A hora de agir é agora

Neste texto David Loy, professor zen que conversará com Lama Samten no CEBB Talks, aponta ações individuais e coletivas para responder a crise climática


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Revisão: Polliana Zocche
Edição: Polliana Zocche
Tradução: Daniela Reis

No terceiro encontro de CEBB Talks, Lama Padma Samten recebe David Loy, professor Zen, ativista, sociólogo e fundador do Rocky Mountain Ecodharma Center (EUA), para conversar sobre “Crise mundial e novos caminhos espirituais“, no dia 12 de novembro, quinta-feira, às 19h. Abaixo, publicamos um trecho que está no apêndice de seu livro recente Ecodharma: Ensinamentos Budistas para a Crise Ecológica (sem tradução) onde, junto com outros professores, compõem uma declaração de princípios budistas relevantes para lidar com o maior desafio em escala coletiva que encaramos

Sua prática no budismo zen começou no Havaí em 1971 com Yamada Koun e Robert Aitken, e continuou com Koun-roshi no Japão, onde viveu por quase vinte anos. Em 1988 foi autorizado e passou a conduzir retiros e workshops nacional e internacionalmente. Loy, que atua em diversos grupos e movimentos, incluindo o Extinction Rebellion e os Zen Peacemakers, também é co-editor de “Uma Resposta Budista à Emergência Climática”.

Nesta declaração, que teve como primeiro signatário Sua Santidade o XIV Dalai Lama, David Loy, Ven. Bhikkhu Bodhi e John Stanley apontam que é fundamental aceitar “nossa responsabilidade individual e coletiva de fazer tudo o que pudermos para atingir essa meta [de emissões de carbono abaixo de 350 ppm]”


A hora de agir é agora

A declaração a seguir foi publicada pela primeira vez no site ecobuddhism.org, em 2009. Foi composta como uma declaração pan-budista pelo professor Zen Dr. David Tetsu’un Loy e pelo professor sênior da tradição Theravada, Ven. Bhikkhu Bodhi, com a contribuição científica do Dr. John Stanley. O Dalai Lama foi o primeiro a assinar esta declaração.

Hoje vivemos em uma época de grande crise, confrontados pelo desafio mais grave que a humanidade já enfrentou: as consequências ecológicas de nosso próprio carma coletivo. O consenso científico é avassalador: a atividade humana está provocando um colapso ambiental em escala planetária. O aquecimento global, em particular, está acontecendo muito mais rapidamente que o previsto, sobretudo no Polo Norte. Por centenas de milhares de anos, o Oceano Ártico foi coberto por uma área de gelo marinho tão grande quanto a Austrália, mas agora está derretendo rapidamente. Em 2007, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, de sua denominação em inglês) previu que o Ártico poderia perder o gelo marinho no verão de 2100. Agora evidencia-se que isso poderia ocorrer dentro de uma ou duas décadas. A vasta camada de gelo da Groenlândia também está derretendo mais rapidamente do que o esperado. O aumento do nível do mar neste século será de pelo menos um metro, o suficiente para inundar várias cidades costeiras e áreas vitais para o cultivo do arroz, como o Delta do Mekong, no Vietnã.

As geleiras estão diminuindo rapidamente em todo o mundo. Se as políticas econômicas atuais continuarem, as do Planalto do Tibete, nascente dos grandes rios que fornecem água para bilhões de pessoas na Ásia, provavelmente desaparecerão em meados do século. As secas severas e as quebras de safras já estão afetando a Austrália e o norte da China. Os principais relatórios do IPCC, da ONU, da União Europeia e da União Internacional para a Conservação da Natureza concordam que, sem uma mudança coletiva de direção, a redução no fornecimento de água, alimentos e outros insumos pode criar condições de fome, batalhas por recursos e migração em massa em meados do século, por volta de 2030, de acordo com o cientista-chefe do Reino Unido.

O aquecimento global desempenha um papel importante em outras crises ecológicas, como a perda de muitas espécies de plantas e de animais que compartilham esta terra conosco. Oceanógrafos relatam que metade do carbono liberado pela queima de combustíveis fósseis foi absorvido pelos oceanos, aumentando sua acidez em cerca de 30%. A acidificação está prejudicando a calcificação de conchas e recifes de coral e também ameaça o crescimento do plâncton, a fonte da cadeia alimentar da maior parte da vida marinha.

Importantes biólogos e dados da ONU concordam que “manter as tendências atuais de negócios” levará metade de todas as espécies da Terra à extinção neste século. Coletivamente, estamos violando o primeiro preceito – “não prejudicar os seres vivos” – na maior escala possível. E não podemos prever as consequências biológicas para a vida humana caso tantas espécies que contribuem de forma invisível para o nosso próprio bem-estar desapareçam do planeta.

Muitos cientistas concluíram que a sobrevivência da civilização humana está em jogo. Chegamos a um ponto crítico em nossa evolução biológica e social. Nunca houve um momento mais importante na História para usar os recursos do budismo em benefício de todos os seres vivos. As quatro nobres verdades fornecem uma estrutura para diagnosticar nossa situação atual e formular diretrizes apropriadas, uma vez que as ameaças e desastres que enfrentamos vêm da mente humana e, portanto, exigem mudanças profundas em nossas mentes.

Se o sofrimento pessoal deriva do desejo e da ignorância – ou seja, dos três venenos da ganância, da má vontade e da ilusão –, o mesmo se aplica ao sofrimento que nos aflige em escala coletiva. Nossa emergência ecológica é uma versão mais ampla dos problemas humanos incessantes.

