Como forma de preparação para o próximo 108 Horas de Paz do CEBB, a Bodisatva fez um apanhado dos últimos encontros
“O budismo tradicionalmente foi em busca de lugares tranquilos e da transformação interna. Mas neste tempo, consideramos que a noção de rede e diálogo com o poder público é essencial. Tomamos visões elevadas e fazemos parcerias, sonhamos juntos. E isso é uma alegria!”
Lama Padma Samten durante o 108 Horas de Paz 2017-2018 sobre “Reencantamento da Vida”
A visão de que é possível nos reunirmos com pessoas que tenham diferentes compreensões da realidade, ouvirmos uns aos outros e compartilharmos sonhos de um futuro melhor para nós mesmos, os outros, a sociedade e o meio ambiente tem sido a força motriz de um evento que este ano entra em sua 19ª edição: o “108 Horas de Paz”. Fruto de uma parceria entre o Centro de Estudos Budistas Bodisatva e o Instituto Caminho do Meio, o 108 Horas já se tornou tradicional na programação de atividades do CEBB Caminho do Meio (Viamão-RS) e uma opção para passar a virada do ano em uma ambiente de compaixão, sabedoria e ação no mundo.
Calcado numa visão plural e complementar, o evento coloca o pensamento budista em diálogo com diferentes áreas da cultura contemporânea, como educação, saúde, ecologia e ciência. Em todos os seus eventos, o 108 Horas inclui na programação o Diálogo Inter-religioso, estendendo esta interlocução a diferentes tradições. Por meio de palestras, atividades culturais, rodas de conversas apreciativas e rodas de sonhos, são trazidas pelos convidados diferentes perspectivas que confluem para uma visão ampla sobre como lidar com desafios específicos da sociedade atual.
Nos últimos anos, o 108 Horas de Paz tem se voltado mais especificamente para os temas da ação em rede e da auto-organização por meio do reencantamento da vida e do olhar, como antídotos para o que entendemos como um mundo em crise. Ressoando a visão do Lama Samten, as duas últimas edições partiram da compreensão de que a nossa atual condição de sofrimento – como adoecimento mental ou físico – não são fenômenos individuais, mas sistêmicos, frutos de estreitamento do olhar nos diversos âmbitos: sociais, políticos, culturais, educacionais.
A visão aqui é a de que é pela via do coletivo e da ação em rede que nos conectamos com uma vida que tenha mais sentido e, ao mesmo tempo, geramos benefícios localmente. Este ano, seguindo o trabalho iniciado pelo CEBB no contexto pré-eleitoral, o encontro – que acontecerá de 27 de dezembro a 01 de janeiro – será dedicado à constituição e à consolidação das redes de diálogo e ação social. Tendo em vista o momento atual do país, representantes de instituições religiosas e do poder público, movimentos sociais e entidades não governamentais conversarão sobre como articular ações de forma ampla e não-sectária, reforçando valores comuns elevados e se unindo para contribuir com um processo de “refundação do Brasil”, usando a expressão do querido Prof. Luiz Gonzaga.
Como forma de nos prepararmos para este evento, a Bodisatva fez um breve levantamento das duas últimas edições, lembrando os principais temas e os amigos que sentaram conosco ao compartilhar generosamente suas visões e experiências.
Tendo como tema “Auto-Organização”, este 108 Horas teve a proposta de recuperarmos a capacidade de nos organizar em grupos, de gerar nossas próprias condições de vida e ampliar nossa autonomia. Essa aprendizagem coletiva incluiu visões do budismo, das tradições indígenas e quilombolas, de diferentes movimentos sociais, tradições religiosas e grupos que têm experimentado a auto-organização na educação, na relação com a agricultura e o meio ambiente, e nas várias formas de ação social. Além das atividades de mesas-redondas e rodas de sonhos, essa edição também contou com pockets culturais, exibição de filmes e oficina de bordado coletivo.
Lama Padma Samten iniciou o evento com a palestra “Budismo e Auto-Organização: A Visão das Mandalas”. Em seguida, na primeira mesa, com o tema “Auto-Organização e Filosofia”, Lama Padma Samten, Sérgio Sardi (professor de filosofia da PUC-RS) e Juca Oliveira (CEBB – Instituto Caminho do Meio) compartilharam suas visões e práticas sobre o processo de auto-organização.
