Foto de Daniel Cunha

Morrendo todos os dias

Em visita ao Brasil, Mingyur Rinpoche lança seu livro mais recente e conversa sobre o Darma nos desafios contemporâneos


Por
Revisão: Bruna Crespo e Caroline Souza
Edição: Bruna Crespo
Transcrição: Lilian Moreira Mendes
Tradução: Ormando M.N.
Entrevista por: Gustavo Gitti, Polliana Zocche e Janaína Araújo

A Revista Bodisatva, junto de muitos brasileiros e brasileiras, teve a alegria de estar com Mingyur Rinpoche, um dos grandes mestres do budismo tibetano, no início deste mês de agosto. Ele passou pelo Rio de Janeiro (RJ) e por São Paulo (SP) para oferecer presencialmente os ensinamentos do livro “Apaixonado pelo mundo: a jornada de um monge pelos bardos do viver e do morrer”, lançado oficialmente pela editora Lúcida Letra durante os encontros. Além disso, tivemos a oportunidade de conversar pessoalmente com ele sobre o Darma e alguns desafios contemporâneos da nossa cultura: morte e vida, meditação, crises sociais, ambiente digital, entre outros temas… Desfrutem!


Revista Bodisatva: Nossa cultura é muito materialista e niilista. Também há bastante depressão, e muitas pessoas não acreditam que a iluminação e a liberação completa são realmente possíveis. Qual é a causa disto? E o que o Rinpoche pode nos dizer para que fiquemos mais confiantes?

Mingyur Rinpoche: Normalmente, nós temos muitos hábitos regulares e estamos apegados a eles. Somos influenciados por nossos amigos, família, ambiente… Por exemplo, fazer exercício físico todos os dias é bom, certo? Todas as pessoas acreditam nisso. E quando fazemos exercício físico nos sentimos felizes. Então, no nível intelectual, é bom. No nível da sensação, é boa. Mas você não consegue fazer exercício todos os dias. A maioria das pessoas não faz. E não faz por quê? Por causa do hábito. Então, temos muitos hábitos e estamos perdidos em meio a eles.

Morrer todos os dias é, na verdade, viver todos os dias.

RB: No seu novo livro, o Rinpoche diz que morrer é a melhor forma de viver. Você poderia nos explicar como podemos fazer isso em qualquer experiência?

MR: Sim. Na verdade, em nossa vida estamos morrendo todos os dias. Nosso corpo e todas as células estão morrendo. E geralmente não sabemos, mas quando as células estão morrendo, o corpo se torna disfuncional. Estamos morrendo e renascendo, morrendo e renascendo… De forma similar, nosso pensamento está morrendo, nossa emoção está morrendo, nossas ideias estão morrendo. E nós precisamos deixar morrer. Mas normalmente estamos segurando essas coisas. Nós não queremos deixá-las morrer. Assim, nós viramos zumbis vivos. Nossa vida se torna sem excitação, a criatividade é perdida, a inovação é perdida, e nós não conseguimos melhorar, não conseguimos aprender. Todos estes insights aprendizado, crescimento, criatividade vêm de você deixar que velhas ideias, velhos conceitos e velhas crenças morram. Morrer todos os dias é, na verdade, viver todos os dias. Então, se você fizer isso, terá uma vida livre.

“Um dos melhores esforços para a mudança social é o individual, nós apenas começamos (…) Neste país, se você plantar uma árvore, ela vai crescer completamente.”

RB: Nesse mesmo livro, o Rinpoche afirma que há muitas pessoas pensando desde tendências cármicas, o que torna realmente difícil ir contra ou tentar mudar a sociedade, o consumismo e o materialismo. E, no momento, cientistas afirmam que temos dez ou vinte anos até que o mundo comece a entrar em colapso. Diante destas crises sociais e ecológicas, como podemos dissolver a ignorância em menos tempo, de um jeito rápido?

MR: Eu penso que o mais importante está no nível individual. Fazer muitos esforços é realmente importante. E os esforços coletivos vêm do indivíduo. Então, sem apoio individual, não haverá grande mudança. Se você pensar: “Apoio individual? Ó, o que eu faço? Como isso pode afetar o mundo? O mundo não muda, eu vou fazer o que eu quiser!”… Todo mundo faz isso e, nesse sentido, o mundo não muda. Assim, eu penso que um dos melhores esforços para a mudança social é o individual, nós apenas começamos.

