Pintura de Mandarava e Guru Rinpoche no templo do CEBB Caminho do Meio (Arte de Tiffani Gyatso e fotografia de Guilherme Erhardt)

Como nos relacionarmos com as histórias de vida dos grandes mestres

No lançamento das biografias de Guru Rinpoche e Mandarava, Lama Padma Samten fala sobre como olharmos mais profundamente para as vidas de budas e grandes mestres


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Edição: Caroline Souza
Transcrição: Caroline Souza

No dia 7 de dezembro de 2021, na última noite do retiro da Iluminação do Buda, ocorreu o lançamento das biografias de Guru Rinpoche e da Princesa Mandarava, publicadas pela Editora Bodisatva. Na ocasião, a equipe da Bodisatva celebrou, ao lado do Lama Padma Samten e da sanga, a tradução para a língua portuguesa dessas histórias tão relevantes no contexto do budismo tibetano. Marcelo Nicolodi, que traduziu Guru Rinpoche: Sua vida e tempos e colaborou com Jeanne Pilli na tradução de As vidas e a liberação da Princesa Mandarava, compartilhou um pouco sobre como foi esse processo. Também fomos presenteados com uma belíssima oferenda dos artistas Eduardo de Maria e Anabela, de Campinas/SP, que musicaram uma Súplica à Mandarava comovente, elaborada por Guru Rinpoche a partir do pedido de Yeshe Tsogyal. Abaixo, transcrevemos dois trechos da fala do Lama Samten, nos quais ele aborda a importância de lermos as biografias de grandes mestres e como a recitação de súplicas pode nos abrir para as bênçãos incessantemente disponíveis. 


Uma vez, tive a oportunidade de perguntar ao Chagdud Rinpoche sobre as biografias de Guru Rinpoche, pois elas variam um pouco, além de serem muito impactantes. O Rinpoche foi bem curto e respondeu: “Todas as versões são verdadeiras”. Aí eu pensei: “Essa é uma boa resposta. É uma resposta perfeita!”

Considero essa uma boa forma de pensar. As biografias são termas: grandes mestres acessam diretamente, no espaço básico, o aspecto sutil da própria vida de Guru Rinpoche. Para nós, isso é muito maravilhoso, pois temos a sensação de que nossa vida é sólida. Estamos vivendo dentro de um corpo, nascemos em um lugar e vamos para outro. Mas a nossa vida já é um aspecto luminoso e vazio. É uma manifestação extraordinária. Nós já somos emanações do Buda primordial, somos totalmente inseparáveis [dele]. 

Portanto, temos esse aspecto secreto, e também um aspecto grosseiro, que são as aparências que brotam das cinco consciências para a sexta consciência: olhos, ouvidos, nariz, língua e tato e a sexta, a mente. De modo geral, parece que é isso o que nós somos, e quando olhamos para Guru Rinpoche, pensamos um pouco dessa forma. 

Mas o aspecto sutil é o conjunto dos referenciais, é a manifestação luminosa e o aspecto energético que faz com que a gente tenha todas essas impressões. Esse aspecto sutil é luminoso. Logo, a vida de Guru Rinpoche não poderia ser contada como uma vida no sentido grosseiro. Não há como. Isso seria falhar totalmente. A vida de Guru Rinpoche é uma vida sutil e secreta. Está certo que nós vamos contar que ele surge em uma flor de lótus e aquilo tem um certo movimento. Mas todos esses movimentos são inseparáveis dos aspectos sutil e secreto.

Assim, é sempre muito interessante lermos as vidas dos mestres, pois nós temos expectativas sobre o que aconteceria. Pensamos a partir da oitava consciência, ou seja, alayavijnana, nossas fixações, os lugares onde estamos. Então, quando lemos essas biografias, vemos que ali as aparências vão ser totalmente livres, como num sonho. É melhor entender a vida de Guru Rinpoche desse modo. O próprio Buda Shakyamuni disse que ele manifesta um corpo de sonho para benefício de seres de sonho imersos em sofrimentos de sonho. Não esqueçam: sofrimento de sonho, pessoal! E, no meio disso, esse é o corpo de Guru Rinpoche. E esse é o nosso corpo também, na verdade. O Buda nos diz isso, mas não acreditamos. Então, olhamos especialmente para esses grandes mestres, como Guru Rinpoche, e eles se manifestam com um aspecto muito mais livre. É uma visão muito mais livre da realidade.

