A história de Dionísia Machado, uma mulher que mudou as coisas de lugar

Livro escrito por Ângela Hofmann narra a história emocionante de Dionísia Machado, idealizadora da Casa da Sopa, na comunidade do Castelinho, Viamão (RS).



Livro narra a história emocionante de Dionísia Machado, idealizadora da Casa da Sopa, na comunidade do Castelinho, Viamão (RS).

 


 

“Nasci na cidadezinha chamada Triunfo, uma cidade bem pequena. Meu pai era lenheiro, cortava mato. Eu trabalhava nessa fazenda há muitos anos. Me criei por lá brincando, ajudando meu pai. Saí pequena de lá. Depois eu voltei, mas já era grande. Minha mãe se separou do meu pai e nos levou, eu e o Pedro. Quando a gente chegou em Porto Alegre, ela nos deu para uma família que morava no bairro Santa Rosa. Lá nós passamos muito trabalho. Tinha que andar na rua, andar na chuva pra poder arrumar alimento pra comer. O pai não sabia onde nós andava. Foi um período da minha vida que eu passei muito trabalho, na minha infância”, relembra a menina Dionísia Machado na primeira parte do livro Dionísia Mudou as Coisas de Lugar, trazendo relatos emocionantes em primeira pessoa da idealizadora da Casa da Sopa, onde fica a casa de Dionísia e  onde ela serve alimentação para crianças a partir de doações enviadas por diversas pessoas, na comunidade do Castelinho, em Viamão (RS).

O livro que será lançado neste domingo, 12 de dezembro, em Viamão, e no dia 18 de dezembro em Porto Alegre, é resultado do projeto cultural “Artesãs das palavras, das nossas histórias”, contemplado no edital da Lei Federal de Emergência Cultural “Aldir Blanc”, por meio da Prefeitura de Viamão, em 2020. Dionísia contou sua história e Ângela Hofmann ouviu atentamente Dionísia. Cativada e transformada pela escuta, foi transformando o relato oral em textos. No livro, descobrimos que tanto Dionísia quanto Ângela estão mudando as coisas de lugar.

A Dionísia de Antes

Dionísia circula pela comunidade do Castelinho na cidade de Viamão com a segurança de quem sabe que a vida vale a pena, ainda que não seja fácil. Seja na Casa da Sopa, dando de comer para as crianças, ou nos grupos de mulheres, falando sobre as dificuldades que teve no passado com alcoolismo e violência doméstica, Dionísia, sabe onde pisa. Como ela conta nesse trecho do livro transcrito acima, nem sempre foi assim: “A minha infância foi bem dolorosa”, conta.
O início da fase adulta não trouxe sossego para Dionísia, que teve um casamento muito difícil. A Dionísia de antes, como ela gosta de frisar, tinha muito medo, “porque quando a gente é maltratada, a gente sente muito medo, como se ali a gente nem existisse”.

A vinda para Porto Alegre, fugindo das dificuldades, apresentou a realidade das ruas e do álcool. Mesmo nesse tempo, ela seguia em contato com os filhos e aos sábados pegava o ônibus na rodoviária para ir encontrá-los.
Numa dessas visitas, eles conseguiram convencer Dionísia a se mudar para a comunidade do Castelinho. Lá ela conheceu o Centro de Estudos Budistas Bodisatva (CEBB), que funciona ao lado da comunidade Castelinho. Depois de um encontro com mulheres para fazer artesanato, sentada debaixo de uma das belas árvores do CEBB, foi convidada pelo Lama Padma Samten para entrar.

Outros pensamentos

Desde então, Dionísia não deixou de ir ao CEBB. Embora houvesse uma grande tristeza e a vida fosse muito dura, ela começou a ter outros pensamentos. E outras ações. Uma das práticas de cura foi a produção de tapetes de retalho. Ao invés de beber, Dionísia passava as noites fazendo tapetes multicoloridos.

Vinham as recaídas, as tristezas, a vontade de voltar para a rua e desistir de tudo. Numa das vezes, ela decidiu procurar o Lama, e contou tudo, desabafou mesmo. O Lama aconselhou: “Refaz os votos e segue”.
Foi uma chave que virou e desde esse dia, ela nunca mais bebeu. Até limpou a casa, mudou os móveis de lugar e passou a viver a mudança de muitas formas.

Estar sóbria é uma vitória para Dionísia há catorze anos, mas é também uma forma de ajudar outras mulheres. Sempre que vê uma mulher alcoolizada, Dionísia sente o impulso de ajudar. De acordo com Dionísia, “pra também ajudar os outros, a gente tem que estar bem, senão não consegue”. E de dificuldades Dionísia entende. E de ajudar também. Aliás, foi em meio a uma crise de choro enquanto vivia na rua, que ela prometeu que, quando tivesse um teto digno para viver, iria ajudar as crianças a se alimentarem. “Então, a minha ideia da sopa surgiu disso: da rua, do pedido que eu fiz pra melhorar.”

A Casa da Sopa

Dionísia começou fazendo sopa para as crianças numa lata de querosene, até que foi recebendo ajuda de muitas pessoas, e melhorando um pouco as condições da cozinha da Casa da Sopa. Há dezessete anos ela oferece comida todos os dias. Nem mesmo durante a pandemia ela parou. Quando o companheiro adoeceu e ela não pode cuidar dele no hospital, os filhos e filhas fizeram isso por ela. Dionísia faz questão de contar no livro o quanto é importante ver que, apesar de tudo, ela tem uma família amorosa, que tem cuidado uns com os outros.

Esse cuidado se estende para a Casa da Sopa, onde trabalham Jaciara, que é filha da Dionísia, Patrícia, Elô, Vera, Isabel, Gisele Sabrina e Jéssica, que são vizinhas na comunidade do Castelinho.
Logo cedo de manhã, Dionísia coloca os panelões no fogo, para cozinhar o feijão das crianças e abre a casa, não sem antes fazer a sua meditação, que aprendeu com o Lama Samten.

As Mulheres

Dionísia queria contar sua própria história para as mulheres, para que elas soubessem que é possível fazer escolhas diferentes, ainda que a vida apresente muitas dificuldades. Para ela, as mulheres dormem muito. E ela tem o desejo de que “todas acordem, que se cuidem”. No livro, ela toca no ponto da violência, do feminicídio e da necessidade da luta das mulheres para se manterem despertas. Quando lembra do seu tempo de antes, ela não se arrepende de ter vivido nas ruas, mas se arrepende de ter usado da bebida para se afastar da realidade.

“Eu não existia naquele tempo. Eu não tava existindo. Acho que, se hoje eu precisasse catar lixo pra sobreviver, eu faria a mesma coisa. Eu não me arrependo de ter feito isso, de jeito nenhum! Eu não me arrependo disso. Porque as pessoas que tão ali catando as coisas tão trabalhando. É um trabalho como qualquer outro trabalho. O que eu penso é que teria que ter mais projetos para as mulheres, oficinas, coisas que ocupassem a cabeça delas”.

Dionísia vem ajudando as mulheres de forma objetiva, e hoje são quatro que ela conseguiu ajudar a se afastar do álcool. Elas se ajudam mutuamente. E no que depender de Dionísia serão muitas mais.

Grupo Flor de Lis

Além da história de Dionísia, o livro traz também um pequeno relato pessoal de outras cinco mulheres que se relacionam com ela através da Casa da Sopa e do Grupo Flor de Lis. Uma delas é Jaciara, filha de Dionísia, que resume o que todas elas sentem. “Minha mãe é uma mulher incrível. Nesse mundo ainda não vi igual. Fez e faz tudo que pode por nós. Uma mãezona, uma amiga, uma vó nota mil! É com muito orgulho, muito carinho e muito amor, que falo dessa mãe que Deus me presenteou. Eu te amo”.

Ângela Hofmann

A história oral foi ouvida, gravada, transcrita e editada com delicadeza e sensibilidade pela escritora Ângela Hofmann, que desde a primeira escuta percebeu a riqueza e o poder da oralidade de Dionísia. “Para colher um depoimento de história oral é necessário que haja um processo de sensibilização, uma vinculação entre as duas pessoas, entre quem escuta e quem fala”, nos conta Ângela, que diz não ter sido fácil depois de todas as conversas, escolher as rotas a serem percorridas no livro que tinha como gancho empoderar as mulheres, mote proposto pela própria Dionísia.

Se não foi fácil, a escolha se mostrou precisa, pois o livro nos arrebata desde o início, e a leitura flui naturalmente ao nos colocar em contato direto com a história de Dionísia através da preservação da sua fala original, com pequenas edições. “Depois de ouvir e transcrever as entrevistas, precisei estudar, olhar para aquele todo de histórias e escolher uma linha de tempo para seguir. Durante esse período fui lendo para ela. Assim, ela pôde ouvir a si mesma através da escuta do seu depoimento escrito”.

Ilustrações e Fotos
O livro conta ainda com ilustrações de Mitti Mendonça que usou a técnica de bordado para representar a história de Dionísia, fotos de Lua Cezimbra e desenho de Beto Campos.

Lançamento
O lançamento do livro, que será distribuído gratuitamente, acontecerá no domingo, dia 12 de dezembro, em Viamão, com um almoço em prol da Casa da Sopa, e no dia 18 de dezembro em Porto Alegre.

Rodízio de massas em prol da Casa da Sopa & Lançamento do livro de Dionísia Machado

Dia: 12 de dezembro (domingo) – 11h
Local: CASA DA SOPA (Dionísia pede que cada pessoa leve seus pratos e talheres)
Horário: 11h às 14h
Endereço: Rua Onze, 155, Vila Jardim Castelinho, Viamão/RS
Valor: R$20,00 (almoço) ou R$40,00 (almoço com contribuição)

Lançamento em Porto Alegre

Dia: 18 de dezembro (sábado) –  17h30
Local: Armazém do Campo – Produtos da Terra
Horário: 11h às 14h
Endereço: Rua José do Patrocínio, 888, bairro Cidade Baixa, Porto Alegre/RS

O livro está disponível em PDF e você pode fazer o download aqui: http://hortelias.com.br/dionisia/

Para contribuir com Dionísia Machado: 55 51 9242-2427

Apoiadores

1 Comentário

  1. Nice Salvi disse:

    Parabéns. Importante divulgar, promover e incentivar ações positivas.

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