Foto de Daniel Cunha

RB: Apesar de todo esse colapso do mundo, do aquecimento global e ecológico, muitos de nós ainda não têm um senso de urgência para fazer essa transformação pessoal. Do que mais precisamos? Por que não temos essa urgência? O que nós precisamos contemplar para termos essa urgência de mudar nossas vidas agora e não ficarmos esperando?

MR: Eu acho que o mais importante, no nível individual, é que todas as pessoas tentem fazer o que, por exemplo, nós fazemos muito no Nepal: o plantio de árvores. Na minha cidade natal, neste ano estamos plantando vinte e cinco mil árvores nativas. No ano que vem, vamos plantar outras vinte e cinco mil. Dessa forma, no monastério nós tentamos ao máximo plantar muitas árvores. No meu quintal pessoal também. Eu tenho um quintal que se tornou uma floresta. É pequeno, mas tem muitas árvores. No começo eu disse “árvores demais”. Mas depois as árvores conversavam umas com as outras: “você cresce aqui, você ali”. Então isso é bom. Se uma pessoa plantar três árvores neste mundo, com toda essa população, todas as pessoas plantando mais e mais árvores… Mesmo que seja apenas uma árvore, isso é bom. Você também pode financiar iniciativas semelhantes. Neste país, se você plantar uma árvore, ela vai crescer completamente. Penso que esse esforço de base é importante de ser mostrado aos outros, falar sobre ele, conectar outras pessoas e trazer consciência nas redes sociais.

“Se a compaixão está em união com a vacuidade, não há dor.”

RB: Quando ouvimos pela primeira vez ensinamentos sobre a vacuidade, pode acontecer de ficarmos assustados ou surpresos, com a sensação constante de não termos entendido ainda. Às vezes, as pessoas até dizem: “eu não preciso passar por esses ensinamentos, apenas pela compaixão e pela meditação”. Então, qual é a importância de passar pelos ensinamentos sobre a vacuidade?

MR: Vacuidade não significa “nada”. As pessoas sentem medo porque pensam que ela é nada. Na verdade, com vacuidade você se torna mais vivo. E, especialmente se você pratica compaixão, então a compaixão se torna muito forte. Porque com apenas compaixão, no começo é bom, mas depois você sente dor. Toda dor vem para você e não sabe o que fazer com ela. Mas, se a compaixão está em união com a vacuidade, não há dor. Assim, a compaixão se torna muito forte, sem apego.

RB: Nós temos muitas pessoas interessadas em meditação no Brasil. E há muitos instrutores que não têm vasta experiência, que não são grandes professores como o Rinpoche. Então, qual seria o conselho do Rinpoche para essas pessoas? Esperamos por um grande mestre como um Rinpoche ou está bem começar a praticar com essas instruções?

MR: Eu penso que existem muitos níveis de prática de meditação. A meditação simples é ok, mas se você apenas treinou um pouquinho e ensina que essa é “A” meditação, isso é um problema. Você está com muita pretensão. E você não tem a experiência e a habilidade. Mas apenas a meditação simples, observar a respiração, está bem. Agora nós, no Tergar, queremos realmente treinar nisso. Nós estamos tentando desenvolver esse tipo de programa. Desse modo, as pessoas podem concluir os três níveis de “Alegria de viver” e ajudar outras pessoas no futuro. Nós estamos pensando sobre isso. Talvez você possa ir para esse tipo de treinamento grande. Procure um programa de treinamento profundo, que realmente ajude você, e então poderá ajudar os outros com mais benefícios.

RB: Ainda sobre esse assunto, o Rinpoche tem realmente focado em ensinamentos online. Qual é sua visão sobre isso? Que importância a internet tem para difundir o Darma e os ensinamentos?

MR: O online, no começo, tem dois benefícios. Um é que novas pessoas, não conectadas, podem se conectar. E aqueles que estão realmente conectados com os ensinamentos principais, eles não podem alcançá-lo online. Você precisa receber os ensinamentos sobre a natureza da mente face a face. Depois disso, as pessoas podem falar umas com as outras através da comunidade online, esse é o segundo benefício. Eu acho que essas coisas são realmente boas.

Mingyur Rinpoche com Polliana e Janaina, foto de Daniel Cunha


Agradecimentos a Tergar Brasil e a Yang Pi.

Para adquirir ou ler trechos do livro “Apaixonado pelo mundo: a jornada de um monge pelos bardos do viver e do morrer” pela Lúcida Letra, acesse aqui →


Apoiadores

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *