Responsabilidade Universal se baseia em um consenso fundado em três tomadas de consciência, firmadas em onze compromissos de vida.

Um compromisso de vida representa um objetivo pleno de sentido, que escolho em liberdade e consciência, pois exprime minha verdade, em uma compreensão justa da realidade interdependente.

1º compromisso de vida: Em favor da paz interior

Comprometo-me a tornar-me a paz que desejo para o mundo. A paz não pode nem ser decretada, nem estabelecida por imposição externa. A paz se forma na base de minha humanidade interior. Fruto da compaixão, amadurece em meu coração. Comprometo-me a deixar que a paz em mim floresça e irradie, consciente de que, a cada um de meus passos em direção à paz, toda a humanidade caminha nesse sentido.

2º compromisso de vida: Em favor de Ahimsa, a não violência

De todos os dons, o da vida é o mais precioso para cada ser vivo. Comprometo-me, no espírito de ahimsa, a respeitar e a proteger a diversidade de todas as formas de vida que fazem da Terra seu habitat. Vinculo minha vida de modo indissolúvel à não violência, como aspiração profunda de minha humanidade interior.

3º compromisso de vida: Em favor de uma ética antiespecista

Consciente tanto da fragilidade como da vulnerabilidade inerentes à condição de ser vivo, e considerando que os direitos humanos não devem ameaçar os direitos à vida das outras espécies, comprometo-me a favor de uma ética antiespecista, protegendo todas as formas de vida, mesmo as mais frágeis, que dependem de mim e de quem dependo eu.

Esta ética questiona a crueldade das condições de criação intensiva e de abate dos animais, opondo a isso o princípio infalível da comunidade indivisível da vida.

4º compromisso de vida: Em favor da dignidade humana

Comprometo-me a honrar e a proteger a dignidade inalienável do ser humano, principalmente nas pesquisas sobre questões de eutanásia, bioética, clonagem ou ainda biotecnologias curativas e melhorativas.

Entendendo que violentar um único ser humano representa ferir toda a humanidade, defendo o respeito dos direitos da pessoa humana. Trabalho em favor da liberação dos oprimidos e de todos os milhões que padecem ainda de formas degradantes de escravidão moderna.

Em nome da maioria silenciosa, combato o dogma mercantil de uma mundialização anônima e desalmada. Recuso-me a apoiar estratégias de desmaterialização e de especulação financeira, que parasitam as consciências dos principais agentes econômicos e políticos, desresponsabilizando os indivíduos.

5º compromisso de vida: Em favor do compartilhamento

Comprometo-me a apoiar uma cultura de compartilhamento, de apoio, prestação de serviços e solidariedade, consciente que constituem a base da vida na Terra. Oponho-me à lógica dominante, utilitarista e de curto prazo, que desloca as solidariedades ao favorecer a tirania do lucro e da concorrência, causas da pauperização e de um esgotamento acelerado dos recursos.

6º compromisso de vida: Em favor da democracia

Comprometo-me em favor da democracia representativa, com a convicção de que este sistema de governo, quando não corrompido, é o que melhor se adapta à natureza da humanidade e constitui a única base estável sobre a qual erguer uma estrutura política global. Pois o verdadeiro democrata defende por meios não violentos sua liberdade, a de seu país e, enfim, a de toda a humanidade. Ele promove tanto a reforma pessoal como a da sociedade, segundo novas realidades e expectativas cidadãs.

7º compromisso de vida: Em favor da justiça econômica

Comprometo-me a contribuir em favor de uma economia mundial que respeite o direito de todos à vida, humanos e não humanos. Nesse espírito de justiça, rejeito privilégios e monopólios, recusando tudo o que não possa ser compartilhado. Evito igualmente acumular o supérfluo que me leve a desperdiçar bens em um tempo em que milhões de pessoas não dispõem nem do estrito mínimo. Se cada um possuísse apenas o necessário, ninguém sofreria carências.

8º compromisso de vida: Em favor do engrandecimento das mulheres

A mulher é a mãe dos homens. A ela cabe proteger a vida e ensinar o espírito de paz em um mundo em guerra, com sede de reconforto. Comprometo-me a dar às mulheres o poder de contribuir à evolução da sociedade por meio da educação e do acesso a cargos de responsabilidade, pois reconheço sua capacidade natural de reumanizar o mundo, revitalizando as responsabilidades individuais e coletivas num sentido mais altruísta.

9º compromisso de vida: Em favor de uma educação holística

Comprometo-me a promover uma educação holística que ensine a viver, desenvolvendo não apenas faculdades intelectuais, mas também intuição e qualidades de coração. Visando uma responsabilidade universal, a educação de jovens exige que lhes seja ensinado o discernimento crítico que identifique erros, ilusões e parcialidades; que sua humanidade interior seja despertada, formando-os em ciências internas mentais e emocionais por meio da meditação, para que desenvolvam maturidade cognitiva, emocional e deliberatória, ao mesmo tempo em que praticam altruísmo e solidariedade, necessários para afrontar as incertezas do destino humano.

10º compromisso de vida: Em favor de uma cultura de Satyagraha

Comprometo-me a estudar a história e os princípios do movimento satyagraha para imaginar e praticar modos de ação transformadores de resistência às pressões culturais, sociais e políticas que me desviem de minha humanidade interior. De acordo com satyagraha, a potência do agir não tem origem física; ela provém do espírito. Forjada na consciência que contempla a verdade, é indomável, pois não compactua.

11º compromisso de vida: Em favor de uma sabedoria da responsabilidade universal

Comprometo-me com alegria a cultivar conscientemente, em todos os aspectos de minha vida, uma sabedoria baseada na responsabilidade universal em prol do bem de todos os seres vivos. É a efetivação de minha humanidade interior que revoluciona as consciências, pois o escopo planetário atual é rever em profundidade os paradigmas existenciais do passado, a fim de reconciliar o progresso científico e técnico com o progresso ético e humano, em uma nova realidade.


¹ 14º Dalai Lama e Sofia Stril-Rever. Façam a revolução!: O apelo do Dalai lama aos jovens do século XXI . Editora Alaúde (2018)

² 14º Dalai Lama e Sofia Stril-Rever. Nouvelle réalité: L’âge de responsabilité universelle. Editora Les Arènes (2016)


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1 Comentário

  1. Ormando :) disse:

    Lindo texto, cheio de compaixão e sabedoria ^.^ gratidão e alegria :}

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