Tanto como indivíduos quanto como espécie, sofremos de um senso de identidade que parece desconectado não apenas de outras pessoas, mas também da própria Terra. Como disse Thich Nhat Hanh: “Estamos aqui para despertar da nossa ilusão de separação.” Precisamos acordar e perceber que a Terra é nossa mãe e também nosso lar; neste caso, o cordão umbilical que nos liga a ela não pode ser cortado. Quando a Terra adoece, também adoecemos, porque somos parte dela.

Nossas atuais relações econômicas e tecnológicas com o restante da biosfera são insustentáveis. Para sobreviver às difíceis transições que temos pela frente, nosso estilo de vida e nossas expectativas devem mudar, e isso envolve novos hábitos e valores. O ensinamento budista de que a saúde geral do indivíduo e da sociedade depende do bem-estar interior, e não apenas de indicadores econômicos, nos ajuda a determinar as mudanças pessoais e sociais que devemos fazer.

Individualmente, devemos adotar comportamentos que aumentem a consciência ecológica diária e reduzam nossa “emissão de carbono”. Aqueles de nós que vivem nas economias avançadas precisam reformar e isolar nossas casas e escritórios para obter eficiência energética, abaixar os termostatos no inverno e aumentá-los no verão, usar lâmpadas e eletrodomésticos de alta eficiência, desligar os aparelhos elétricos que não estão em uso, dirigir os carros mais econômicos possíveis e reduzir o consumo de carne em favor de uma dieta vegetariana saudável e ecologicamente correta.

Essas atividades pessoais não serão suficientes por si mesmas para evitar futuras calamidades. Precisamos também fazer mudanças institucionais, tanto tecnológicas quanto econômicas. Devemos “descarbonizar” nossos sistemas de energia o mais rápido possível, substituindo os combustíveis fósseis por fontes de energia renováveis, ​​que são ilimitadas, benignas e harmoniosas com a natureza. Precisamos sobretudo interromper a construção de novas usinas a carvão, uma vez que o carvão é de longe a fonte mais poluente e mais perigosa de carbono atmosférico. Utilizados com sabedoria, a energia eólica, das marés, a solar e a geotérmica podem fornecer toda a eletricidade de que precisamos sem danificar a biosfera. Visto que até um quarto das emissões mundiais de carbono resultam do desmatamento, devemos reverter a destruição das florestas, especialmente do cinturão de florestas tropicais, onde vive a maioria das espécies de plantas e animais.

Recentemente, tornou-se bastante óbvio que mudanças significativas também são necessárias na forma como nosso sistema econômico está estruturado. O aquecimento global está intimamente relacionado às quantidades gigantescas de energia que nossas indústrias devoram para fornecer os níveis de consumo que muitos de nós aprendemos a esperar. De uma perspectiva budista, uma economia sã e sustentável seria governada pelo princípio da suficiência: a chave para a felicidade é o contentamento, em vez de uma abundância cada vez maior de bens. A compulsão por consumir mais e mais é uma expressão de desejo, exatamente o que o Buda apontou como a causa raiz do sofrimento.

Em vez de uma economia que enfatiza o lucro e exige um crescimento perpétuo para evitar o colapso, precisamos caminhar juntos em direção a uma economia que forneça um padrão de vida satisfatório para todos, permitindo-nos desenvolver todo o nosso potencial (incluindo espiritual) em harmonia com a biosfera, que sustenta e nutre todos os seres, incluindo as gerações futuras. Se os líderes políticos são incapazes de reconhecer a urgência de nossa crise global, ou não estão dispostos a colocar o bem de longo prazo da humanidade acima dos benefícios em curto prazo das empresas de combustíveis fósseis, podemos precisar desafiá-los com campanhas contínuas de ação cidadã.

O Dr. James Hansen, da NASA, e outros climatologistas definiram recentemente os alvos precisos necessários para evitar que o aquecimento global alcance “pontos de inflexão” catastróficos. Para que a civilização humana seja sustentável, o nível seguro de dióxido de carbono na atmosfera não é mais do que 350 partes por milhão (ppm). Essa meta foi endossada pelo Dalai Lama, junto com outros ganhadores do Nobel e cientistas ilustres. Nossa situação atual é particularmente preocupante, pois o nível atual já é de 387 ppm e tem aumentado 2 ppm por ano. [Em maio de 2018 era 412,6 ppm.] Temos o desafio não apenas de reduzir as emissões de carbono, mas também de remover grandes quantidades do gás carbônico já presente na atmosfera. Como signatários desta declaração de princípios budistas, reconhecemos o desafio urgente da mudança climática. Unimo-nos ao Dalai Lama para endossar a meta de 350 ppm. De acordo com os ensinamentos budistas, aceitamos nossa responsabilidade individual e coletiva de fazer tudo o que pudermos para atingir essa meta, incluindo (mas não se limitando) às respostas pessoais e sociais descritas acima.

Temos uma breve janela de oportunidade para agir, para preservar a humanidade de um desastre iminente e ajudar a sobrevivência das muitas e belas formas de vida na Terra. As gerações futuras e as outras espécies que compartilham a biosfera conosco não têm voz para pedir nossa compaixão, sabedoria e liderança. Devemos ouvir seu silêncio. Devemos também ser a voz deles e agir em seu nome.

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