Ryohan Shingu nos revela os princípios do cultivo de ambientes que fundem o homem com a natureza
O mestre Ryohan Shingu foi superior para a América Latina da comunidade budista Sotô Zenshu, em São Paulo. Neste artigo, publicado na revista Bodisatva número 1, resgatamos seu pronunciamento na inauguração do jardim japonês de São Bernardo do Campo, em 1971.
Na arte da jardinagem japonesa, explica Ryohan Shingu, é fundamental o princípio de sute-ishi, literalmente, “pedra jogada”. Este princípio poético do zen representa a eternidade e a imensidão da natureza e, mesmo, o ideal da humanidade.
Como um jardineiro genuíno Ryohan Shingu nos explica o porque: “A paz e a felicidade só serão realidade quando cada um de nós se comportar como sute-ishi, cumprindo silenciosamente o que lhe compete, sem querer destaque, sem queixas, sem reclamações, sem exageros, sem esmorecimento”.
Deleite-se com este curto ensinamento:
O homem, por mais que se esforce, não passa de uma espécie de gênero animal que, por sua vez, faz parte integrante da natureza. Esse ser humano acrescentou a inteligência sobre o instinto e daí começou o sofrimento humano. Para sair do impasse, a inteligência se torna cada vez mais complicada e surgem vários padrões de vida que se chamam civilização ou cultura. Civilização ou cultura, ao que parece, é o produto de artimanhas que o homem introduz na natureza e, em seguida, impõe a si mesmo. Disto, no entanto, não pode desvencilhar-se, nessa altura dos acontecimentos.
O problema tem de ser solucionado. O esforço, nesse sentido, redundou no desejo de conviver mais com a natureza ou, pelo menos, sentir essa sensação. Uma das manifestações de tal desejo consiste em redispor a natureza, sob a forma de jardim.
A arte da jardinagem no Japão teve grande impulso a partir do século XV, sob a influência do Zen. No século XVI a cerimônia do chá, também derivada do Zen, desenvolveu o chamado “jardim da casa de chá”, estilo esse que se tornou o protótipo do jardim japonês de hoje.
O jardim de estilo europeu simboliza o homem conquistando a natureza: canteiros, flores, passeios, fontes – tudo aí está ordenado geometricamente, dominando a natureza. A contrastar, o jardim japonês reflete a atitude do homem obedecendo a ordem natural.
O japonês considera que o homem é criado pela natureza, ela é sua amiga. Simbolizar a natureza assim concebida tem sido o escopo da jardinagem no Japão. O homem, mesmo estando dentro de casa, pode conviver mais com a natureza e através disso perceber a eternidade e sentir o infinito.
De acordo com essa ideia é construído o jardim japonês: montes, rios, lagos são delineados; pedras são colocadas, árvores e flores são arranjadas. O mais importante é a colocação de pedras. Nesse sentido, por sua vez, é fundamental o princípio de sute-ishi, literalmente, “pedra jogada”. Sute-ishi são as pedras colocadas ao lado de uma árvore ou bambú, como se fosse por acaso, sem propósito. Parece não ter função estética alguma, mas trata-se de peça importantíssima. Pode-se dizer que ela representa a eternidade e a imensidão da natureza e, mesmo, o ideal da humanidade.
É indispensável à harmonia de todo o jardim. Trata-se do simbolismo Zen, no qual a eternidade e a natureza se fundem num minúsculo “eu”, e este pode se estender ao eterno e ao infinito, indicando a quietude do Zen, que parece não ter utilidade, mas é, porém, princípio primordial da natureza, da vida e do desenvolver de todo o universo.
É uma característica humana procurar um lugar de destaque, notoriedade, mas o importante na sobrevivência é a existência de homens como sute-ishi. A paz e a felicidade só serão realidade quando cada um de nós se comportar como sute-ishi, cumprindo silenciosamente o que lhe compete, sem querer destaque, sem queixas, sem reclamações, sem exageros, sem esmorecimento. O sute-ishi do jardim japonês ensina muitas coisas. Faço votos de que o princípio da arte da jardinagem japonesa se propague cada vez mais, de maneira a trazer a paz ao mundo e a felicidade ao homem.
O texto acima foi publicado originalmente na Revista Bodisatva nº 1.
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