A história de Asanga

A contemplação dos ensinamentos por trás do encontro com o Buda Maitreya


Por
Revisão: Cristiane Schardosim Martins
Tradução: Grupo de tradução CEBB

Lama Tsomo, autora da obra Deepening Wisdom, Deepening Connection, publicada em 2022 pela Namchak Publishing, narra nessa passagem do livro o encontro entre o aluno Asanga e o Buda Maitreya, e contempla os ensinamentos por trás dessa famosa passagem, que envolvem carma, prática, paciência, compaixão e bodhicitta. 

Essa história foi apresentada e comentada por Lama Padma Samten, no estudo de aprofundamento Natureza de Buda, que aconteceu no CEBB Caminho do Meio. Para acessar os ensinamentos, clique aqui.


Aqui há outra história que mostra como podemos limpar nosso para-brisa cármico, não apenas por meio de shamata, como também pela abordagem de bodhicitta da Compaixão Ilimitada. Lembrem-se de que aquilo que transforma nossas tendências cármicas e habituais de autocentramento remove os obscurecimentos das nossas lentes — ou do nosso para-brisa. É necessária muita repetição para transformar nossos hábitos, criando e expandindo novos caminhos neuronais e dissolvendo os velhos.

“Muito tempo atrás, na Índia antiga, um aluno do Darma chamado Asanga tinha um objetivo: ver o Futuro Buda Maitreya, que já era um grande bodhisattva. Ele planejava receber suas instruções. Então, começou um retiro com foco na prática de Maitreya em uma caverna na Montanha Kukkutapada. Asanga passava todas as horas de vigília, todo dia sem falta, recitando o mantra de Maitreya, visualizando-o, fazendo oferendas e assim por diante. Isso se estendeu por seis anos.

Ele nunca viu Maitreya, nem mesmo em sonhos. Não teve nenhum tipo de sinal. Foi ficando desanimado e desistiu. Após completar os rituais de encerramento de seu retiro, arrumou suas malas e saiu pela rua em desespero. Em certo ponto, encontrou um homem esfregando um enorme poste de ferro com um lenço macio. “O que está fazendo, meu amigo?”, Asanga perguntou. “Preciso de uma agulha, então estou esfregando este poste para transformá-lo em uma agulha.” “Hmm”, pensou Asanga, “Ele precisaria ficar uns cem anos esfregando para conseguir o que deseja. Ainda assim, persevera. E cá estou eu, supostamente um bom praticante, mas desisti do meu elevado objetivo depois de meros seis anos. Meu objetivo é incomparavelmente mais importante e benéfico do que uma agulha.” Asanga sentiu-se constrangido e pesaroso por não conhecer o significado de perseverança.

Ele virou-se e retornou à caverna. Ao longo de outros três anos, não fez mais nada além de rezar continuamente a Maitreya. Continuou sem obter nenhum sinal. Desta vez, ele tinha certeza de que não havia absolutamente nenhuma esperança de ver Maitreya, de que estava desperdiçando sua vida, não estava atingindo coisa alguma. Novamente, ele finalizou o retiro, embrulhou seus poucos pertences e saiu pela estrada. A primeira pessoa que encontrou foi um homem ao pé de uma enorme pedra. O homem estava mergulhando uma pena na água e usando-a para acariciar a pedra. “O que você está tentando fazer?”, Asanga perguntou, perplexo. “Esta pedra está impedindo que a luz solar chegue à minha casa, então estou desmanchando-a”, explicou. Imediatamente, a mente de Asanga voltou aos pensamentos de três anos atrás e ele retornou à caverna, praticando com renovada energia. Três anos se passaram. Nada, nothing, zilch. “É isso!”, ele declarou em total desespero. “Não importa o que eu faça, percebo que mesmo que eu siga fazendo isso por um milhão de anos, não vou chegar a lugar algum.” Ele arrumou suas coisas e foi embora para sempre.

Desta vez, não se deparou com nenhuma pessoa fazendo coisas bizarras. Contudo, ele encontrou uma cadela. Suas patas traseiras estavam mutiladas e ela se arrastava de um jeito extremamente doloroso. Seus membros posteriores estavam cobertos de vermes que se contorciam. Ainda assim, de alguma forma ela encontrava forças para morder todas as mãos que tentassem se aproximar. Asanga foi tomado por uma onda avassaladora de compaixão. Seu coração quebraria em pedaços se não conseguisse ajudá-la. Mas como? Quando ele se aproximava, ela rosnava e tentava morder sua mão. E ele percebeu que, além de tudo isso, ela ainda estava morrendo de fome. Sem pensar, cortou um pedaço de sua própria carne e ofereceu a ela. Claramente todos aqueles anos meditando sobre o grandioso e compassivo Bodhisattva Maitreya não foram um total desperdício. Será que teríamos compaixão suficiente para dar nossa própria carne a um cachorro putrefato e mal-humorado?