Na sequência, Carol Senna (então diretora da Escola Caminho do Meio), Fernando Leão (diretor da Escola Vila Verde), representantes do Comitê das Escolas Independentes e Rafael Pozzer (professor da UFRGS e ativista dos movimentos de software livre e da democratização da rede) participaram da mesa “Auto-Organização na Educação”. Carol e Fernando relataram a experiência de auto-organização nas duas escolas do Instituto Caminho do Meio, ligadas ao CEBB, e falaram sobre o propósito de uma educação voltada para a felicidade não apenas para as crianças, mas também para professores, famílias e comunidades ao redor.
No dia seguinte, o foco foi “Auto-organização na Vida em Comunidade”, ou seja, como as comunidades podem funcionar de maneira que todos os seus membros tenham autonomia para participar da vida coletiva. Para essa conversa, o 108 recebeu convidados de grupos que já se organizam desse modo há muito tempo, como Kujà Iracema (xamã da etnia Kaingang), sua filha Capri (estudante de Administração da UFRGS) e Griô Maria Elaine Espíndola (líder de movimentos quilombolas). Também compuseram a mesa: Ricardo Pellegrini (praticante antigo do CEBB e apoiador de diversas Aldeias CEBB), Carolina Nunes Pannain (Defensora Pública de São Paulo) e Andressa Corrêa (doutora em sociologia pela UFRGS, participante da Rede de Investigadores Latino-Americanos em Economia Social e Solidária).
Depois, Leoberto Brancher (Justiça 21), Jean Carbonera (Advogados Sem Fronteiras), Roberta Coimbra (MST), Rafaela Duso (Psicóloga de projetos de justiça comunitária e parte do Núcleo de Estudos em Mediação da Escola Superior da Magistratura – AJURIS) e Lama Padma Samten participaram da mesa “Auto-Organização na Ação no Mundo”, mostrando, entre outros exemplos, como é possível aplicar uma Cultura de Paz no âmbito jurídico e de que modo se organizam alguns movimentos sociais envolvidos em assentamentos no Brasil.
E Marc Weiss, Nancy Sedmak-Weiss e Camila (ZISPOA – Zona de Inovação Sustentável de Porto Alegre ), Juarez (agricultor e organizador da Feira Orgânica de Porto Alegre), Marjorie Jonsson (Bacharel em Administração de Empresas e Empreendedora Social na Horta Urbana), Lourdes Maria Duarte (“Rafinha”, curadora do movimento da Pastoral da Saúde) e Fábio Duarte Schwalm (Saúde e Espiritualidade) participaram do último encontro antes do Diálogo Inter-religioso, na mesa “Auto-Organização Ambiental, Alimentar e em Saúde”.
No último dia do evento, Monja Shoden (Vila Zen), Monge Dengaku (Vila Zen), Padre Roque (Paróquia de Santa Isabel/Igreja Católica), Rafael Santos da Silva (Missionário), Iroque e Inae (Tradição Africana), Dr. Manoel de Freiro (Espiritismo), Iracema e João (Kaingang), Ricardo Lindemann (Sociedade Teosófica), Gopala (Yoga Vedanta) e Lama Padma Samten (Budismo) apresentaram suas visões sobre auto-organização de acordo com suas tradições, encerrando as atividades do 108 Horas de Paz com o Diálogo Inter-Religioso.
O 108 Horas de Paz de 2017-2018, a mais recente edição, trouxe como tema principal o “Reencantamento da Vida”. Com a proposta de expandirmos nosso olhar para ver, sentir e agir mais amplamente, o evento trouxe diferentes temáticas e abordagens para a vida em sociedade, tais como saúde, educação, política, economia, culturas tradicionais, entre outras. Além disso, tivemos atividades culturais e vivências complementares, como oficina de Agricultura Sintrópica com Fernando Rebello, Musicoterapia com Carlos Thandra Canto e Roda de Capoeira com o Ponto de Cultura Africanamente.
A primeira mesa-redonda teve como tema “Saúde Individual e Coletiva” e participaram, além do Lama Padma Samten, Benilton Bezerra e Ana Cláudia Quintana Arantes. Benilton é médico, professor do Instituto de Medicina Social da UERJ e membro da direção da ONG Casa na Árvore. Ele tem se dedicado ao estudo de terapias ligado à psiquiatria, às ciências da mente e às identidades culturais. Ana Cláudia também é médica (geriatria e gerontologia), sócia-fundadora da Associação Casa do Cuidar – Prática e Ensino em Cuidados Paliativos e, desde 2005, vem conduzindo cursos intensivos e conversas sobre a morte. Ela também é autora do livro A Morte é Um Dia que Vale a Pena Viver, pela editora Casa da Palavra.