Lia Beltrão e Caroline Souza, da equipe Bodisatva, com Lama Padma Samten e Marcelo Nicolodi, um dos tradutores, no evento de lançamento das biografias

Não precisamos entender, pois vamos lendo e a paisagem da mente, a bolha em que estamos, vai mudando e nem percebemos. Ainda assim, nós vamos mudando e nos transportando paulatinamente para a mandala, para a terra pura de Akanishta, onde Guru Rinpoche existe. Lá também é o lugar onde todos os bodisatvas se manifestam e onde os seres terminam por atingir a iluminação. Essa terra pura vai sendo descortinada pelas histórias, que nos arrastam progressivamente para lá. Por conseguinte, nós não as lemos ou ouvimos na perspectiva grosseira de olhos, ouvidos, nariz, língua e tato, mas desde essa perspectiva mística e extraordinária. 

Gostaria de desejar que essa obra traga muitos benefícios e eles se revertam, também, para as pessoas que fizeram esforços e tornaram isso possível. Vejo os tradutores com esse trabalho superimportante. O Marcelo Nicolodi fez um trabalho maravilhoso na tradução da biografia de Guru Rinpoche, e a Jeanne Pilli e o Marcelo, juntos, fizeram um belo trabalho na tradução da biografia da Princesa Mandarava.

Aliás, Mandarava também é completamente extraordinária. Ela é inseparável de Guru Rinpoche. Não há um ranking segundo o qual um é superior ao outro. Não existe isso. Mandarava manifesta a natureza búdica perfeita. Ela se manifesta como o buda que já era antes de surgir como Mandarava. Então, é muito maravilhoso vermos esse ambiente extraordinário. No caso de Mandarava, é muito extraordinário porque o aspecto feminino aparece com todos os atritos culturais que isso produz. Para nós, tem um sabor adicional, pois há um aspecto que diz respeito ao nível grosseiro e a como vivemos hoje na nossa cultura, com todos os atritos da experiência de ser mulher neste mundo. 

É muito maravilhoso que essas biografias estejam agora disponíveis em língua portuguesa, bonitas e com uma boa tradução!

A prática das súplicas

De modo geral, quando fazemos as súplicas, nós não temos uma visão de fato. Então, julgamos que Guru Rinpoche ou Mandarava são separados de nós. Essa é a condição grosseira da súplica.

Por outro lado, quando realmente fazemos a prece, quando não são apenas palavras, mesmo que não esteja claro o que ou quem é Guru Rinpoche ou Mandarava, e ainda que não os vejamos à nossa frente por estarmos presos a olhos, ouvidos, nariz, língua e tato   às cinco consciências , ainda assim, a nossa mente se abre aos benefícios. No momento em que a prece é feita, surge um espaço para que essas bênçãos cheguem até nós. As bênçãos, na verdade, são incessantes, mas se nós estamos simplesmente ocupados respondendo às múltiplas coisas, não dispomos do espaço para que elas se derramem sobre nós.

As bênçãos são imediatas. No momento em que pedimos verdadeiramente, aquilo simplesmente aparece. No instante em que a gente faz a prece, aquilo já era nosso, já estava presente. Portanto, a mente se coloca nessa posição e instantaneamente o aspecto médio, ou sutil,  já está disponível. O aspecto secreto é quando nós olhamos as preces como a natureza búdica se dirigindo à natureza búdica. Há um sorriso dentro disso, uma compreensão da realização que já não é imediata, mas atemporal. Nós já somos inseparáveis daquilo que estamos pedindo. 

Logo, ao olharmos para Guru Rinpoche como uma figura histórica, esse é o aspecto grosseiro. Quando vemos o aspecto sutil de Guru Rinpoche a mente, a energia, o movimento, o ensinamento —, esse é o aspecto médio. E quando vemos Guru Rinpoche como a própria lucidez de todos os budas e todos os seres, e também como Darmakaya, a luminosidade da mente que produz todas as aparências, incluindo o samsara: esse é o aspecto secreto. Ele está inseparavelmente ligado [a nós] dentro de um tempo que não é tempo. Isso já está disponível. Nós já somos inseparáveis. A prece busca acessar esse aspecto secreto, onde encontramos aquilo que já está presente. 

Então, é sempre muito profundo. Por vezes, nós encontramos obstáculos nesse processo. Os obstáculos se dão quando estamos dentro da visão grosseira e consideramos que Guru Rinpoche também é uma manifestação grosseira. Aí nós dizemos apenas palavras e imaginamos que dizendo palavras alguma coisa vai acontecer. Mas nós já temos a sensação de que simplesmente dizer palavras não vai produzir nada. Nesse caso, não acreditamos e não temos nenhum tipo de conexão. Contudo, se nos abrirmos ao aspecto imponderável e nos propormos a rezar, mesmo no aspecto grosseiro, a gente se abre a isso e as bênçãos fluem instantaneamente.

Lama Padma Samten e a equipe da Bodisatva com os músicos Eduardo de Maria e Anabela, no evento de lançamento das biografias


Para conferir a gravação do evento de lançamento, clique aqui (começa em 00:47:30).


Para conferir a Súplica à Mandarava musicada, visite a página especial.

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