A seguir, ele voltou sua atenção para os vermes. Não lhe pareceu possível retirá-los da cadela sem esmagar seus corpinhos tão moles. Mas Asanga sentiu compaixão por eles também. A única coisa que lhe ocorreu usar foi… bem… sua língua. Ele não ia aguentar retirá-los com sua língua se pudesse ver os vermes, então fechou os olhos e ajoelhou-se para começar o processo. Sua língua tocou o chão. Ele abriu os olhos: não havia nenhum cachorro! Olhou para cima. Lá estava o Bodhisattva Maitreya, enorme e resplandecente! Asanga sentiu a força de seu poder e amor derramando-se em todas as direções. A primeira coisa que pensou em dizer foi: “Maitreya! Onde você esteve todos esses anos? Tenho rezado para você, visualizado-o, recitado seu mantra, e em todo esse tempo você nunca apareceu!” Maitreya sorriu: “Asanga, eu estava lá com você o tempo inteiro. E quando desistiu, apareci como o homem com o lenço, o homem com a pena, e agora um cachorro.” Asanga chorou e pensou: “Mas… mas…” “Você não era capaz de me ver devido às suas ações negativas passadas e obscurecimentos. Ao longo desses muitos anos, você limpou-os o suficiente para eu aparecer como um cachorro putrefato. E o seu ato de compaixão finalmente limpou mais um pouco e tornou sua visão pura o suficiente para que pudesse me ver.”

“Não! Isso é impossível. Qualquer pessoa poderia vê-lo tal qual está aparecendo agora. Você é enorme e brilhante, tão claro quanto o dia!” “Se não acredita em mim, vamos dar uma volta na cidade e checar se mais alguém é capaz de me ver.” Asanga não estava convencido, então eles foram ao vilarejo mais próximo. Asanga carregou Maitreya no seu ombro direito. Ele perguntou a todos no mercado o que eles viam. Todos olhavam para ele com certa estranheza e diziam que não viam nada. Finalmente, encontraram uma senhora nos arredores da cidade, cujos obscurecimentos estavam relativamente mais purificados que os dos outros moradores. Quando Asanga a indagou, ela respondeu: “O cadáver putrefato de um cachorro.” Depois disso, Maitreya levou Asanga para um reino puro e ofereceu-lhe os ensinamentos elevados pelos quais ele havia rezado com tanto fervor. Mais tarde, Asanga se tornou um dos maiores mestres budistas da Índia antiga. Ele é famoso até hoje. Suas obras seguem sendo estudadas e ele ainda inspira milhares de pessoas.

Acabei de narrar-lhes sua história e vocês a leram, o que significa que o benefício do trabalho duro de Asanga continua se difundindo.

Esta história nos lembra de que, treinando a bodhicitta em geral, e especificamente a Compaixão, podemos realizar os dois processos que conduzem à iluminação: a remoção dos obscurecimentos e o reconhecimento da nossa Natureza Búdica.

Vocês podem ver como a Compaixão é essencial tanto no budismo Mahayana quanto no Vajrayana. Ainda que budas e grandes bodhisattvas possam aparecer em qualquer lugar, mesmo no Bardo (o estado onírico entre uma vida e a outra) ou nos nossos sonhos, se estivermos muito presos nas nossas fixações e obscurecimentos, não os veremos. E mesmo que vejamos alguma coisa, não vemos esses seres tal qual eles realmente são. Quando vemos com os olhos da compaixão, vemos de modo mais verdadeiro. Muito antes de nos aproximarmos ainda que só um pouco da iluminação, nós começamos a ver as pessoas que amamos, nossos colegas de trabalho, etc. com uma visão mais pura e um coração mais aberto. Recordo-me de conversar com um antigo estudante do Darma que sacudiu a cabeça e refletiu: “Com a prática do Darma, geramos controle sobre a nossa vida mundana… mas neste ponto, este já não é o nosso objetivo.” Ele estava aludindo ao fato de que, após muita prática, nos aprimoramos nas coisas que dizem respeito à vida mundana. Mas a esta altura, o que nós realmente queremos é despertarmos de tudo isso, por completo.

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