As discussões da mesa passaram por reflexões sobre o que é “saúde”, o que é “doença” e como entendemos esses conceitos ao longo do tempo, incluindo questões ligadas à gestão da saúde e à nossa dificuldade de lidar com a morte.
Na sequência, Vanessa Krauskopf, da Escola Caminho do Meio, e Reinaldo Nascimento conversaram sobre “Pedagogia de Emergência”. Reinaldo tem formação em Educação Física e em Terapia Social (Alemanha). Ele é um dos educadores pioneiros que aplicaram, no Brasil e no mundo, a Pedagogia de Emergência – abordagem educacional que busca incidir diretamente após episódios de trauma.
No dia seguinte, Lama Padma Samten, Luiz Gonzaga Lima e José Cesar Martins conversaram sobre “Reencantamento Coletivo e a Vida Política”. Luiz Gonzaga é professor universitário e cientista político, autor do livro “A Refundação do Brasil: rumo à sociedade biocentrada” (RiMa editora). José Cesar Martins é mestre em Sociologia, trabalhou no Banco Mundial como investidor na área de tecnologia e é um dos idealizadores do Agenda 3.0. Eles conversaram sobre as diferentes visões de sociedade, modelos existentes e como se reencantar com novas perspectivas de vida coletiva.
Na mesa “Educação e Políticas Públicas: Uma Visão Ampla”, Fernando Leão e Márcia Leal trouxeram suas perspectivas e experiências na área de Educação e Pedagogia. Fernando é historiador e diretor da Escola Vila Verde, em Alto Paraíso. Márcia é investidora e empreendedora social do Projeto Acorde, que atua no desenvolvimento humano de crianças, jovens e adultos.
O 108 Horas deste ano contou também com conversas em torno do tema “Culturas Tradicionais: Visões Encantadas”. O Cacique André Benites (Tekoá Ka’aguy Porã — Mbya Guarani), Cacique José Cirilo (Tekoá Ahetenguá — Mbya Guarani), Cesar Santos (antropólogo, UFABC), Cassandra Oliveira (analista ambiental, ICMBio) e Luiz Gonzaga de Souza Lima (historiador) mostraram de maneira muito emocionante, e de acordo com suas visões, o quanto é vivo seu encantamento e alegria pela vida. A fala do Prof. Luiz Gonzaga foi tão impactante que a Bodisatva compartilhou a transcrição aqui.
Durante a noite, foi exibido o filme “Nhemonguetá”, documentário etnográfico sobre a cultura Mbya Guarani e uma sessão de conversa com os diretores Paola Mallmann e Eugênio Barboza.
E por fim, no dia 31, aconteceu o já tradicional Diálogo Inter-Religioso, em que estiveram presentes Sra Maria Eliane (Espiritismo), Lama Padma Samten (Budismo), Cacique André (Guarani), Professor Joaquim Monteiro (Budismo Terra Pura), Silvio Schneider (Luterano), Ricardo Lindemann (Igreja Católica Liberal), Iroque e Inae (Tradição Africana), que trouxeram suas visões de reencantamento da vida segundo cada tradição.
A Bodisatva está preparando uma retrospectiva completa para um Especial do 108 Horas de Paz e, para isso, tem contado com a ajuda de vários colaboradores, alguns dos quais já contribuíram na pesquisa deste texto. A pesquisa segue em curso, mas já gostaríamos de agradecê-los: Bruna Crespo, Lilian Tavares, Polliana Zocche, Rafaela Valença, Bruno L’Astorina, Juca Oliveira, Cláudia Allegro, Cláudia Laux e Valma Ruggeri.
Quem quiser se somar a essa pesquisa e nos enviar informações, arquivos, imagens, gravações, transcrições ou depoimentos sobre as edições anteriores do 108 Horas de Paz, entre em contato através do e-mail revista@bodisatva.com.br
Complemente sua leitura
Veja o registro coletivo de imagens do 108 Horas de Paz “Reencantamento da Vida” neste álbum de fotos.
Apoiadores